Estratégias sustentáveis para a geração de recursos

Por: Thaís Iannarelli
01 Novembro 2008 - 00h00

Sustentabilidade é a palavra do momento, e seu significado, se levado ao pé da letra, é simples: algo que pode ser mantido ao longo do tempo. Atualmente, o termo pode ser empregado nas diferentes áreas da economia. O governo, por exemplo, precisa agir de maneira sustentável em relação ao meio ambiente, ou seja, causando o menor impacto possível para o bem-estar do planeta. O setor privado também utiliza a palavra para definir ações que geram lucro para as empresas sem trazer conseqüências negativas aos funcionários e colaboradores.

E no setor social? Em um sentido amplo e complexo, o conceito de sustentabilidade institucional pode ser compreendido como “equilíbrio e continuidade da atuação da organização, levando em conta a necessidade social para a sua existência, os recursos necessários, serviços prestados e pessoas envolvidas”, segundo definição de Danilo Brandani Tiisel, advogado especialista em Legislação do Terceiro Setor e membro do Grupo Estratégico da Comissão de Direito do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB-SP).

Então, para alcançar a tão falada sustentabilidade, um dos caminhos é a geração de recursos para a própria organização, que depende de alguns aspectos, como venda de produtos ou de conhecimentos da entidade, que podem ser transformados em prestação de serviços à sociedade. Além disso, firmar parcerias, obter patrocínios e conseguir doações fazem parte do processo. Em ambos os casos, o importante é mobilizar pessoas em torno de seus objetivos e propostas.

Alto grau de dependência

Depender de doações e patrocínios é a realidade de grande parte das organizações sociais brasileiras. Este não é um fato negativo, já que essas parcerias são essenciais para a evolução do Terceiro Setor. Porém, ao mesmo tempo, dão pouca autonomia à gestão da organização social, porque esses recursos são sempre destinados a projetos específicos e não podem ser usados, por exemplo, para a parte operacional da instituição, como pagamento de salários, água, luz e telefone, entre outros.

“Doações e patrocínios não devem ser considerados como problema, mas como parte da solução. O problema é ser dependente de um único doador ou de um arco muito limitado de fontes de recursos”, explica Fabio Ribas Junior, consultor e pesquisador em políticas sociais e diretor executivo da Prattein – Consultoria em Educação e Desenvolvimento Social. Por isso, um grande passo para a sustentabilidade é conseguir diversificar as fontes de renda.

A Associação Desportiva para Deficientes (ADD), instituição que existe há 12 anos e promove o desenvolvimento da pessoa com deficiência por meio do esporte adaptado, procura agir dessa maneira. Segundo Eliane Miada, fundadora e diretora da ADD, “o patrocínio e a doação ainda são fontes importantes para implantar projetos, porém, as organizações não podem deixar que eles fiquem engavetados pela falta desses recursos, que estão cada vez mais escassos. Acreditamos que as organizações devam buscar recursos em projetos próprios, alinhados com o seu segmento. A ADD sempre tenta realizar ações sustentáveis no que ela tem de mais forte, no caso, projetos esportivos e de capacitação”.

O rumo certo para gerar renda é esse mesmo: comunicar com clareza a forma pela qual está contribuindo para fazer valer os interesses da sociedade, fato que atrai mais apoiadores à causa da organização. Outro ponto a ser levado em consideração é que, para gerar renda, é preciso planejamento e conhecimento profundo do mercado em que se deseja atuar. “Recursos mobilizados por meio da geração de renda podem ser utilizados com maior liberalidade. Com isso, a entidade adquire condições de profissionalizar sua gestão e, conseqüentemente, passa a atuar de forma cada vez mais planejada, levando em consideração resultados de curto, médio e longo prazo”, explica Tiisel.

Mudança de comportamento

Encontrar o meio termo entre depender de patrocínios e doações e ter total autonomia é vital para o conceito da sustentabilidade, de articular alianças e parcerias geradoras de recursos para a organização social. Relaciona-se também com o aumento da capacidade das organizações para utilizar esses recursos com mais competência e eficácia, sendo capazes de solucionar problemas que interessam a todos os parceiros.

