Turismo sem limites

Por: Juliana de Souza
01 Maio 2007 - 00h00

No dia 22 de fevereiro de 1984, nascia Fátima, a segunda filha de Laila e Mohamed El Kadri. Os médicos até tentaram prorrogar o parto por nove dias, mas a apressadinha veio ao mundo pré-matura; ficou apenas seis meses no ventre de sua mãe. Depois de 48 dias na incubadora, o casal finalmente pôde levar a caçula para casa. Não parecia haver nada de errado com ela, até a fase do engatinhar, quando, em vez de movimentar primeiro uma perna e depois a outra, a menina arrastava as duas.
As complicações do parto fizeram com que Fátima nascesse com paralisia cerebral e, consequentemente, dificuldade na coordenação motora que compromete seus braços e pernas. Entretanto, a garota superou os obstáculos, concluiu a faculdade de jornalismo e hoje trabalha no departamento de comunicação da Microsoft. Nas horas vagas, vai ao cinema, teatro e viaja, mas diz que se divertiria mais se o problema da acessibilidade não fosse tão grande no Brasil.
As dificuldades encontradas pelas pessoas com deficiência ficam bem evidentes em um simples passeio pelas ruas e parques da cidade. “Valetas, buracos, a inexistência de rampas de acesso, entre muitas outras coisas, fazem de um simples caminhar uma verdadeira aventura”, brinca Fátima. A jornalista, que vive de alto astral e não se priva dos prazeres da vida, acredita que falta muito para o Brasil ser um país acessível. “Não reclamo por mim, que posso caminhar, mas pelos cadeirantes. É quase impossível fazer turismo no nosso país estando em uma cadeira de rodas”, afirma.

Turismo acessível: um caso sério
A nomenclatura utilizada também causa polêmica na área do turismo. Muitos são os termos usados inadequadamente por estabelecimentos de cultura e lazer para identificar as pessoas com deficiência: especiais, excepcionais, portadores de necessidades especiais. O fato é que, em muitas das situações, há preconceito e descaso com essa parcela da população.
“O setor está abandonado no Brasil. Atualmente, o Ministério do Turismo é quem deveria fiscalizar esse trabalho de inclusão de pessoas com necessidades especiais, mas, infelizmente, isso não acontece”, indigna-se Rodrigo Moreira, professor do curso de Turismo da Universidade Ibirapuera. Segundo ele, transporte, rampas de acesso, serviço em hotéis não são fiscalizados devido ao baixo número de demanda: “Hoje em dia são poucos os deficientes que viajam”. Daí surge a dúvida: será que eles não viajam porque a questão da acessibilidade é precária ou a questão da acessibilidade é precária porque eles não viajam?
De acordo com a coordenadora da área de Turismo do Senac São Paulo, Priscila Izawa, as normas existem e estão sendo divulgadas, mas ainda há um período de adequação e dificuldade de fiscalização. “O mercado deve exigir mais. Quando as pessoas com deficiência começarem a viajar freqüentemente, as coisas vão melhorar”, explica. Izawa diz ainda que os empreendimentos se questionam sobre os motivos da adequação de todo o sistema interno para receber essas pessoas. “Se eles não utilizam nossos serviços, por que preciso investir tanto em acessibilidade? É isso o que pensam os empresários”, completa ela.
Com essa atitude, os empreendimentos perdem um grande nicho de mercado, já que, segundo o Censo Demográfico de 2000 do IBGE, existem no Brasil cerca de 24 milhões de pessoas com alguma deficiência. “Esse público prefere aproveitar os períodos de baixa estação do turismo, justamente para contar com um melhor atendimento, com mais qualidade”, explica Silvia Basile, presidente da ONG Férias Vivas, uma entidade sem fins lucrativos que visa a ajudar a garantir um turismo seguro no Brasil.

