No combate à violência infanto-juvenil

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
01 Março 2004 - 00h00
O dia 18 de maio faz parte do calendário nacional desde 1998 como data representativa de uma guerra que apresenta batalhas diárias. Trata-se do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil. Apesar de tema de urgência evidente, muito ainda deve ser feito no sentido de reduzir, quiçá exterminar, a violência sexual contra crianças e jovens. Já existem movimentos sólidos e crescentes voltados a essa causa, que apresentam conquistas dignas de registro. Quanto mais palmas, divulgação e apoio para as organizações envolvidas nessa luta, menos palmadas nas crianças e jovens brasileiros.

Araceli, criança do Brasil

A definição do dia 18 de maio não foi feita de forma aleatória. Na verdade, antes tivesse sido esse o critério de escolha. Entretanto, e infelizmente, a história conta outros fatos. A data faz referência a um crime que chocou o país por sua brutalidade. Araceli Cabrera Sanches, na época com oito anos, foi seqüestrada, espancada, drogada, estuprada e morta por integrantes de tradicionais famílias da sociedade capixaba dos anos 70. Quase trinta anos depois, os assassinos continuam impunes.

Então o dia definido exalta a impunidade, motivação da crescente violência social? A resposta é afirmativa no sentido de registrar a histórica inoperância do sistema judiciário, que, desde o descobrimento da nossa terra tupiniquim, vem fazendo vistas grossas e ouvidos de mercador para muitos casos que envolvem sobrenomes tradicionais. No entanto, a preferência por 18 de maio também pode e deve ser interpretada como um compromisso com um ser humano indefeso que pagou com a vida pela impunidade. Esquecer é permitir; lembrar é combater. É por Araceli, assim como por outras crianças e jovens que já sofreram, e na esperança de evitar sofrimentos futuros, que o Cedeca-BA tem trabalhado para defender e garantir os direitos fundamentais infanto-juvenis, especialmente o direito à vida e à integridade física.

História de protagonismo

Dentre uma série de trabalhos realizados pelo Cedeca-BA, vale destacar a participação na criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil: o dia 18 de maio nasceu em 1998 na Bahia, quando cerca de 80 entidades públicas e privadas reuniram-se no 1º Encontro do Ecpat (organização internacional que luta pelo fim da exploração sexual e comercial de crianças) no Brasil. Organizado pelo Cedeca-BA, representante oficial da organização, o evento reuniu instituições de todo o país. Transformada em projeto de lei pela deputada Rita Camata, a proposta foi aprovada pelo Congresso Federal, passando a integrar o calendário oficial do país, e a campanha foi adotada pelo governo federal.

A história do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan, o Cedeca-BA, é marcada, segundo Samantha Xavier, psicóloga e vice-coordenadora executiva da organização, “pela ousadia e independência de quem faz da mobilização, da articulação e do conhecimento as principais estratégias”. Fundado em 1991 por entidades sociais de Salvador, as ações do Centro vêm desenvolvendo mecanismos que fortalecem a proteção jurídico-social, a prevenção e o atendimento às crianças, adolescentes e seus familiares, vítimas de homicídios e de violências sexuais. Samantha afirma: “O método de intervenção social dessa instituição está baseado no desenvolvimento prévio de pesquisas setoriais, que possam contribuir para uma leitura mais realista e apurada de determinada situação”. As pesquisas fornecem elementos para que o Cedeca-BA tenha como atuar na questão de forma consciente e transformadora, construindo políticas públicas que dêem prioridade à proteção integral da criança e do adolescente.

Violência sexual

A decisão da entidade de atuar junto à problemática da violência sexual contra a população infanto-juvenil teve início em 1994, conta a vice-coordenadora executiva da organização. “A constatação de que, enquanto os meninos eram assassinados nas ruas da capital baiana, as meninas eram violadas sexualmente, motivou a realização da pesquisa Meninas de Salvador”, completa ela. O estudo revelou os sonhos, medos e expectativas de 74 adolescentes exploradas sexualmente. Por meio dessa produção foi possível dar início a várias ações que, desde então, têm desencadeado outras tantas, responsáveis pela consolidação do Cedeca-BA como entidade-referência no enfrentamento e prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Os resultados da pesquisa motivaram ainda a realização da I Conferência Metropolitana sobre Prostituição Infanto-Juvenil, também em 1994, reunindo 70 organizações sociais. A partir das discussões, o Centro construiu o Plano Estratégico de Intervenção Sócio-Jurídico na Exploração Infanto-juvenil, oferecendo aos conselhos de direitos subsídios para a formulação de políticas públicas de combate a essa problemática.

