O Impeachment Presidencial e o Terceiro Setor

Por: Marcos Biasioli
09 Junho 2016 - 04h23

 

O padeiro depende da farinha para o seu ofício, o farinheiro do trigueiro, o trigueiro do obreiro, o obreiro da mãe natureza. A natureza não produz sem o obreiro, o obreiro não produz sem o trigueiro, que não pode semear, azar do farinheiro, ruim para o padeiro, porém pior para o brasileiro. Esta simples metáfora demonstra que a cadeia do mais tenro processo produtivo, se interrompida por qualquer ator, desmantela a mesa do cidadão. Imagine, então, uma economia patética que mal faz, pois afeta a todos os atores do processo, quebrando a produção e a própria locomotiva do Estado.

Neste cenário, então, o impeachment, que virou pano de fundo, não foi impulsionado apenas pelas pedaladas fiscais, pois, se o Brasil estivesse com saúde econômica, talvez ele seria apenas um ator coadjuvante, mas não o astro que o povo se apegou para resgatar a moralidade pública.

No entanto, é preciso entender, economia à parte, que o impeachment deriva de crime e o processo que foi aprovado pela maioria absoluta do Congresso Nacional é oriundo da infração à Constituição Federal:

Art. 85.

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(...) V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

As provas apontaram que houve crime de responsabilidade, porém os arautos do poder defendem que a presidenta é honesta e não surripiou sequer um vintém dos cofres públicos em seu benefício, como se existisse apenas uma categoria de crime – qual seja, o de prevaricação, em que o ator lesa a pátria apenas em seu benefício. Advogam, então, a tese de que todo o imbróglio jurídico transveste-se de golpe, cujo movimento é político e não jurídico. E mais, hastearam a bandeira como se estivessem em campanha para a cooptação do voto direto, sob o apelo de que os programas Bolsa Família, Universidade para Todos, Pronatec, entre outros, seriam cessados caso aprovado o processo de impeachment, e que o pobre voltaria a ser miserável.

Triste empreitada da defesa, que subestimou o saber de nossas Instituições, fazendo com que nos lembrássemos do magistério de Norberto Bobbio, que explicou a ascensão e a queda da esquerda: “Nolialtum sapere sed time” (Não te envaideças de teus elevados saberes, mas teme-os).

Assim, o discurso sucumbiu e o impeachment já passou e, recentemente, após o relator da Comissão Especial do Senado Federal apresentar o parecer que versa sobre a admissibilidade quanto à instauração do processo, o plenário, por maioria simples, o aprovou e, com isso, a presidenta ficará afastada do cargo por um prazo de 180 dias. Como pode ser observado pelo resultado dessa votação, os bons ventos da mudança sopram nesta casa do Poder Legislativo, na medida em que, não obstante ter iniciada a fase de produção de provas e apresentação de defesa, mais de dois terços dos senadores votaram pela instauração do processo, quantidade suficiente para posterior aprovação do afastamento definitivo da chefe do Poder Executivo.

Caso seja esta a rota do destino e o impeachment venha a se consumar, uma grande vala de dúvida sobre o futuro do Brasil já paira no ar, em especial quanto ao norte das políticas públicas sociais. Assim, parafraseando Carlos Drummond de Andrade: “A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”. Arriscando-nos a responder, temos então que caminhar em um só sentido, qual seja nos desapaixonarmos da vaidade de ser o criador para que nos apeguemos ao papel do operador, visando à preservação do bom em detrimento do ruim.

Neste diapasão, guardadas as barbáries cometidas pelo partido que representava o Poder Executivo, que cotidianamente vêm sendo reveladas e penalizadas pelo Judiciário, assomado ao crime de responsabilidade fiscal ora praticado pela presidenta, que pode levá-la a desembarcar do poder, não há como tirar o verniz de alguns pilares que foram construídos sob gestão do governo petista e que os próximos governos precisam valorar, sob pena de um retrocesso abismal.

Para doutrinar o assunto, é bom rememorar que na década de 1930 imperava o Conselho Nacional de Seguridade Social (CNSS), criado para organizar e centralizar as obras assistenciais públicas e privadas, porém este naufragou em sua essência, ante o clientelismo político e a manipulação de verbas públicas. Na década de 1940, o modelo foi a Legião Brasileira de Assistência (LBA), impulsionada para tutelar as famílias cujos chefes foram para a guerra, porém a iniciativa virou a esfinge do primeiro damismo, de modo que abalou sua eficácia de perenidade e universalização. Já nos anos 1970, idealizou-se o Ministério da Previdência Assistência Social, com a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), que centralizava as políticas em nível federal, ao invés da descentralização visando à identificação e ao diagnóstico das causas por meio da capilaridade regional.

