Diz a história que o padre espanhol jesuíta José de Anchieta, ao chegar ao Brasil, nos idos do século 16, teve como primeira missão a catequização indígena, a partir da uniformização dos dialetos dos índios tupis e guaranis, vindo a fundar, por ordem do também jesuíta Padre Manuel da Nóbrega, o Colégio São Paulo de Piratininga (1554), que possuía com maior objetivo levar aos índios os princípios do Cristianismo.
No mesmo diapasão de tal doutrina, muitos foram os representantes de organizações religiosas que desembarcaram no Brasil para imprimir iguais caminhos aos brasileiros, ou seja, a evangelização e a promoção humana por meio da educação. Citamos, entre eles, os franciscanos. Aliás, a história também indica que eles chegaram antes do Padre Anchieta, e com Pedro Álvares Cabral (1500), quando descobriu o Brasil; os beneditinos (1584); os capuchinhos (1612); os agostinianos (1693); os salesianos (1883) com as Filhas de Maria Auxiliadora e tantos outros que há séculos têm os mesmos propósitos.
Não obstante a forte contribuição das religiosas, que protagonizaram a educação no mundo e, em especial, no Brasil, a alfabetização, se comparada com a da Europa Ocidental e do Japão, países que no início do século 20 já possuíam a maioria de sua população alfabetizada, está muito aquém de qualquer modelo, pois temos algo próximo de 15 milhões de brasileiros analfabetos, ou seja, cerca de 8,7% da população, segundo a última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tal dado coloca o Brasil na oitava posição do ranking mundial dos países que mais possuem analfabetos no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Ocorre que dentro desse cenário o mais preocupante é que a escola fundada e dirigida por religiosos, independentemente da eleição de seu carisma (cristianismo, protestantismo, judaísmo, islamismo e outros), está infelizmente se dissuadindo, mesmo diante do fato de sempre ter agregado um diferencial na formação humana, ou seja, o sentido de que a vida não está jungida apenas à matéria, formada por bens e ambições efêmeras, mas também ao espírito unigênito, que é eterno.
Os motivos, então, que estão levando à derrocada de muitas escolas derivadas das congregações religiosas não são poucos, porém nos arriscamos a elencar alguns que temos testemunhado.
Estudar em escolas religiosas, num passado não muito longínquo, era sinônimo de qualidade e, a partir disso, de status, pois dali saíam os alunos mais aptos a enfrentar os desafios da vida, em face da sólida base da educação e da sua formação humana.
O método primário empregado, via de regra, pelas escolas religiosas era, e muito provavelmente, para muitas, ainda é, o cultivo do amor ao próximo, às suas origens, ao seu país e a tudo que lhe fora concebido. Em meio à grade educacional obrigatória, era rotina se deparar com disciplinas inusitadas, tais como: o ensino religioso, a moral e cívica, a música gregoriana, entre outras.
Era flagrante o emprego de uma rotina acadêmica visando doutrinar o respeito. Destacamos algumas delas: (i) levantar-se quando o “mestre” entrava; (ii) ficar em silêncio quando o mestre escrevia no quadro-negro; (iii) cantar o hino nacional ao ver o hastear da bandeira; (iv) agradecer a Deus pela merenda; (v) rezar diariamente; (v) acatar sem contestar as correções; e tantas outras.
Enfim, a escola religiosa primava, e seguramente prima até hoje, por condutas de valores diferentes de muitas escolas laicas, mas nem todos os jovens e pais enxergam tal método como importante na formação, e acabam por buscar uma proposta menos ortodoxa e mais “moderna”, menos “careta”.
Muita embora haja escolas laicas que são referência e modelos de formação acadêmica e humana, é necessário assinalar algo que não é novidade: muitas escolas por aí enxergam na formação algo secundário, pois o produto é o aluno. Por lá, o mestre virou tia; o pai, a maior autoridade; a disciplina é apenas um detalhe; a solidariedade virou competição; a reunião da associação de pais e mestres (APM) agora é associação de tias e babás (ATB). O giz deu lugar à tecnologia, que trouxe consigo os jovens da geração “i” — iPad, iPhone, iTunes, iCloud e outros. Quem não entra nela também fica na geração “i”, mas de “(i)gnorante”.
Enfim, a religiosa, ainda que aprimorada, continuou apostando muito mais na sua tradição e, por consequência, em alguns dos seus valorosos, porém veteranos métodos; hoje, amargam a evasão do aluno, ora endossada pelos pais, que vislumbram a escola liberal como “mais transada”, “sacudida” e “inovadora”. Esta, por sua vez, ataca no marketing, assedia o docente com melhor oferta de salários, é mais célere no planejamento estratégico, investe mais no entretenimento do parque educacional, promove intercâmbio, eventos esportivos de alta exposição e muitas outras técnicas de maior sedução.