Articulando setores estratégicos da sociedade baiana, veiculou-se em julho de 1995 a Campanha contra Exploração Sexual lnfanto-Juvenil, primeira ação do Plano, que ganhou visibilidade nacional ao ter sido adotada pelo governo federal em dezembro do mesmo ano. O apelo e o incentivo à denúncia foram as marcas da campanha, nas vozes e canto de Renato Aragão, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Daniela Mercury. Segundo Samantha, “naquele primeiro ano foram recebidas 3,4 mil denúncias, sendo abertos 300 inquéritos na Bahia”. A campanha acabou impulsionando a iniciativa de quatro novas leis (duas municipais e duas federais) específicas no combate à violência sexual infanto-juvenil e dezenas de campanhas regionais. Precursora no país, a mobilização é realizada todo ano, durante o carnaval, reunindo entidades públicas, sociedade civil organizada, artistas e comunicadores, formando uma grande rede em defesa dos direitos infanto-juvenis.

Conhecimento à disposição

A maior dúvida que paira sobre diversos projetos sociais, especialmente sobre aqueles que trabalham com defesa de causas, diz respeito à barreira que separa a proposta assistencialista da política pública de assistência. Afinal, como ultrapassar os limites de uma visão puramente jurídica? A partir dessa compreensão surgiu no Cedeca-BA o Projeto de Estudos e Pesquisas sobre a Exploração e o Abuso Sexuais de Crianças e Adolescentes, visando à instalação de um banco de dados, com o apoio financeiro e técnico do Projeto Pommar. Entre as finalidades, Samantha Xavier destaca “a criação de um arcabouço conceitual que proporcione à sociedade civil e aos profissionais atuantes na área, especificamente, a possibilidade de falar uma linguagem comum para um planejamento articulado, captação de recursos eficaz e, principalmente, mudança de cultura”. O banco de dados está disponível na página virtual da instituição, com textos de especialistas e estatísticas sobre o assunto.

O Centro também oferece a seus usuários serviços gratuitos de advocacia, psicoterapia individual, musicoterapia, dança e grupos de apoio, além de equitação, ginecologia, pediatria e odontologia por meio de convênios com profissionais liberais e clínicas de Salvador. Caso fossem pagos, tais serviços sairiam por aproximadamente R$ 840,00/mês. No entanto, a vice-coordenadora ressalta: “O custo do Cedeca-BA com seus pacientes gira em torno de R$ 99,50. Isso demonstra que o trabalho com uma equipe multidisciplinar e as parcerias reduzem significativamente os custos com o tratamento das crianças, adolescentes e suas famílias”.

São muitos outros os exemplos de intervenção social que o Cedeca-BA tem para contar nos quase 15 anos de existência. Muito já feito, mas a consciência de que há muito ainda a fazer. Dentre as prioridades está o plano de aumentar sua capacidade de atendimento atual, que é de 150 crianças e adolescentes, simultaneamente. Para tanto, está à busca de financiamento a fim de aumentar a equipe de profissionais de atendimento direto, fundamental para alcançar a meta.

Não há dúvidas de que inúmeras crianças, infelizmente, ainda choram silenciosamente. Por esse motivo é que se deve torcer pela ampliação e o sucesso das organizações como o Cedeca-BA, assim como para o encorajamento da sociedade civil voltado à denúncia, ferramenta indispensável para a justiça.

Números do Cedeca-BA

15: anos de existência

150: crianças e adolescentes atendidos

3,4: mil denúncias durante a Campanha contra Exploração Sexual lnfanto-Juvenil (1995)

300: inquéritos abertos na Bahia durante a mesma campanha Cedeca-BA

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