Economia virou mais do que palavra de ordem. É praticamente uma obsessão administrativa em boa parcela das organizações sociais. Preocupadas em eliminar gastos desnecessários e diminuir o consumo de recursos que anteriormente não eram considerados importantes para a manutenção da saúde financeira, as entidades estão refazendo suas contas e repensando projetos.
Tal movimento começou bem antes da crise financeira que assombra o mundo desde outubro, mas logo após esse quadro, apressou-se a minimizar ao máximo quaisquer efeitos colaterais no caixa das entidades do Terceiro Setor. Somado a esse cenário, há também o pesadelo da diminuição do volume de doações. A conta é simples: menos dinheiro na economia, menos recursos no caixa das entidades.
Sendo assim, a redução de custos operacionais, que já figura na pauta principal das organizações sociais há algum tempo, virou assunto de prioridade máxima. Agora, chegou o momento de se repensarem as contas; é hora de apertar o cinto, cortar a própria carne com o menor impacto possível para o atendimento.
Em maior escala, dependendo dos rumos que as perdas forem tomando, as entidades terão de praticar uma ação que ficou conhecida historicamente como encilhamento – período de agitação financeira logo após a implantação da República no Brasil, caracterizado pelo grande movimento de especulações bolsistas e negócios arriscados.
Se antes poupar recursos era uma das diretrizes incentivadas por políticas de preservação ambiental ou racionamento energético e de água, hoje o estímulo vem das incertezas causadas pelo aumento gradual do valor de produtos e serviços, que tornaram a gestão de todos os setores da economia mais dispendiosos.
Mesmo antes da crise, muitas entidades já haviam tomado decisões voltadas à economia de insumos em função dessa elevação de preços. As ações variam desde aproveitar ao máximo o papel usado nos departamentos (evitando, por exemplo, impressões desnecessárias ou otimizando o uso de sobras de papel transformando-as em blocos de notas), trocar lâmpadas incandescentes por fluorescentes, o que leva a uma redução de até 80% no consumo, e até mesmo aproveitar a água da chuva para lavar áreas externas.
Seguindo a idéia de que é preciso economizar a todo custo, entidades estão cortando serviços tradicionais. O Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (CRC SP), por exemplo, optou por transformar o Boletim CRC SP em uma publicação on-line para o exercício de 2009.
De acordo com o chefe de compras da organização, Willian Cândido dos Reis, haverá uma brutal economia de recursos. “Com essa iniciativa deixaremos de consumir 114 toneladas de papel por ano, gerando uma economia total com a impressão e os serviços correlatos, como postagem, de até R$ 1,28 milhão.”
O CRC SP também aboliu os copos descartáveis em prol da adoção de canecas de porcelana, evitando o descarte de milhares de unidades. “Além de preservar o meio ambiente, com o fim do descarte do material, a entidade deixará de gastar R$ 10,5 mil anualmente”, salienta.
Modelo a seguir
Uma das maiores e mais reconhecidas entidades do país, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), conta com um rígido sistema de contenção de custos, com planejamento detalhado sobre como e onde aplicar os recursos. A austeridade do programa é tamanha que existe uma forte conscientização dos colaboradores, mostrando a eles a importância da participação de todos para atingir as metas estabelecidas.
“Semanalmente, realizamos reuniões de análise dos resultados com os gerentes, ocasião em que são apresentadas ações de melhoria”, explica o superintendente operacional da AACD, Luiz Oberdan Liporoni. “Possuímos painéis de gestão transparente espalhados pela entidade, para que todos tenham conhecimento das metas e resultados obtidos”.
Liporoni faz um apanhado das ações realizadas dentro desse programa de redução de despesas que, com a crise econômica, poderá se tornar ainda mais exigente. Em telefonia, a AACD pratica um efetivo controle dos ramais para chamadas para celular e DDD, diminuindo bastante o consumo mensal, realiza campanhas de conscientização dos colaboradores com a emissão mensal de relatórios comparativos dos gastos de cada departamento, além de ter adotado o sistema VoIP nas unidades com maior fluxo de chamada.
No quesito água, a entidade realiza a leitura diária do consumo, visando identificar distorções mais rapidamente; contratou uma empresa para gerenciamento do consumo com a instalação de redutores de vazão em todas as torneiras não críticas; alterou o processo de aspiração das piscinas, reduzindo o volume de água jogada fora; está mudando as redes, antes enterradas, para aéreas, visando a uma fácil identificação de possíveis vazamentos; e passou a utilizar as águas da chuva para lavar o pátio e molhar jardins.
Já o desperdício de energia elétrica é combatido a partir de investimentos da Eletropaulo, dentro do projeto de Eficiência Energética, quando foram substituídas todas as luminárias antigas da Unidade Central, de 2 x 40W, por luminárias de alto desempenho, de 2 x 32W, com reatores mais econômicos. Dentro desse mesmo projeto, foi instalado um sistema de aquecimento solar para atender os chuveiros da unidade de Osasco.
“A AACD formatou também uma política rígida para o uso do ar condicionado, com ordem para ligar e desligar em horários pré-determinados, ocasionando uma redução significativa de despesas”, lembra o superintendente operacional, mostrando que a economia obtida já foi suficiente para reduzir o custo do hospital da instituição em 5,8% e aumentar o número de cirurgias gratuitas em 8%.
Avape
Quem também redobrou a atenção com gastos desnecessários foi a Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais (Avape), cuja gestão já trazia na rédea curta a área financeira. A entidade, entretanto, prefere nomear o programa de “uso racional de recursos”, como explica o diretor executivo Afonso Reis.
“Aprimoramos constantemente a forma de otimizar o uso de recursos, com o objetivo de chegar a um orçamento equilibrado. Seja do ponto de vista micro, macroeconômico ou específico da organização, estamos atentos às mudanças no cenário financeiro, que já começaram a repercutir no mercado geral e, certamente, vão repercutir no nosso negócio também”, frisa. Somente com salários, encargos e benefícios, a Avape gasta 80% de sua receita.
Para 2009, a entidade foi obrigada a montar um orçamento com base em uma série de cenários possíveis, inclusive com exemplos de panoramas mais difíceis, tendo em vista as perspectivas do próximo exercício. “Certamente, vamos aprofundar os nossos programas de uso racional de recursos e estabeleceremos, de forma econômica, objetivos a serem atingidos, para que tenhamos um ano sustentável. Vamos trabalhar no próximo exercício com o conjunto de receitas menor do que neste ano”, reitera Afonso Reis.
Mesmo com esse revés, as organizações do Terceiro Setor continuam esperançosas que logo haverá bonança. O diretor executivo da Avape faz uma identificação do momento atual e o sentimento dos gestores. “Esse conjunto de reduções é comparável à poda de uma árvore, feita para revigorá-la e para que retorne ainda mais forte e consistente em todos os seus processos de ações.”
Links
www.aacd.org.br
www.avape.com.br
www.crcsp.org.br