Isso mostra que uma mudança no pensamento da gestão da organização se faz necessária, já que envolve maior comunicação e interação das instituições com todos os seus parceiros e na visibilidade das ações e resultados obtidos. Também é importante não deixar de lado o produto ou serviço oferecido para gerar renda, que devem ser de alta qualidade, não só por concorrerem com produtos do Segundo Setor. A qualidade gera credibilidade, o que possibilita novas parcerias e mais recursos – sendo que estes não são somente financeiros, mas também de pessoas, novas tecnologias, infra-estrutura, equipamentos etc.

O crescimento considerável que aconteceu no número de organizações sem fins lucrativos não ocorreu na mesma proporção com as fontes de recursos tradicionais, que mantêm entidades por meio de patrocínios e doações. Por isso, a preocupação das instituições em gerar renda própria é clara. “As organizações do Terceiro Setor estão buscando maneiras de diminuir os riscos para a própria sustentabilidade, criando e desenvolvendo estratégias inovadoras e profissionais para mobilizar recursos. A venda de produtos e serviços são exemplos dessas alternativas”, conta Tiisel. Na hora de pensar em um programa de geração de renda, é bom lembrar que a habilidade para fazer isso depende do perfil de cada organização. “Atividades próprias de geração de renda ainda são incipientes, especialmente entre organizações voltadas a atividades assistenciais”, explica Ribas.

Um exemplo de programa de geração de renda própria é o do Instituto Rodrigo Mendes, organização comprometida em construir uma sociedade inclusiva por meio da arte. “Além da transparência e da prestação de contas, buscamos criar projetos que tornem a instituição sustentável. Acredito que organizações estrategicamente planejadas têm mais facilidade na hora de captar. O Programa Geração de Renda, além de usar os próprios recursos, que são as imagens de obras de alunos, proporciona renda para eles e para a sustentabilidade da organização”, conta Joice de Ávila Gitahy, assessora administrativa do instituto.

Também em busca do desenvolvimento sustentável, a ADD é outra instituição que procura arrecadar recursos com diversas atividades. “Realizamos eventos corporativos, como jogos de exibição de basquete em cadeira de rodas, palestras motivacionais ou coffee breaks solidários. Além disso, no âmbito esportivo, fazemos parcerias com empresas organizadoras de corridas de rua, campanhas de doação on-line e venda de produtos institucionais”, conta Eliana.

Como gerar renda?

Algumas atividades podem ser boas opções para diversificar as fontes de renda da entidade e fugir da grande dependência das doações e patrocínios. “Para mim, as organizações, antes de tudo, devem fazer cada vez melhor o que se propõem a fazer e investir na divulgação dos resultados de suas ações”, explica Ribas. Daí vem a importância de criar uma identidade forte da instituição, com a qual as pessoas se identifiquem. “Na ADD, as ações de geração de renda estão sempre alinhadas com a estratégia de divulgação de nossos programas para pessoas com deficiência, e também ajudam na conscientização das pessoas sobre as questões da inclusão e da diversidade”, conta Eliana.

A venda de produtos fabricados pela própria organização é um dos processos a serem explorados, assim como a realização de bazares, manutenção de loja de produtos alimentícios socialmente responsáveis, criação de serviços, prestação de consultoria e assessoria, realização de palestras para arrecadar fundos, entre outros.

O Instituto Rodrigo Mendes desenvolve e comercializa uma linha de produtos para gerar renda tanto para os alunos quanto para a própria organização. Assim, a venda de itens de porcelana, como xícaras e canecas, de papelaria, como cadernos e agendas, têxtil, como jogos de cama e toalhas, e cosméticos, como sabonete líquido e álcool gel, resultaram em 28% da receita da instituição em 2007, ficando atrás somente dos patrocínios, que somaram 45%. As doações, em compensação, ficaram abaixo da venda dos produtos, e ajudaram a receita em 18%.

Aspectos legais da venda de produtos

Para obter recursos por meio da venda de produtos e serviços, é preciso adequar o estatuto da organização, para que nele estejam previstas as fontes de renda e atividades utilizadas como meio para a sustentação financeira da organização, de acordo com o art. 54, IV, do Código Civil. Caso isso não aconteça, essa ação de captação será realizada em desconformidade às determinações da lei civil e pode gerar problemas fiscais que afetam a credibilidade da organização.

