Finanças na ponta do lápis

Por: Luciano Guimarães
01 Março 2008 - 00h00

“A única certeza do planejamento é que as coisas nunca ocorrem como foram planejadas”. Exagero? Talvez não. Dita certa vez pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa, a frase faz todo o sentido para a atual realidade do Terceiro Setor brasileiro, uma vez que boa parcela das entidades do país – senão a maioria – trata de maneira amadora o planejamento orçamentário. Atitude que pode levar a instituição a uma situação financeira desastrosa.

Em parte, tal circunstância se deve à inexperiência gerencial de muitos dirigentes, que desconhecem os caminhos exatos para colocar um plano em andamento. Decerto, não acham importante profissionalizar o setor responsável por cuidar das contas da entidade. Se é indício de falta de sintonia com os meios e os fins propostos pela entidade, somente um minucioso estudo pode detectar. Além disso, é sabido que existem casos em que os interesses político-financeiros são muito fortes.

Partindo dessas premissas, pode-se dizer que, assim como no mundo dos negócios, as instituições sociais precisam calcular cada passo, principalmente no tocante ao dinheiro que entra e sai de seus cofres, seja ele advindo de recursos públicos ou de doações da iniciativa privada. Fazer um planejamento financeiro-orçamentário é essencial para se tomar decisões sem correr riscos demasiadamente.

“Nas organizações do Terceiro Setor, é comum confundir orçamento com planejamento financeiro e vice-versa”, conta o contabilista João Carlos Benicio, consultor de processos de gestão de ONGs e assessor técnico da Coordenadoria dos Assuntos da População Negra, da Prefeitura de São Paulo. “No orçamento se supõe o quanto se aplicará de um determinado recurso numa certa atividade. No planejamento financeiro dispõem-se desses recursos para investir numa determinada atividade.”

Mãos a obras

Segundo Benicio, que escreveu um dos capítulos sobre orçamento no livro Gestão financeira para organizações da sociedade civil, da Coleção Gestão e Sustentabilidade – parceria entre o Instituto Fonte com o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e Global Editora –, as entidades devem “elaborar um orçamento para saber quais serão os recursos necessários para a realização de um determinado projeto. O orçamento informa, de modo transparente, a maneira como aplicar os recursos que se visa obter. Esse instrumento serve como norteador da execução financeira institucional.”

Para uma entidade sem fins lucrativos, devem-se estimar primeiramente as fontes de recursos financeiros – principalmente se não houver uma atividade geradora de receitas – para posteriormente efetuar o planejamento das demais atividades a serem desenvolvidas. Um dos pontos de partida para os orçamentos é o dado histórico, que devem ser complementado com as expectativas e necessidades do período que se pretende orçar.

O plano de contas não se prende a períodos, pois deve ater-se à natureza e à função dos recursos disponíveis, assim como as obrigações, fontes e consumo de recursos financeiros, materiais, humanos, tecnológicos, entre outros. A verificação dos recursos disponíveis e consumidos, assim como das obrigações assumidas, é que deve ser periódica. Portanto, o plano de contas não é periódico, mas os relatórios e demais controles, cuja confecção é possível mediante a existência de um plano de contas, sim.

O contabilista Ernesto Dias de Souza, consultor da VerbaNet Legislação Empresarial Informatizada, especializado na área administrativo-contábil e em gestão empresarial, afirma que um relatório de despesas poderá ser semanal, mensal etc., enquanto que um fluxo de caixa poderá ser diário, semanal, quinzenal, mensal, bimensal. Já a definição do período depende da finalidade do controle.

“Para um planejamento de caixa, na fase orçamentária que normalmente fica a cargo da alta gestão da entidade, pode-se trabalhar com períodos anuais. Já a administração do caixa, que costuma ficar sob responsabilidade da tesouraria, deve trabalhar com previsões em períodos mais curtos: trimestrais, mensais, quinzenais, semanais e até mesmo diários, para se identificar a necessidade de caixa no dia-a-dia”, ressalta o consultor.

Para não derrapar

A diretora administrativa da Seteco Consultoria Contábil, contadora Marcia Ruiz Alcazar, lembra que existem entidades sociais que cometem, em seu planejamento, erros de avaliação na hora de direcionar recursos, pois acabam privilegiando algumas áreas em detrimento de outras. “É muito comum encontrarmos estruturas no Terceiro Setor em que as verbas são destinadas exclusivamente para desenvolvimento dos projetos, deixando fora da pauta as áreas de apoio operacional, como administração, contabilidade, TI e recursos humanos”, destaca.

