S O S Hospitais Filantrópicos

Por: Daniela Tcherniacowski
01 Setembro 2004 - 00h00
Entidades seculares que iniciaram a história da saúde no Brasil, as Santas Casas de Misericórdia e os Hospitais Filantrópicos vêm passando por uma delicada crise financeira. Exemplo disso é o Hospital Santa Marcelina, um dos mais importantes da Zona Leste de São Paulo, que soma uma dívida de pelo menos R$ 50 milhões.O principal motivo, segundo o setor, está no baixo valor pago pelo SUS (por falta de atualização das tabelas), que não consegue cobrir o custo dos procedimentos. O problema, muitas vezes, ainda é agravado pelo atraso no repasse. A solução, geralmente, são os empréstimos bancários que, a longo prazo, aumentam o endividamento dos hospitais por conta dos altos juros.Para se ter uma idéia da importância dessas instituições no sistema de saúde nacional, em 2003 as cerca de 2.100 instituições filantrópicas espalhadas pelo país foram responsáveis por quase 5 milhões de internações, 41% das mais de 11 milhões realizadas pelo SUS. Os dados são da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas - CMB.Driblando a criseApesar das dificuldades atingirem a maior parte dessas instituições, há quem consiga encontrar maneiras de driblá-las, como a Santa Casa de Porto Alegre. Hoje, é uma das poucas entidades em condição financeira mais equilibrada, após muitas décadas de crises, que a fez até fechar as portas em 1978 pelo período de 36 horas.Em meados de 1983, novos fatos se encarregaram de piorar a situação. "O hospital gastava mais do que recebia, não cobria custos de serviços de fornecedores e ainda acumulava mais de 900 causas trabalhistas por falta de pagamento", lembra Olímpio Dalmagro, atual diretor-geral da entidade, que naquele ano entrou na instituição para assumir a Diretoria Administrativa justamente com a missão de sanar a crise.Entre as ações, Dalmagro adotou um sistema de gestão empresarial que assegurasse a sobrevivência da casa, profissionalizou a equipe e trabalhou pela melhoria das condições tecnológicas. Por meio de convênios com universidades e governo estadual, resolveu parte das questões financeiras. Já com as contas praticamente em dia, percebeu a necessidade de investir em especialidades como cardiologia e oncologia, centros cirúrgicos e UTI, fazendo da Santa Casa uma referência no Estado do Rio Grande do Sul.Atualmente, o complexo inclui dois hospitais gerais e cinco especializados, sendo um dos mais indicados em transplantes de órgãos. Em 2003, atendeu a mais de363 mil pacientes por dia, dos quais 62,7% pelo SUS. "Hoje, a Santa Casa de Porto Alegre compreende uma estrutura enorme, de sofisticada tecnologia voltada para atendimentos de extrema complexidade, tendo conquistado vários prêmios de gestão. Isso tudo graças ao projeto de profissionalização, planejamento e visão de longo prazo", afirma Dalmagro.Distante do histórico de problemas, a Santa Casa de Porto Alegre pode ser considerada praticamente uma exceção, num momento em que o setor de saúde filantrópico encontra-se, em sua maioria, à beira de um colapso.Prevendo este cenário, o Ministério da Saúde teve de criar mecanismos a fim de auxiliar as entidades.Programa de Reestruturação do Ministério da SaúdeLançado em agosto deste ano, o Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino do SUS, no qual se incluem alguns hospitais filantrópicos, visa não só socorrer financeiramente as instituições, mas reformular o sistema de gestão.No total, o programa prevê, para este ano, o repasse de mais R$ 100 milhões para manutenção e incentivo à contratualização das unidades de ensino.A proposta de reestruturação muda a relação entre gestor e prestador de serviço. Com ela, gestores de saúde e hospitais vão discutir e especificar as metas que deverão ser cumpridas. Essas metas serão formuladas, levando em conta a realidade da rede de saúde local e as necessidades da população a ser atendida.O programa também altera a forma de financiamento dos hospitais de ensino, que passarão a receber de acordo com o cumprimento das metas. Atualmente, o repasse de recursos é baseado na produção de serviços. Isto é, os hospitais de ensino recebem de acordo com a realização de consultas, número de internações e outras ações. O novo modelo de financiamento prevê orçamento global para os hospitais, e apenas os procedimentos de alta complexidade continuarão sendo pagos por produção.A primeira entidade beneficiada foi o Hospital Santa Marcelina, de São Paulo, que fechou convênio com o Ministério e a Prefeitura de São Paulo e receberá, por mês, um adicional de mais de R$ 692 mil. Outra atendida pelo programa foi a Santa Casa de São Paulo, cuja dívida com fornecedores chega a R$ 18 milhões. Pelo contrato com o Ministério da Saúde, receberá cerca de R$ 1,4 milhão a mais por mês, representando, por ano, R$ 16,71 milhões."O principal problema enfrentado pela Santa Casa de São Paulo é a diferença entre custo e receita, pois o SUS deixa de cobrir 35% dos gastos totais, o que significa um grande déficit para um hospital como o nosso que atende 95% pelo SUS'', explica Antônio Carlos Forte, superintendente da instituição.Para suprir suas