Ao primeiro anúncio de desgaste do mercado ancorado no sistema financeiro, algumas empresas reagem prontamente, quase em uma equação de estímulo-resposta, com demissões. À possibilidade de queda no consumo, preserva-se o lucro no mais alto patamar possível a um elevado custo social, com graves consequências para muitas famílias. As notícias sobre recessão ou a mera possibilidade desse quadro no horizonte – próximo ou distante – acionam o instinto de sobrevivência do capital. Mas por quanto tempo mais a economia pode sustentar-se com base em uma visão tão restritiva que desconsidere outras relações na sua composição, tais como a relação com o mundo do trabalho que trate os trabalhadores e trabalhadoras em sua dimensão cidadã e humana?
“É a crise”, responderiam muitos com olhares duvidosos sobre um futuro incerto. A frase soa como terminante. Mas não convence, porque está longe de esgotar o assunto. Etimologicamente, crise vem do grego krísis que, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa, quer dizer “ação ou faculdade de distinguir, decisão”. Por extensão, a palavra assume a acepção “momento decisivo, difícil”. No latim, crisis significa “momento de decisão, de mudança súbita”. Interessante que a palavra “crise” ganha curso na economia, segundo o mesmo Houaiss, a partir do século 19, justamente na consolidação do sistema capitalista. Em economia, crise designa “grave desequilíbrio conjuntural entre a produção e o consumo, acarretando aviltamento dos preços e/ou da moeda, onda de falências e desemprego, desorganização dos compromissos comerciais”. Mas também há outra acepção na mesma rubrica: “fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa”.
Não há como negar o sentido guardado na etimologia da palavra. Estamos em um momento de transição, que nos coloca o tempo todo decisões graves a tomar. Como vamos atravessar esse período e o que virá depois depende da nossa postura e das nossas escolhas diante do impasse. Tradicionalmente, as escolhas dos que conduziram a economia mundial passaram ao longe da classe média, pequenos produtores e empresários, trabalhadores, pobres e excluídos. Poucos se enriqueceram muito, criando um grande abismo com os muitos que permaneceram muito pobres. Agora, a crise que se anuncia no centro do sistema capitalista, provocada pela especulação a partir dos países mais desenvolvidos, sela o veredito e confirma que a fórmula estava errada. Afinal, o mercado não é autorregulado, não encontra o equilíbrio adequado por si mesmo. As desigualdades não sustentam a economia por muito tempo.
Por que, então, persistir no erro? Vários segmentos que tiveram bons lucros no período recente, muitos deles com investimentos financiados com recursos de fundos públicos, começam a anunciar e promover demissões, gerando insegurança nos trabalhadores e também na própria sociedade, enquanto o momento deveria ser de fortalecer os laços de solidariedade para sustentar a economia. A crise acaba produzindo a perspectiva de recessão justamente para aqueles que não a produziram. Esse é o erro histórico que não pode mais se repetir, sob pena de sermos cobrados no futuro. No Brasil, o governo do presidente Lula tem adotado uma postura inequívoca ao lado dos mais pobres, mas também de apoio ao setor produtivo da economia, mantendo uma boa linha de diálogo. Mas sabemos o quanto é importante adotar medidas para proteger os mais pobres dos perversos efeitos da crise do sistema financeiro, para que não recaia sobre eles a fatura de mais uma conta e continue alimentando um círculo vicioso de produção de desigualdades que, por sua vez, continuam alimentando situações de crise.
Cabe aos empresários, contudo, fazer também sua parte. Os que optam por anunciar tão rapidamente medidas dramáticas e graves como as demissões acabam se distanciando das soluções mais permanentes. Os que já ganharam muito no passado são agora chamados a contribuir na busca de soluções coletivas e impedir o avanço da crise que ainda não chegou ao Brasil na dimensão que se descortina no mercado internacional. O nosso país está com uma vigorosa capacidade de responder a momentos decisivos como o que vivemos, e é chegada a hora de aproveitar e explorar essa possibilidade. Quando a economia mundial começar a sua recuperação, aqueles que estiverem melhor preparados conseguirão mais espaços nos mercados, tanto interno quanto externo.
Do ponto de vista de cada empresa, aquelas que mantiveram seus funcionários estarão prontas para aproveitar as oportunidades. Do ponto de vista do mercado nacional, os salários dos trabalhadores revertem-se em um mercado consumidor interno com benefícios para todos. No curto prazo, isso pode implicar em reduzir um pouco a margem do lucro para crescer com mais segurança. É importante que se diga: aceitar redução não significa renunciar ao lucro, mas compreender a sua função social dentro da cadeia coletiva de desenvolvimento integral e integrado do país onde todos se beneficiam com a redução de desigualdades.
Lembremos que nas origens do sistema neoliberal que desemboca agora na situação de impasse econômico em que vive o mundo, uma frase era recorrente entre seus defensores para justificar a economia de mercado e renunciar à presença do Estado e dos mecanismos de proteção e regulação sociais: “não há outro caminho”. Com isso, tentaram silenciar por muitos anos alternativas importantes que indicavam outros caminhos, como o que estamos adotando no Brasil, mostrando que é possível dividir o bolo para fazer crescer.
O tempo da economia impõe um descompasso do tempo de reflexão da política, exigindo respostas rápidas, baseando-se na máxima “tempo é dinheiro”. Mas essa própria formulação pode também nos remeter a outra postura. Talvez seja hora de inverter a equação que impõe a velocidade e investir também nesse ativo, o tempo, para buscar, de maneira mais refletida e justa, soluções mais duradouras e coletivas.
Os empresários estão sendo chamados a responder, com mais efetividade, ao discurso da responsabilidade social, e isso exige uma postura coerente e com medidas práticas, para dentro e para fora das empresas, a começar pelas justas relações trabalhistas que estabelecem com seus empregados. Por consequência, implica na consciência do impacto que significa a geração e eliminação de postos de trabalho para o setor econômico e para o país inteiro. Nossa responsabilidade é com nossa nação. Zelar por ela é dever do Estado compartilhado por todos. Que saibamos responder a esse chamado, no momento em que todos – governo e sociedade – estamos desafiados a construir novos patamares para uma sociedade que garanta mais justiça e segurança para todos. Façamos as escolhas certas!