Fernando Rossetti

Por: Daniela Tcherniacowski
01 Janeiro 2005 - 00h00

Cientista social com especialização em Direitos Humanos pela Columbia University, de Nova York (EUA), Fernando Rossetti, 42 anos, é o novo diretor-executivo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), uma das mais importantes ONGs de estímulo ao investimento social privado no Brasil.

Sua prestigiada trajetória na área social confunde-se com a própria criação da expressão “Terceiro Setor”. Como jornalista, cobriu principalmente o tema da educação ao longo da década de 90, cuja atuação marcante lhe rendeu o Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo e o título de Jornalista Amigo da Criança, concedido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi).

Junto ao também jornalista Gilberto Dimenstein, fundou a ONG Cidade Escola Aprendiz, instituição que pesquisa e dissemina inovações em educação, na qual foi diretor executivo durante quatro anos.

Nos últimos dois anos, trabalhou como consultor de entidades como Andi, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da prefeitura de Boa Vista (capital de Roraima).

Em entrevista à Revista Filantropia, Fernando Rossetti aponta, entre diversos fatores, a necessidade do Terceiro Setor de se profissionalizar para contribuir efetivamente com o desenvolvimento social do Brasil.

“Muitas vezes vejo bons projetos que, por não terem a compreensão, por exemplo, das políticas públicas, acabam com um impacto muito pequeno. Os desafios sociais e ambientais brasileiros são bastante complexos neste século 21 e por isso é preciso tornar mais complexo e profissionalizado o trabalho do Terceiro Setor”.

Revista Filantropia: Como o senhor começou sua carreira no Terceiro Setor?

Fernando Rossetti: Fui repórter da área social, cobrindo principalmente o campo da educação, na Folha de S.Paulo, de 1990 a 1999. Nesse período, tive o privilégio de acompanhar o surgimento da própria expressão “Terceiro Setor” no Brasil, e a enorme expansão dessa atividade, que ocorreu principalmente na segunda metade da década de 90.

Depois, dirigi a ONG Cidade Escola Aprendiz, fundada pelo jornalista Gilberto Dimenstein, em 1997. Ao mesmo tempo, assumi a coordenação do programa Educação pela Comunicação do Instituto Ayrton Senna, onde fiquei até meados de 2000.

Saí do Aprendiz no final de 2002, quando passei a atuar com consultorias em projetos que envolvem educação, comunicação, juventude e cidadania – em geral com perspectiva de políticas públicas. Nessa atividade, trabalhei com organizações importantes do Terceiro Setor, desde internacionais, como Unicef e UN Foundation, até brasileiras, como a Andi, o Cenpec e o Instituto Criar, entre muitas outras.

Filantropia: Como o senhor via a educação no Brasil na época em que cobria o tema como jornalista?

FR: A educação no Brasil na década de 90 viveu grandes transformações: de gestões meramente populistas, predominantes no Regime Militar, para gestões mais tecnicamente fundamentadas, começando com Paulo Freire na Secretaria Municipal de São Paulo (1989-90), passando por diversas e influentes gestões nos planos municipais, nas cidades de Belo Horizonte e Porto Alegre, por exemplo, estaduais, como Ceará e São Paulo, e federal.

O que posso dizer dessa experiência é que sempre me chamaram a atenção a qualidade precária da educação brasileira e a enorme dificuldade do país em conseguir enfrentar esse desafio. Cobri a renovação completa da legislação na área, mas ainda não vi um efeito significativo dessas reformas na própria qualidade do ensino.

Minha avaliação, desde então, é que o maior problema para a educação – na verdade, para toda a área social no Brasil – é a descontinuidade dos projetos. Boas idéias e iniciativas têm surgido, mas elas são quase sempre fechadas pelo próximo gestor, que, por sua vez, inicia outros projetos e reformas. Enquanto a educação não for vista como um projeto de Estado, de toda a sociedade brasileira, e não apenas de um governo ou partido, não será possível melhorar significativamente a situação.