Em relação à venda de produtos para arrecadação de recursos, não existe nenhuma proibição legal, segundo o advogado Danilo Tiisel. “Porém, o desenvolvimento de produtos pelos atendidos deve ser visto detalhadamente. Caso um atendido esteja trabalhando na fabricação de produtos para a geração de renda de uma instituição, tanto ele quanto a organização devem respeitar as Leis Trabalhistas Brasileiras, que são aplicáveis ao Terceiro Setor, da mesma maneira que para as empresas. Além disso, o enquadramento legal da atuação do beneficiário deve ser visto de acordo com a atividade de fato, de forma bem detalhada”.

Depois da previsão estatuária da geração de renda como fonte de recursos para a sustentação da organização, é preciso emitir nota fiscal da venda ou da prestação de serviços e pagar os tributos envolvidos na operação. Porém, existem imunidades e isenções que podem ser levadas em consideração nas atividades de geração de renda das entidades sem fins lucrativos. “O estudo a respeito do que é aplicável ou não precisa ser extremamente específico, tendo em vista aspectos constitucionais e critérios legais. Vale ressaltar que, no Brasil, a imunidade tributária das instituições sociais precisa ser reconhecida pelo poder público, embora grande parte da doutrina discorde disso, e as isenções, solicitadas junto ao órgão competente para tributar”, complementa Tiisel.

Caminho para o desenvolvimento sustentável

As relações entre o Estado e a sociedade estão passando por uma reformulação, pois se entende que o envolvimento cívico das organizações sociais favorece uma maior cooperação interna para o desenvolvimento social. “Assim, vale o conceito de Putnan, autor do livro ‘Making Democracy Work’, que mostra que nos lugares onde a sociedade civil se organiza e participa mais, os governos também funcionam melhor e todos ganham”, explica Fabio Ribas. “Para que se tornem sustentáveis, as instituições devem demonstrar e saber comunicar à sociedade sua contribuição para essa finalidade”, complementa.

Dentro das organizações, o que torna o trabalho em busca da sustentabilidade mais acessível é a profissionalização dos funcionários, porque os projetos de geração de renda exigem planejamento, conhecimento de mercado, do público-alvo, capital inicial e de giro, adequação legal, cálculo de custos, previsão de resultados, entre outros requisitos. Ou seja, é preciso elaborar um verdadeiro “plano de negócios” para implementar a iniciativa com segurança. De acordo com Tiisel, “é recomendável que a instituição tenha muita clareza com relação às metas, benefícios, esforços e riscos envolvidos na geração de renda”.

Alguns passos para saber se sua organização está no caminho certo da sustentabilidade são:

  • Envolva o conselho de sua instituição na busca de recursos e na definição de metas de captação de recursos;
  • Formule projetos para ir em busca de parcerias (cuidado para não exceder o número de projetos, faça algo de um modo que não fuja ao seu controle). Eles devem focalizar com clareza o problema social enfrentado e os resultados que se pretende atingir;
  • Conheça melhor seus atuais doadores. É importante planejar estratégias para manter seu vínculo com a instituição e estreitar relacionamentos;
  • Analise quais tipos de parceria são adequados à sua organização, considerando sua filosofia e visão social;
  • Tente conhecer melhor sobre as lideranças governamentais, comunitárias e empresariais da região em que sua organização atua. Boas parcerias requerem, antes de tudo, identidade e sintonia de propósitos;
  • Estabeleça articulações com outras organizações que atuam no mesmo campo da sua. Assim, é possível criar redes de cooperação e fortalecer a busca de recursos junto a outras instituições que apóiam projetos sociais;
  • Analise bem seus custos e receitas, procurando associar as metas de captação de recursos ao seu planejamento orçamentário;
  • Seja transparente na demonstração da forma de utilização dos recursos, para que todos os interessados saibam onde eles foram empregados;
  • Divulgue o que sua organização faz e envolva a equipe nesse esforço de comunicação com a sociedade. Porém, é importante fazer antes um trabalho interno de reflexão sobre o trabalho da organização, verificando seus pontos fortes e fracos, para que esta comunicação seja bem sucedida.

Dentro das organizações, agir com inovação também pode ser muito útil ao se pensar em uma atuação que gere renda e sustentabilidade. Dessa maneira, fica mais fácil gerir as receitas das organizações, sejam elas provenientes de doações, patrocínios, parcerias, venda de produtos ou serviços.

Por outro lado...