De acordo com ela, vale lembrar que essas áreas são tão importantes quanto as demais, e que toda entidade deve considerar não apenas os custos para o desenvolvimento dos projetos, mas as despesas decorrentes da manutenção da entidade. “Afinal, a administração deverá colocar à disposição dos projetos toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento das atividades esperadas.”

Controle interno

O orçamento realizado por uma entidade somente terá valor mediante aplicações de métodos de controle interno que possibilitem seu acompanhamento, sua revisão quando necessária e a tomada de decisões diante da identificação de não conformidades. E a controladoria, aliada a uma contabilidade profissionalizada, é fundamental para estabelecer a ordem.

“Em linhas gerais, a controladoria funciona como o ‘centro de decisões’ de uma organização. Esse centro, normalmente, segue o ‘caráter’ institucional. Um exemplo são as organizações que orientam suas decisões a partir de uma profunda análise contábil dos possíveis resultados; outras se orientam pela análise dos resultados financeiros”, explica o contabilista João Carlos Benicio.

“Para um leigo pode parecer que falamos da mesma coisa, entretanto, como a diferença entre gestão financeira e gestão contábil é pouco observada na maioria das organizações do Terceiro Setor, fica difícil perceber a importância de um setor como a controladoria para uma ONG. Em parte, é culpa da cultura criada a respeito do contador, muitas vezes visto como o profissional ‘faz-tudo’ dentro de uma organização”, enfatiza ele.

Segundo a contadora Marcia Ruiz Alcazar, a controladoria apóia-se num sistema de informações e utiliza essencialmente o controle e o processo de planejamento e orçamento. “O objetivo principal é exercer o controle contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial da instituição, garantindo que os objetivos institucionais sejam alcançados”, avalia.

Passados dez anos desde que se iniciou no país um forte movimento pela profissionalização das ONGs, argumenta Benicio, é possível afirmar que a maioria que não observou princípios de transparência – na medida em que transparência é evidenciável/demonstrável, contabilmente falando – está tendo muitas dificuldades para se manter.

Principalmente depois dos grandes escândalos que vêem envolvendo as ONGs, a transparência administrativa deve ser regra em todo o Terceiro Setor, pois as entidades devem ser encaradas como bens públicos, a serviço da sociedade.

Para se entender melhor o orçamento

É preciso seguir algumas diretrizes
• Em seu projeto global, a organização deve ter definidas as metas e as estratégias das ações a serem realizadas para atingir seu objetivo.
• A organização deve ter claro que orçamento é produto de intensos debates entre o sonho e a realidade, ou seja, ajuste entre o desejável e o possível.
• A organização precisa ter clareza dos recursos necessários.
• O orçamento do projeto nem sempre é o orçamento da organização.
• O orçamento será o espelho das atividades relacionadas na sua estratégia de ação.
• O orçamento é um instrumento útil quando:

a) é elaborado com a mesma intensidade
do desejo;
b) é aceito como um instrumento de
orientação;
c) é respeitado em seus limites; e
d) é revisto periodicamente.

Siga os mandamentos
• Ser transparente.
• Definir metas.
• Discutir estratégias.
• Ter clareza das necessidades.
• Ter equilíbrio entre o desejado e o possível.
• Aceitar os limites na utilização dos recursos.
• Aceitar o orçamento como instrumento de orientação.
• Fazer revisões periódicas.

Flexibilidade: receitas e despesas
• O orçamento deve detalhar quais serão as receitas e despesas da entidade dentro de períodos futuros.
• Podem ser divididos em: despesas, receitas e caixa (fluxo de caixa projetado) dentro de um período de 12 meses, orçando totais para cada mês.
• Todos os níveis da empresa devem ser envolvidos neste trabalho. A fase orçamentária tem relação direta com o momento no tempo em que o orçamento está sendo desenvolvido e conseqüentemente receba versões/cenários que para a mesma informação a ser orçada estabeleceram valores diferentes.
• Os cenários/versões mais comuns são: dados históricos; cenário inicial; revisões; e cenário final – sendo este último a versão aprovada, que será utilizada para acompanhamento orçamentário.

Fontes: João Carlos Benicio, no livro Gestão financeira para organizações da sociedade civil, e Marcia Ruiz Alcazar.

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