Aprendi ainda que o tempo da educação se mede em gerações e, por isso, é necessário promover, além de projetos consistentes tecnicamente, políticas públicas de longo prazo.

Filantropia: E em relação aos tempos atuais, como se configura a educação brasileira? Houve avanços, na sua opinião?

FR: Ocorreram muitos avanços. O principal foi a virtual universalização do acesso ao ensino fundamental para crianças de 7 a 14 anos. O ensino superior também está cada vez mais acessível para os brasileiros, porém, enquanto não houver, de fato, um movimento nacional pela educação, com visão de longo prazo e de responsabilidade social dos gestores políticos, sociais e empresariais, o avanço será muito mais lento do que poderia ser.

Filantropia: Qual o papel da educação para o desenvolvimento social? É o principal meio transformador de uma sociedade pobre e desigual como a brasileira?

FR: Repetindo uma máxima do campo da educação: sem ela não se consegue quase nada, nem no plano individual, nem no coletivo. Mas só educação não garante o desenvolvimento econômico e social – vide Argentina, por exemplo, cuja população chegou aos anos 90 muito bem educada. A questão hoje é que, com a revolução das tecnologias de informação e comunicação e com o surgimento do que está sendo chamado de “sociedade do conhecimento”, a educação se torna um fator cada vez mais importante. Atualmente, até mesmo os postos de gasolina de São Paulo exigem formação secundária para os frentistas. Isso significa que não só os professores como todos os cidadãos precisam ter formação continuada.

Filantropia: Como consultor, quais são as principais questões levadas ao senhor?

FR: Dos mais variados tipos, desde como conduzir oficinas com jovens em liberdade assistida até apoio no planejamento estratégico de redes sociais e políticas públicas. Os campos em que mais me aprofundei nos últimos anos, além da questão da gestão de organizações e de redes, foram projetos que reúnem comunicação e educação e temas relacionados à juventude, Terceiro Setor e cidadania, em geral com perspectiva de política pública.

Filantropia: O que signifi ca para o senhor comandar uma ONG como o Gife?

FR: Ter o privilégio de contribuir com as melhores práticas de investimento social privado do Brasil e de promover o incremento do Terceiro Setor, a partir de uma das organizações mais qualificadas da área.

Filantropia: Quais ainda são os maiores desafi os do Terceiro Setor?

FR: Em primeiro lugar, a profissionalização desse tipo de trabalho – e nisso o Gife tem papel fundamental. Há um grande voluntarismo no Terceiro Setor que, a princípio, é muito bom. No entanto , para a transformação social efetiva, não é suficiente. Muitas vezes vejo bons projetos que, por não terem a compreensão, por exemplo, das políticas públicas, acabam com um impacto muito pequeno. Os desafios sociais e ambientais brasileiros são bastante complexos neste século 21 e, por isso, é preciso tornar mais complexo e profissionalizado o trabalho do Terceiro Setor.

Filantropia: E as maiores conquistas?

FR: O Terceiro Setor ganhou enorme legitimidade na sociedade brasileira. Isso decorre do processo de democratização do país, que permitiu o surgimento de novos atores sociais – desde voluntários individuais até empresários que levam seu conhecimento de negócios para aprimorar e ampliar os resultados do trabalho no campo social.

Além disso, o Terceiro Setor trouxe a lógica da co-responsabilidade, de que Estado, sociedade civil e empresas precisam atuar de forma conjunta para vencer os desafios sociais brasileiros.

Mas, voltando aos desafios e ao próprio papel do Gife, há ainda um bom caminho pela frente para dimensionar melhor a sustentabilidade dos muitos e bons projetos que vêm surgindo.

Filantropia: As empresas estão cumprindo efetivamente seu papel social?