Adrenalina para todos
Quem foi que disse que a prática do ecoturismo e de esportes radicais não pode ser realizada por pessoas com necessidades especiais? Até pouco tempo atrás, era impossível uma pessoa com deficiências físicas fazer rapel, escalada, paraquedismo, paraglider, entre outros esportes de muita adrenalina. Hoje, existem até instituições especializadas em incluir esse público nas práticas que unem esporte e natureza.
A Equipe Turismo Aventura Especial é uma delas. A associação civil de direito privado, caráter social e sem fins lucrativos trabalha com o conceito de esporte de aventura adaptado desde 2005. Além de estimular parcerias, o diálogo local e a solidariedade entre os diferentes segmentos sociais, a entidade promove projetos e ações que visam sensibilizar a indústria do turismo a adaptar seus estabelecimentos para as pessoas com deficiência. “Ministramos palestras, cursos de capacitação, projetos e eventos na área do turismo e do lazer em que as pessoas com deficiências possam se sentir capazes, como trilhas, passeios, visita a museus, teatro, cinema, praia, entre outros”, explica Joedson Nunes, idealizador da Equipe.
Uma das histórias apresentadas pela associação é a de Robson Careca, surfista profissional e corredor do circuito brasileiro. Um acidente de carro o deixou tetraplégico, mas a paixão pelo esporte lhe deu coragem para superar as dificuldades. Dessa forma, ele continua fazendo travessias e pegando onda. Sua prancha adaptada lhe permite ainda desfrutar do contato com a natureza. “Meus amigos me levam até a beira do mar para eu subir na prancha e eu surfo deitado. O importante é sentir os prazeres que o esporte proporciona. Atualmente, sou o único surfista tetra do mundo”, orgulha-se.
Outro caso de superação é de Antônio Maciel, técnico de enfermagem que, em fevereiro de 2000, sofreu um acidente e teve que amputar os dois pés. Após um ano de recuperação, descobriu que a vida continua com outros olhos e outros pés – as próteses de alta prefomance. Há seis anos, Antônio deu início às atividades esportivas e, hoje, é um corredor de destaque na categoria amputado bilateral em provas brasileiras e internacionais. Conhecido pelo carinhoso apelido de Perna Elétrica, muitas vezes é o único brasileiro presente em sua categoria, concorrendo ainda nas modalidades de ciclismo e natação.


O que fazer para melhorar?
Especialistas deram algumas dicas sobre o que os estabelecimentos devem fazer para garantir uma opção de lazer agradável e segura.

“As preocupações são muitas. Deve-se pensar em toda a estada, o transporte e o trânsito dessa pessoa. Por exemplo: que suporte ela terá ao sair do quarto do hotel para ir a um restaurante ou à piscina? É indispensável que os empreendimentos tenham cadeiras de rodas, menu em braile, corrimão nas escadas e até mesmo sinais luminosos indicando princípio de incêndio, entre muitas outras coisas.”
Silvia Basile, coordenadora da ONG Férias Vivas

“O mais importante é o atendimento. Em muitos locais a estrutura já existe, mas o trato com as pessoas com deficiência ainda deixa a desejar. Deve haver muita comunicação na relação entre quem oferece o serviço e quem o recebe. Por não haver muita demanda, o treinamento de pessoal para atender deficientes ainda não é profissional, mas deve entrar na filosofia da empresa.”
Priscila Izawa, coordenadora da área de Turismo do Senac São Paulo

“Os empreendimentos devem sempre verificar se todo o serviço é acessível. Se há apartamentos e áreas comuns acessíveis, se mantém contrato com empresas de transporte que têm veículos adaptados. Além disso, precisa treinar seu pessoal para receber bem, com qualidade e naturalidade.”
Edgar Werblowsky, presidente da Freeway Turismo

“O importante é receber sem preconceitos. Além de todas as adaptações físicas necessárias, o bom atendimento deve ser prioritário. Alguns hotéis fizeram treinamento com a Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual e hoje são completamente concebidos para receber essas pessoas.”
Simone Sansiviero, professora de Turismo da Universidade Anhembi Morumbi


Links
www.anhembi.br
www.aventuraespecial.com.br
www.feriasvivas.org.br
www.freeway.tur.br
www.sp.senac.br
www.unib.br
www.viajandodireito.com.br


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