A Convenção Europeia sobre o reconhecimento da personalidade jurídica das organizações não-governamentais, desde 1991, formalizou as ONGs internacionais com origem e atuação no continente europeu. Trata-se de uma importante ferramenta legal, já ratificada por dez países europeus, que pode servir como parâmetro a outros grupos de nações. Por meio de tal instrumento, a ONG que dele puder fazer uso terá a permissão para atuar em qualquer país signatário, conquistando os mesmos direitos e deveres que qualquer outra instituição nativa.
A elaboração da convenção foi resultado de uma longa trajetória. A relevância das ONGs foi atestada pelo Conselho da Europa no início de 1951. Em seguida, várias etapas de formulação e aprovação foram cumpridas até sua adoção, em 24 de outubro de 1985, e realizou-se abertura para assinatura dos países integrantes do conselho em 24 de abril de 1986. Atualmente, 47 países europeus formam o conselho, ou seja, quase todo o continente.
Para se beneficiar da norma, a ONG deve atuar em ao menos dois países europeus, além de não ter fins lucrativos e cumprir as exigências legais de seu país-sede. Respeitando o que se pede, a entidade se torna passível de obter o reconhecimento de sua personalidade jurídica em todas as nações que tenham ratificado a convenção, que, no momento, são: Áustria, Bélgica, Chipre, Eslovênia, França, Grécia, Portugal, Reino Unido, Suíça e territórios da antiga Macedônia.
Alguns dos principais detalhes da convenção são:
A origem do que entendemos hoje por ONGs Internacionais é religiosa. Por exemplo, a Companhia de Jesus atua há séculos em todo o mundo e, no Brasil, iniciou suas ações nas primeiras décadas logo após o descobrimento. Assim, desde os primórdios, as Organizações Não-Governamentais de Alcance Transnacional (ONGAT – como também são conhecidas as ONGs Internacionais) são caracterizadas pelo espírito de operação global.
O reconhecimento legal de qualquer organização, em nível internacional, está se tornando cada vez mais importante devido ao aprofundamento da globalização. A intensificação das relações sociais, econômicas, políticas e culturais transformou os problemas e soluções nacionais em soluções e problemas mundiais. Por exemplo, questões como a paz, o efeito estufa, as crises financeiras, a fome, o abastecimento de água, o controle e a cura de doenças, a imigração e a pesquisa científica, entre outros, não podem ser resolvidas em nível nacional.
Mesmo nacionalmente, há muitas questões que devem ser encaminhadas conjuntamente entre Primeiro, Segundo e Terceiro Setores. Isoladamente, as soluções tornam-se mais difíceis. As ONGs internacionais, dessa forma, devem igualmente articular-se com os outros dois setores para que possam dar conta de sua missão.
É, portanto, vital também o desenvolvimento da globalização jurídica para as instituições. Nas últimas décadas e, especialmente, nos anos mais recentes, os atores mundiais deixaram de ser somente os Estados, multiplicando-se em diversos tipos. Além das poderosas empresas multinacionais, muitas vezes com receitas maiores do que o PIB de vários países, há também os sindicatos mundiais, com milhões de trabalhadores associados e, finalmente, um conjunto razoável de ONGs com impactos em todo o planeta.
Estando fortalecidas pelo reconhecimento jurídico internacional, as ONGAT se convertem em atores planetários fundamentais para a criação de um mundo onde se busque a simetria das forças políticas e ideológicas, e não o cenário de hegemonia assimétrica de um ou poucos atores. As ONGs internacionais podem, nesse sentido, contribuir efetivamente não só para um mundo mais justo, mas também mais democrático. Diga-se de passagem, justiça e democracia se completam e dificilmente são obtidas separadamente.
A Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do Economic and Social Council (Conselho Econômico e Social), reconhece a existência das ONGs desde 1950. Esse conselho é um dos mais importantes da ONU na medida em que é responsável pela coordenação de suas 14 agências especializadas (Organização Internacional do Trabalho, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, Fundo Monetário Internacional, Banco Internacional de Reconstrução de Desenvolvimento, Organização Mundial do Comércio etc.), além de todos os outros comitês e comissões especiais, técnicos e econômicos.
Ao longo das últimas décadas, o conselho alterou algumas vezes os critérios para o reconhecimento de uma ONG pela ONU, como após a ECO-92, no Rio de Janeiro. A última resolução referente a tais princípios é de 25 de julho de 1996, e inovou no sentido de reconhecer enquanto instituição não somente as de nível internacional, mas também as regionais, sub-regionais e nacionais.
Outra referência muito importante da ONU em relação às ONGs está na própria Carta das Nações Unidas, na qual estão estabelecidos os propósitos e princípios da entidade desde sua fundação, em 1945. No artigo 71 desse documento está estabelecido claramente que o conselho poderá consultar não somente suas estruturas orgânicas, mas também ONGs internacionais e nacionais.
Uma sugestão para a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e outras entidades que defendem as ONGs é a luta pela construção de um marco legal internacional para os países que formam, por exemplo, o Mercosul (Mercado Comum do Sul). E por que não, quem sabe, em um futuro não tão distante, o desenvolvimento de um projeto, junto à ONU, que vise obter reconhecimento legal para as ONGs internacionais em todo o mundo? No caso do Brasil, pode-se até pensar em uma ação conjunta entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) ou até mesmo entre os países que fazem parte da OEA (Organização dos Estados Americanos) ou Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
A tendência do mundo é a consolidação de uma sociedade planetária multifacética no que se refere às suas instituições e poder político e econômico. Essa realidade está se impondo por vários fatores, entre eles o acesso à comunicação em escala jamais vista e o aumento do nível de organização da sociedade civil. Hoje está muito mais difícil enganar e esconder.
A perpetuação de um único Estado e pequeno grupo de multinacionais dando as cartas no jogo mundial é uma ideia que está se enfraquecendo. Um conjunto muito maior e mais diverso de atores se fortalece no papel de protagonistas da governança global e, entre eles, estão as ONGs transnacionais.