Assim, enquanto a escola religiosa apara as arestas para se manter em pé, a laica protrai a atenção de investidores e de fundos econômicos que identificam no aluno um produto interminável, muito diferente da tradicional menina dos olhos dos capitalistas: as commodities, que são finitas. Tanto é verdade que no país de 15 milhões de analfabetos existe a maior empresa de educação do mundo, com 1,5 milhão de alunos.
Enfim, sem adentrar ao mérito acerca de qual escola agregará maior valor ao jovem de hoje, que será o adulto do amanhã, é certo que a religiosa está sendo nocauteada pela escola laica no quesito “fidelização do alunado”, e que a tradição virou traição.
A filosofia e o carisma da escola religiosa, entre outros, têm por base pregar o evangelho educando e transformando pessoas, visando arraigar o legado de Jesus, de “amar ao próximo como a ti mesmo”. Nesse ponto, a concessão da bolsa de estudo a quem dela necessita passou a fazer parte do seu DNA, pois do contrário seria mero proselitismo.
No entanto, como a necessidade é prima da oportunidade, muitos se aproveitam do coração alado das religiosas para estudar às custas da escola, sob o discurso do orçamento raquítico familiar.
Relevando que a escola religiosa integra, na sua grande maioria, o rol das entidades beneficentes que possuem o véu da imunidade tributária, cuja contrapartida é a entrega de bolsas de estudos (uma para cada cinco pagantes — vide Lei nº 12.101/09), uniu-se o útil com o agradável, então, “fazer o bem com a ajuda do Estado, que mal tem?”.
Em princípio, tudo parece ideal, a missão e a obrigação, lado a lado, porém o custo da bolsa muitas vezes acaba invariavelmente criando uma verdadeira vala nos cofres da instituição, e aquela aparente comunhão de valores e interesses se transforma numa irmã siamesa, cuja separação é quase que impossível.
O que denigre o orçamento da religiosa não é a bolsa de estudo, mas sim o critério incontido dos religiosos, que pela sua bondade infinita fazem a partilha a muitos pedintes transvestidos de pessoas carentes, ou aos seus caronistas. Isso custa caro e corrói, no decorrer dos tempos, as reservas da escola. Assim, haja oração para suprir tamanha obrigação!
É medida de rigor, então, equilibrar a emoção, evitando que a religião fique isolada da razão, e ceifar os aspirantes a pobre quando o assunto é educação.
São crescentes as diversas classes profissionais: engenheiros, advogados, médicos, marceneiros, pedreiros e tantas outras. No entanto, tal fenômeno visita a via transversa quando o assunto são os apostolados à vida consagrada, pois a vida liberal é mais sedutora e a disciplina é flexível.
A par de tal fato, a população que vive a serviço do carisma religioso está minorando, pois os escolhidos estão envelhecendo e a renovação não está em velocidade compatível, de modo que os leigos estão sendo contratados para contribuir para a missão da Igreja, dirigindo escolas e coordenando projetos. Exceção feita àqueles que lucram com a palavra da fé, cuja ascendência é notória.
Ocorre que com esse fenômeno os religiosos estão desencorajados de multiplicar as suas obras, dada a necessidade até mesmo de mantê-las ante a falta de mão de obra que comungue com os mesmos propósitos da missão. Assim, não é exagero nos depararmos com agigantadas construções seculares (com baixa ocupação educacional e até mesmo com determinados sinais de abandono) que estão sob o seu domínio.
Contudo, a tradição das escolas religiosas vira empecilho para novos horizontes, tais como a fusão e/ou incorporação com outra instituição, ainda que seja do mesmo carisma.
Até mesmo a locação dos espaços ociosos é obstada ante o temor da contaminação da idoneidade e do carisma da escola. Todavia, o custo se eleva e quem banca sozinha é a organização religiosa, que já sofre com a evasão e com a política de bolsa de estudos.
Abrir um curso universitário, diversificar a fonte de renda e focar o superávit para manter viva a chama da educação de valores, porém de forma competitiva, também são arestas difíceis de digerir, dada a ausência de religiosos para abraçarem o múnus de servir desinteressadamente.
Enfim, é chegada a hora de repensar os caminhos e o melhor aproveitamento dos bens a serviço do bem, para se obtemperar uma nova realidade na escola religiosa sem deixar de lado a tradição, mas apimentando a exposição, pois “quem não aparece, apodrece”, e, obviamente, modernizando sem macular a valorização. Do contrário, o capitalismo vai matar a escola religiosa; como dizia Camões: “o fraco rei faz fraca a forte gente”.
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