FR: Depende de como se concebe o papel social delas. Para mim, não há papel mais importante para as empresas do que buscarem ser bem sucedidas: produzirem, gerarem empregos e lucro, pagarem impostos e, com isso, proporcionarem desenvolvimento econômico.

Quanto ao social, é importante destacar a diferença entre o conceito de responsabilidade social e o de investimento social privado.

Responsabilidade social envolve todos os fazeres da empresa – desde sua relação com o meio ambiente, funcionários, fornecedores, acionistas e clientes, com o governo, até suas ações comunitárias. Já investimento social privado relaciona-se mais especificamente a esse último aspecto comunitário. Tem a ver com a decisão de investir recursos para o desenvolvimento do bem comum, em projetos de interesse público, seja diretamente ou por meio de institutos ou fundações. É com essa dimensão específica que o Gife trabalha.

O Brasil é muito criativo nessa área e as empresas que ingressam na arena social têm conseguido rapidamente desenvolver bons trabalhos. Todavia, como mencionei, há ainda o desafio de profissionalização desse tipo de atividade. E muitas delas ainda não entraram, de maneira mais consistente, no campo.

Filantropia: O que ainda é preciso ser feito para estimular o investimento social privado no Brasil?

FR: Há diversos desafios, envolvendo diferentes atores sociais: desde o ambiente legislativo e tributário até a ampla circulação de informações de qualidade na sociedade – o que envolve meios de comunicação e instituições de ensino. Tanto o empresário quanto qualquer cidadão precisa valorizar o investimento social privado. Isso demanda mecanismos de avaliação de resultados. Há um certo consenso de que a ação social das empresas contribui para o desenvolvimento da sociedade. Mas ainda não há indicadores aceitos por todos que demonstrem claramente esses resultados.

Filantropia: Até que ponto a legislação brasileira dificulta o investimento social privado?

FR: A legislação brasileira relativa ao Terceiro Setor tem evoluído bastante, mas poderia ser melhor. A atuação do Legislativo nessa área oscila muito. Por vezes, é consistente e indutora; por outras, populista. Um exemplo é o caso do recolhimento da Cofins. A medida provisória 135/03, convertida em dezembro de 2003 na lei 10.833, estabeleceu a arrecadação de 7,6% da receita de organizações sociais que antes eram isentas desta contribuição. Só se mantiveram imunes as instituições sem fins lucrativos de educação e assistência social. Para as demais organizações do Terceiro Setor, essa alíquota representa 7,6% menos recursos para aplicação em projetos sociais, além de, indiretamente, afastar doadores que têm resistência em aceitar que os recursos por eles financiados sejam gastos com tributos.

Filantropia: Como o senhor vê as parcerias intersetoriais entre empresas, Terceiro Setor e governo? Qual a importância da participação de cada uma dessas esferas para o desenvolvimento social do Brasil?

FR: Os desafios sociais brasileiros são complexos demais para serem superados com o trabalho de apenas um ou outro setor da sociedade. Educação de qualidade, por exemplo, envolve todos os setores: os estudantes e professores, as famílias e os membros da comunidade, as empresas e os espaços culturais, as universidades e as muitas instâncias do governo. Sei que é difícil fazer alianças e parcerias. Tende a ser conflituoso reunir várias lideranças em um único projeto. Mas em geral os resultados são bem maiores, e o impacto, mais profundo, quando se enfrenta o desafio do trabalho conjunto.

Filantropia: Na sua opinião, quais os principais avanços o Brasil tem tido no campo social que refletem o trabalho das entidades sociais?

FR: Os avanços são inúmeros. A própria democratização do país é resultado da ação organizada da sociedade civil brasileira. Há grandes avanços na promoção dos direitos humanos. As melhores experiências em educação também envolvem entidades sociais. A visão que os cidadãos comuns têm hoje em relação à defesa do meio ambiente deve-se a esse tipo de trabalho. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos em geral têm uma vida melhor quando entram em contato com essas organizações. A contribuição no campo da cultura é inestimável.

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