Empresas e institutos que apóiam organizações por meio de patrocínios e doações são ainda vitais para o funcionamento de muitos projetos sociais. Segundo dados da Pesquisa Ação Social das Empresas, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a participação do empresariado na área social passou de 59%, em 2000, para 69%, em 2004. No último ano do estudo, 600 mil empresas do país atuavam na área social e aplicaram R$ 4,7 bilhões em ações socialmente responsáveis. O que tem mudado, no entanto, é o modo como esse investimento é feito, deixando de ser baseado em ações somente assistencialistas.

Um exemplo de quem atua amplamente na área social é o Instituto HSBC Solidariedade, inaugurado em março de 2006 para representar o braço do investimento social do Grupo HSBC no Brasil. “Atuamos por meio de três pilares: educação, meio ambiente e geração de renda para a comunidade. Nas três áreas, o instituto desenvolve projetos próprios, que mobilizam e engajam nossos colaboradores em ações socioambientais práticas, e investe em projetos de ONGs parceiras, beneficiando milhares de pessoas em todas as regiões do Brasil”, conta Claudia Malschitzky, diretora do instituto.

Uma das bases das atividades do instituto é a geração de renda, com o objetivo de combater a desigualdade social por meio do empreendedorismo solidário e sustentável que gere renda e trabalho para as comunidades. “Em 2007, 14 propostas foram contempladas e receberam recursos por três anos. Porém, em 2008, a seleção apresentou um diferencial. Graças a uma parceria entre o Instituto HSBC Solidariedade e a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, as entidades selecionadas serão capacitadas para desenvolverem um plano de negócios, recebendo consultoria técnica da equipe da FGV”, explica Claudia.

Esta iniciativa ajuda, e muito, a busca das organizações pela sustentabilidade. “Fizemos isso porque percebemos, ao longo dos anos, a dificuldade que os projetos apoiados tinham para aliar conhecimentos técnicos de gestão com os saberes populares”, complementa.

Em 2006, o Instituto HSBC Solidariedade apoiou 177 projetos e investiu R$ 12 milhões na área socioambiental. Em 2007, foram 164 projetos e, em 2008, já são 187 iniciativas apoiadas. A previsão é que, até o final do ano, aproximadamente R$ 13,3 milhões sejam destinados a investimentos sociais.

“As organizações do Terceiro Setor estão buscando maneiras de diminuir os riscos para a própria sustentabilidade, criando e desenvolvendo estratégias inovadoras e profissionais para mobilizar recursos”
Danilo Tiisel

 

“Doações e patrocínios não devem ser considerados como problema, mas como parte da solução. O problema é ser dependente de um único doador ou de um arco muito limitado de fontes de recursos”
Fabio Ribas Junior

 

Para o bem da comunidade

Além de gerar renda para elas próprias, a maioria das organizações sociais procura também promover capacitação para que seus atendidos possam gerar renda e conseguir melhor qualidade de vida para eles e suas famílias.

O estudo “Organizações de base, redes intersetoriais e processos de desenvolvimento local: o desafio da sustentabilidade”, realizado por Fabio Ribas Junior e Eliana Ribeiro de Souza Ribas, aponta exatamente este ponto de vista. “Procurei mostrar que o processo de fortalecimento das organizações sociais é inseparável de um processo mais amplo de desenvolvimento local sustentável. Isso porque, ainda que a sustentabilidade das organizações seja uma finalidade plenamente válida do ponto de vista dos interesses delas próprias, sua última justificativa reside no desenvolvimento do sistema que as abriga, ou seja, as comunidades locais”, explica Fabio.

Os projetos da ADD são exemplo disso, pois têm o objetivo de promover ações que dêem a possibilidade à pessoa com deficiência e aos seus familiares de encontrar uma fonte de renda, seja através do trabalho formal ou de cursos de capacitação profissional. Da mesma maneira funciona o projeto do Instituto Rodrigo Mendes, que reverte parte da renda gerada pela venda de seus produtos aos alunos que ajudam a produzi-los.

Essas ações facilitam o apoio de pessoas e empresas que estejam interessadas em investir na área social, graças à capacidade que demonstram de garantir a redução da desigualdade social e a sustentabilidade local. Esses resultados devem ser mostrados para incentivar mais investimentos e, principalmente, a profissionalização e gestão mais sustentável da própria organização.

Links
www.add.org.br
www.institutorodrigomendes.org.br
www.porummundomaisfeliz.org.br
www.prattein.com.br

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