Zilda Arns

Por: Revista Filantropia
01 Março 2003 - 00h00
Ela comanda mais de 155 mil voluntários, atuantes nos 27 Estados brasileiros. Idealizou, fundou e coordena uma das instituições mais respeitadas em todo o mundo, a Pastoral da Criança, ligada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Foi indicada pelo governo brasileiro por duas vezes consecutivas ao Prêmio Nobel da Paz. Perdeu o prêmio, mas conservou a maestria de evitar a morte de crianças com ações básicas e baratas. Ela é Zilda Arns Neumann, 68 anos, médica pediatra e sanitarista, irmã de D. Paulo Evaristo Arns, viúva, mãe de cinco filhos e avó de oito netos. Iniciou o trabalho da Pastoral no Estado do Paraná, numa cidadezinha de quinze mil habitantes e com uma mortalidade infantil de 127 óbitos por mil nascidos vivos. Hoje, nas regiões atendidas pela Pastoral, a mortalidade é de 13 para mil. Suas ações não se limitam ao Brasil. Países da América Latina, Ásia e África já entraram na rede de solidariedade, que se utiliza do tripé educação, saúde e alimentação para salvar vidas. Um exemplo de dedicação e boa vontade, Zilda Arns recebeu, no ano passado, o título de Heroína da Saúde Pública das Américas, homenagem prestada pela Organização Pan-americana de Saúde. A última conquista da Pastoral foi o Prêmio das Crianças do Mundo – Pelos Direitos das Crianças, uma iniciativa da ONG Children’s World, fundada em 1979, na Suécia. No dia em que concedeu entrevista à revista Filantropia, Zilda Arns tinha acabado de receber a boa nova e comemorava, junto a um pequeno grupo de líderes comunitárias, a última conquista. E graças às mãos solidárias das mulheres que atuam na Pastoral, que somam mais de 90% dos voluntários, Zilda Arns comemora cada ano de vida das crianças que atende. Usa um jargão para falar do Dia Internacional da Mulher: “nosso dia é todo dia”. Também fala sobre a própria vida, sobre a força da mulher e sobre a importância de trilhar um caminho, um simples caminho.

Filantropia: Diante do imenso trabalho já realizado pela Pastoral da Criança, a senhora acredita que, hoje, está com a missão cumprida?

Zilda Arns: Acho que sempre tenho muito que fazer para cumprir minha missão, que só vai terminar na hora em que eu morrer. Tem muito trabalho a ser feito, pois há tantas pessoas pobres que necessitam de ajuda. Por isso, nós temos que continuar, para consolidar este trabalho, e que mais pessoas participem sempre desse voluntariado. Se eu morresse hoje, diria ‘Meu Deus, muito obrigada pela oportunidade que me deu na vida’. Minha vida foi muito bonita, apesar de também ter tido sofrimento. Sempre fui muito realizada na minha profissão e agradeço também pela minha família. Mas, naturalmente, creio que ainda há muito a ser feito.

Filantropia: Qual o segredo para ajudar tantas pessoas com poucos recursos?

Zilda Arns: Temos R$1,18 por criança/mês. Realmente é muito pouco. O dinheiro para o tratamento médico vem do Ministério da Saúde e, para alfabetização, nós temos o Ministério da Educação. Temos também a TIM Celular e outras que estão colaborando. Das doações do Criança Esperança, que é o nosso maior parceiro não governamental, cerca de 27% das doações são repassadas à Pastoral da Criança. Nós também iniciamos, alguns anos atrás, doações através da conta de luz. Criamos um programa informatizado, junto com a Copel do Paraná, que foi o primeiro Estado a participar. Nossas líderes visitam as casas em sua própria comunidade e perguntam se as pessoas gostariam de ajudar a Pastoral através da conta de luz. Mais de 90% dos colaboradores contribuíram com 1 real por mês. Que tenham 200 mil colaboradores... os pobres estão ajudando os pobres. Isso já existe em outros Estados, como Alagoas, Bahia, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.

Filantropia: Mesmo assim, é pouco dinheiro...