Foi a Constituição Federal de 1988 que trouxe novos rumos às políticas públicas, visando à integração dos entes federados e da sociedade, na saga das erradicações das desigualdades. Derivado e por ordem dela, a matéria social teve que ser regulamentada pelo Congresso Nacional, sendo que nos idos de 1993, sob a batuta do então presidente Itamar Franco, nascia a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), que tem como diretrizes: I – descentralização político-administrativa para os estados, o Distrito Federal e os municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III – primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.

Na regência desta lei, coube aos entes federados implementar, ao seu bel prazer, as políticas públicas, desde que convergentes com a Constituição. De tal liberdade, virou libertinagem e muitos foram os programas criados Brasil a fora, cuja adversidade de rótulos (Leve-Leite, Bom Prato, Dose Certa etc.) viraram mais marca para marketing eleitoral do que programa de Estado, ameaçando a essência da ordem constitucional e vulnerando o tão sofrido orçamento e, por óbvio, o direito do cidadão brasileiro.

A liberdade da saga da estrutura social conferida aos entes federados, guardadas exceções, trouxe uma legião de malfazejos e o dinheiro público foi ralo abaixo, o que fez brotar um universo de denúncias de desvios públicos, não só fruto de corrupção, mas em especial de finalidade, no qual o pobre virou produto eleitoral, mas não causa para desafios de erradicação de desigualdades. Não foram e não são poucos os inquéritos e processos criminais e cíveis para penalizar e recuperar recursos desviados do cidadão brasileiro por meio das ONGs.

Diante de tal despautério, e talvez por ser a bandeira hasteada pelo governo petista, assomada da determinação constitucional e legal, o tema virou agenda política para o reordenamento da gestão das ações descentralizadas e participativas de assistência social no Brasil, visando à integração dos entes União, estado e município.

O assunto foi debatido no âmbito nacional, em especial com a participação de atores especializados, e, levado a pauta da IV Conferência Nacional de Assistência Social, de 2003, quando foi deliberada a implantação do Sistema Único de Assistência Social (Suas). O ponto alto é que todo o debate engendrado não foi como de praxe ocorre, ou seja, intramuros – “governo a dentro” –, mas sim, de certa forma, participativo, com status de pacto federativo, vez que foi ostensiva a integração e presença com voz ativa da sociedade civil organizada, como: União Social Camiliana, Cáritas, Polis, ABCC, Adventistas, Pastoral da Criança, CUT, Fenacon, Fórum Nacional de Secretários Estaduais, Colegiados dos Gestores Municipais (Cogemas), Febec, CNTSS e outras.

Para o funcionamento do Suas, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), por meio da Resolução nº 130/2005, aprovou a nova Norma Operacional Básica (NOB), que vigora até então – ainda com percalços, porém não deixa de traduzir que foi e está sendo um importante avanço para o desenvolvimento social do Brasil.

De outro lado, outro tema ocupou largo espaço na agenda pública do atual governo, que foi o árduo debate do mecanismo para o financiamento indireto da promoção humana, por meio do respeito à ordem constitucional da imunidade dos entes sociais.

Até 2009, a imunidade foi tratada como renúncia do Estado e não como limitação ao poder de tributar, porém, mediante a intervenção judicial (ADIN nº 2028 e outras tantas decisões judiciais) e política, a Lei nº 12.101/2009 entrou em ação, unificando os requisitos para se aferir o direito constitucional, o que trouxe um norte aos operadores sociais do Brasil.

Em outra dimensão, o governo atual também trouxe, após largo debate com a sociedade civil, outro mapa legal (Lei nº 13.019/2014), que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil organizada, em regime de mútua cooperação para a realização de finalidades de interesse público.

Enfim, ainda que sob a perspectiva da organização legal, muito trabalhou o atual governo, e cremos que isto fez o país amadurecer no debate e na saga da gestão pública, até mesmo se espelhando nos seus erros, porém nada adianta a construção de leis se elas não forem cumpridas, e como o exemplo vem de cima, nada mais justo que criminalizar quem dita, mas não as cumpre, pois já está há muito tempo em desuso o imperialismo, do qual nasceu o velho adágio: “faça o que eu mando, mas não o que o faço”!

Que venham novas gestões para um Brasil melhor, mais justo, mais honesto, sem corrupção, de modo que, unidos em uma só voz, dizemos SIM ao impeachment da presidenta, caso assim entendam instituições de direito, porém não à derrubada das políticas públicas sociais, que a duras penas foram edificadas não só pelo governo, mas por meio dele, com o suor e as lágrimas da sociedade civil, que representa o mais retumbante de todos os partidos, o Terceiro Setor, pois, do contrário, aí sim estaremos testemunhando um golpe ao cidadão brasileiro.

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