necessidades financeiras, uma das formas de captação de recursos, segundo ele, está no hospital Santa Isabel, cujo atendimento é feito somente por convênio particular. O volume de atendimentos nesta instituição responde por 5% do total e corresponde a 15% da receita geral. "Tudo o que é arrecadado vai para o caixa da Santa Casa".Ao todo, a entidade compreende 7 hospitais (que realizam cerca de 7 mil atendimentos/dia), um colégio, uma escola de enfermagem e uma faculdade de Medicina. Por mês, recebe R$ 14 milhões do SUS, sendo que, segundo Forte, a manutenção do complexo gira em torno de 21 a 22 milhões de reais mensais.Para resolver este buraco nas finanças, a solução pode ser a participação no programa do Ministério da Saúde. Mas, para isso, deve resolver, em sua administração, outro impasse comum da área de saúde no Brasil: a priorização de atendimentos de alta complexidade.Como o acordo vincula o repasse de verbas aos procedimentos, o intuito do governo é que os grandes hospitais deixem os casos mais simples para postos de saúde. A medida, ao mesmo tempo em que desafoga a enorme demanda destas unidades, estimula melhor planejamento das ações, já que os hospitais saberão antecipadamente quando receberão o dinheiro, sendo 90% dele fixo e 10% liberado por cumprimento das metas."Será uma possibilidade do hospital se administrar melhor", avalia o superintendente da Santa Casa de São Paulo.De acordo com o ministério, atendimentos de média-complexidade - área com maior estrangulamento no SUS - terão cálculo de quanto é repassado atualmente para os hospitais de ensino. Com base nesse levantamento, o órgão do governo vai estabelecer um repasse fixo para cada instituição e criar um fator de incentivo.Vale ressaltar que os recursos recebidos regularmente pelos hospitais de ensino, como o Fideps e, no caso dos hospitais filantrópicos, o Integrasus, serão incorporados ao novo modelo.Para poder cumprir com a meta de atender apenas os casos mais complexos, a Santa Casa de São Paulo deverá encaminhar cerca de 20% de sua demanda para os postos de saúde até o fim do ano.Outro objetivo do órgão federal de saúde é estimular o aprimoramento dos hospitais em relação ao ensino e à pesquisa em saúde, aos mecanismos de gestão hospitalar e mudanças na maneira como esses hospitais se inserem na rede do SUS. Por isso, duas outras portarias foram assinadas pelos ministros da Saúde, Humberto Costa, e da Educação, Tarso Genro. Uma delas cria novos requisitos para certificação dessas instituições como "de ensino".CritériosAo todo, são 17 quesitos a serem observados para se obter o título de hospital de ensino. Um deles é oferecer atividades curriculares de internato para todos os estudantes de pelo menos um curso de Medicina e promover ações de outro curso da área de saúde. Outras exigências são estar de acordo com as normas de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ter dez vagas de primeiro ano de residência hospitalar nas áreas básicas.É necessário, ainda, garantir o acompanhamento de professores aos estudantes de graduação e residentes, assim como a realização de atividade regular de pesquisa. A instituição deve ter instalações adequadas de ensino, com sala de aula e recursos audiovisuais, e acesso a uma biblioteca atualizada e especializada na área de saúde.Aumento no repasse do SUSUma das maiores reivindicações dos hospitais filantrópicos - o reajuste na tabela de procedimentos do SUS - saiu neste ano, acrescendo cerca de R$ 505 milhões no limite financeiro anual da Assistência Ambulatorial e Hospitalar.A medida também foi realizada em 2003, sendo que ao todo, foram destinados mais R$ 330,48 milhões por ano (R$ 27,54 milhões por mês) para pagar as novas tabelas.Segundo dados do Ministério da Saúde, de janeiro a junho de 2004, o órgão repassou R$ 1,8 bilhão para os hospitais filantrópicos cobrirem gastos com ações de média e alta complexidade. Em 2003, essas unidades receberam R$ 2,8 bilhões.Apesar disso, dada a contínua penúria das contas dos hospitais, o governo também está negociando com a Caixa Econômica Federal alternativas de apoio e saneamento financeiro, além de linhas de crédito especial para a renegociação de dívidas das instituições filantrópicas.Com todas estas medidas e o recente programa de reestruturação dos hospitais, que ainda deverá ser assinado por mais sete outras entidades, resta agora esperar os resultados.Os primeiros passos para que o setor filantrópico de saúde possa superar a crise já estão sendo dados. Melhor ainda do que ter as contas em dia, o objetivo final é que os hospitais sejam verdadeiras referências em atendimento, ensino de profissionais e em pesquisa no Brasil. Pelo menos é como principalmente a população mais carente deve ver um dia sua cidadania respeitada."Em 1983, o hospital gastava mais do que recebia, não cobria custos de serviços de fornecedores e acumulava mais de 900 processos pos falta de pagamento"-"O principal problema da Santa Casa de São Paulo é a diferença entre custo e receita, pois o SUS deixa de cobrir 35% dos gastos totais"Antônio Carlos Forte, superintendente da instituição -

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