Zilda Arns: Os recursos humanos em obras sociais sempre pesam muito, então, trabalhamos com voluntariado. Em segundo lugar, nós só trabalhamos com ações simples, baratas e facilmente reaplicáveis, que não elevem os custos de transporte e de outras coisas mais. Nosso material educativo é feito em grande quantidade. Produzimos nossos materiais, testamos nas cinco regiões do País e, então, fazemos em grande quantidade. Temos também auditorias internas e externas, para evitar qualquer problema de desvio. Além disso, o Tribunal de Contas está aqui toda hora. Queremos que os recursos sejam gastos adequadamente em seus respectivos objetivos. Saúde não pode financiar alfabetização e vice-versa.

Filantropia: Qual o poder de voz da Igreja dentro da Pastoral?

Zilda Arns: Você sabe que a Pastoral da Criança é um órgão autônomo da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). Nós temos estatuto e regimento próprios, que, naturalmente, foram discutidos em todo o Brasil pela Pastoral e, depois, mandados para a CNBB, para ver se estavam de acordo. Quem elege o coordenador nacional e o bispo é a CNBB. Nos outros níveis, é a própria Pastoral que elege. A presença da Igreja é muito importante, porque ela tem uma capilaridade extraordinária, e a Pastoral aproveita isso para multiplicar o saber e a solidariedade humana entre as famílias pobres. Toda nossa rede de voluntárias, que são mais de 155 mil, é capilarmente distribuída no Brasil.

Filantropia: Já sentiu algum tipo de resistência nas comunidades, pelo fato de a Pastoral ser ligada à Igreja?

Zilda Arns: Nunca na vida. Ainda hoje, recebemos um pequeno grupo de voluntárias e eu perguntei se havia alguém de outra religião. Dentre as quinze voluntárias, uma era evangélica. Em todos os grupos que visito, sempre há pessoas de outras religiões. E queremos que seja assim. Logo quando fundei a Pastoral da Criança, visitei pastores de outras três religiões e expliquei para eles minhas apostilas, que eram datilografadas –não tínhamos dinheiro para nada. Desde a primeira experiência, sempre houve pessoas de outras religiões. Agora, 90% são católicas e mais de 90% são mulheres.

Filantropia: O que a motivou para iniciar todo esse trabalho?

Zilda Arns: Sempre adorei crianças. Encanto-me com crianças, mas me encanto do fundo do coração. Acho que a criança é o ser mais perfeito que possa existir, não tem preconceito, é alegre por natureza, muito franca, amorosa e especial. Desde pequena, fugia de casa para cuidar das crianças dos empregados dos meus pais. Depois, optei por pediatria e, já como estudante, não só fazia estágios obrigatórios, como cheguei a morar no hospital. Quando me formei, fui a primeira aluna recém-formada nomeada para ser médica do Estado, da Secretaria de Saúde Pública. E o que eu mais observei como estudante e como pediatra é que as mães traziam as crianças sempre por doenças que poderiam ser facilmente prevenidas. Quando D. Paulo foi a uma reunião em Genebra com a Unicef, voltou com a idéia de ensinar às crianças o soro oral, o nosso soro caseiro. Então, D. Paulo me telefonou para contar sua idéia e eu lhe disse: ‘não é só o soro, tem que ensinar outras coisas também’. Assim, fiz o esboço de um projeto e a Unicef me chamou em Brasília e ficou encantada com a idéia de treinar líderes comunitárias. Apoiou o projeto nos primeiros três anos, pagando as viagens, o treinamento e a alimentação das líderes. Eu não tinha livros, mas tinha despesas com xerox e outras coisas mais. Depois de três anos, fui falar com Ézio Cordeiro (presidente do Inamps, à época) e, então, começou o convênio com o Ministério da Saúde.

Filantropia: Acha que o voluntariado cresceu no país?

Zilda Arns: Cresceu e se tornou mais visível. Muitas pessoas ainda trabalham em creches voluntariamente, ou em hospitais com portadores de deficiência. Contudo, é um trabalho bastante anônimo. Mesmo na Pastoral da Criança, as líderes são anônimas e silenciosas, trabalham por amor e nunca aparecem na televisão.

Filantropia: Como se tornar voluntário da Pastoral?

Zilda Arns: Uma das áreas de voluntariado é constituída por líderes da própria comunidade, ou seja, são pessoas pobres que moram na favela ou em uma área rural. Geralmente, são procuradas por alguém que as conhece ou, muitas vezes, a pessoa ouve falar da Pastoral da Criança e entra em contato. A partir daí, a pessoa recebe um treinamento que dura, no mínimo, 40 horas para poder começar a trabalhar na Pastoral. Há também um outro tipo de voluntariado que é constituído por profissionais, médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, economistas, contabilistas... Tem de tudo na Pastoral. Os profissionais podem se dedicar à capacitação das líderes e, também, dar apoio ao trabalho dessas lideranças. Alguns voluntários dizem ‘olha, eu vou ajudar no dia do peso, vou fazer sopa, lanche...’, outros dizem ‘eu gosto de alfabetizar’. Com isso, nós temos cerca de 40 mil alunos em alfabetização, jovens e adultos. Mas tudo isso com a boa vontade da pessoa.

Filantropia: Como vê a situação da mulher no país de hoje?

Zilda Arns: Embora ainda haja bastante machismo, eu diria que a mulher progrediu muito mais que os homens. Há mais mulheres com nível de escolaridade (1o grau, 2o grau, nível superior) maior que o dos homens. Na Pastoral, o desenvolvimento da mulher é uma coisa incrível. Mulheres analfabetas, que quase não levantavam a cabeça, aprenderam a ler e escrever, e hoje, discutem com prefeitos, médicos... A mulher tem uma capacidade muito grande para desenvolver-se e tornar-se agente de transformação social. Em nosso curso de alfabetização, sempre há mais mulheres que homens. As mulheres dão um jeito, elas querem mais, elas têm uma garra maior.

Filantropia: Por que tantas críticas ao programa “Fome Zero”?

Zilda Arns: Acho que as críticas já foram quase que atendidas em tudo. Por que ter que fazer prestação de contas desse dinheiro? Isso já se tornou tão flexível. Tenho certeza de que não vai ser implantado. Agora, por outro lado, o cupom já foi deixado de lado. Contudo, os programas Bolsa Alimentação e Bolsa Escola parece que já estão assegurados; o dinheiro vai para a mão da mulher. O melhor dinheiro é aquele que chega na mão da mãe, porque a mãe sabe o que a criança precisa, o que a família precisa. Ela ama mais e está mais preocupada com o bem-estar geral da família. Quando tem dinheiro, a primeira coisa é ver se tem comida, uma roupinha, alguma coisa que falte. Dessa forma, os resultados são maiores.

Filantropia: Em um país onde a concentração de renda é desigual, o estímulo à filantropia, ao terceiro setor, não pode parecer uma tentativa de tapar o sol com a peneira? Não seria melhor distribuir a renda?

Zilda Arns: Os dois são um caminho e têm que andar simultaneamente. Um é a solidariedade entre todas as classes sociais e, até mesmo, entre países ricos e pobres. Os países ricos não vão ter sossego enquanto existirem excluídos. Na medida em que os excluídos diminuírem, o consumo aumentará, pois a economia do país melhorará. Uma coisa é interdependente da outra. Eu penso que a solidariedade, a área social das empresas, já melhorou muito nos últimos anos e tende a melhorar cada vez mais. A responsabilidade social das empresas é uma alavanca enorme. Se cada empresa cuidar, nem que seja apenas de seu próprio município, o Brasil terá menos pobres, as pessoas verão a empresa com melhores olhos e os funcionários trabalharão com muito mais amor, porque sabem que essa empresa está ajudando a diminuir a exclusão social.

Filantropia: Alguma comemoração especial no Dia Internacional da Mulher?

Zilda Arns: Nosso dia é todo dia. Naturalmente, nas comunidades, há sempre alguma lembrança ou um lanche em comemoração ao dia. Geralmente não temos dinheiro para eventos, então, vamos levando. Mas este ano, vamos comemorar os 20 anos da Pastoral da Criança, dia 14 de dezembro. Precedido pelo 1o Congresso Nacional da Pastoral da Criança será em Curitiba, onde funciona a coordenação nacional. Funcionava na minha casa há 16 anos, e agora, temos uma sede muito bonita, doada pelo governo do Estado.

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