Empresas e Opinião Pública

Por: Natascha Köster
09 Junho 2016 - 04h56

As organizações que aspiram à sustentabilidade devem dar ouvidos às opiniões externas

A conjugação das palavras Samarco e sustentabilidade rende mais de 139 mil resultados no buscador Google. A maioria remete-se a notícias, iniciativas ou eventos anteriores ao desastre ambiental de novembro último e transmite um tom positivo da atuação da companhia. A mineradora foi grande patrocinadora de inúmeros eventos centrados no tema das práticas responsáveis e sustentáveis organizados pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) e por várias outras entidades ao longo da última década. Diversos rankings regionais ou setoriais colocaram a empresa na liderança da governança ambiental e, até mesmo, três semanas antes da tragédia gerada pela corporação, ela ganhou o Prêmio Benchmarking pela sua prática ambiental. O contraste desses fatos com a história que se seguiu não poderia ser maior, nem com as suspeitas albergadas pela opinião pública local sobre o comportamento da indústria. O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco fez com que o Brasil vivesse recentemente um dos piores desastres ambientais da sua história. A lama tóxica da barragem percorreu mais de 850 quilômetros do Rio Doce, trazendo consigo, além da destruição do ecossistema do rio e de seus arredores, um lembrete do quão frágeis e insuficientes são a fiscalização e a legislação ambiental no país.

Esse desastre ecológico trouxe à tona debates acerca do meio ambiente entre especialistas de diversas áreas, gerando reflexões tanto a respeito da necessidade de mais medidas para evitar ou diminuir o impacto ambiental das ações humanas quanto sobre as ações de mitigação e divisão das responsabilidades entre os setores público e privado depois de ocorridos os desastres. Mas o que a população brasileira pensa disso? Quão preocupado o brasileiro está com o meio ambiente? E quais deveriam ser, segundo a população, as responsabilidades das empresas que atuam em território nacional? O Monitor de Sustentabilidade Corporativa, estudo anual conduzido no Brasil pela Market Analysis e replicado em outros 19 países, traz importantes percepções da população no tocante a vários problemas ambientais no Brasil e no mundo.

A Maior Preocupação

Com mais de 7.300 quilômetros de costa e quase 12% da água doce do mundo em seu território, o Brasil é o país onde os problemas decorrentes da escassez e poluição das águas são mais levados a sério, se comparado ao restante das sociedades pesquisadas. Quase a totalidade da população brasileira (97%) considera a escassez da água potável um problema muito grave, e a grande maioria (94%) tem a mesma opinião sobre a poluição de rios, lagos e oceanos. O Chile, segundo colocado do ranking, também demonstra grande preocupação tanto com relação à escassez da água quanto à sua poluição, sendo 87 e 83%, respectivamente, os que partilham do mesmo pensamento dos brasileiros. Já na China, última colocada, apenas duas em cada dez pessoas acreditam que esses problemas ambientais são muito sérios.

Não é de se estranhar essa preocupação com a água no Brasil. Nos últimos 15 anos grandes desastres ambientais no país foram diretamente associados a essa questão. São exemplos o vazamento de óleo em Araucária (2000), o vazamento de óleo na barragem em Cataguases (2003), o rompimento da barragem em Miraí (2007), o vazamento de óleo na Bacia de Campos (2011) e, mais recentemente, o rompimento da barragem de Mariana (2015). Além dessas catástrofes, também foram registrados nesse período diversos episódios relacionados às alterações climáticas, como as enchentes urbanas e os deslizamentos que deixaram milhares de desabrigados, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste do país, e a crise hídrica em São Paulo, que fez com que muitas famílias ficassem sem água e obrigou a população a enfrentar um racionamento em várias cidades do Estado.

Consequentemente, o Brasil está entre os cinco países que mais veem urgência na tomada de medidas para a redução do impacto ambiental, ficando atrás apenas da Espanha, da França, do Chile e do Peru. Sete em cada dez brasileiros (69%) acreditam que é preciso tomar medidas importantes muito em breve, para reduzir o impacto das atividades humanas no meio ambiente. Outros 25% concordam que medidas modestas devem ser tomadas já nos próximos anos, mostrando que quase a população inteira (94%) sente a necessidade de tornar os meios de produção e o estilo de vida mais sustentáveis.

Quem Deve Ser o Principal Responsável Por Tomar Essas Medidas?

De acordo com os consumidores brasileiros, a responsabilidade das medidas e ações para diminuir o impacto negativo no meio ambiente está, principalmente, nas mãos da esfera corporativa. Entre uma série de possíveis deveres das empresas, duas das três principais responsabilidades atribuídas a elas são relacionadas à questão ambiental: 90% dos brasileiros acreditam que é dever das grandes organizações assegurar que seus produtos sejam produzidos de forma sustentável; e a mesma proporção acha que elas também são responsáveis por garantir que suas ações não prejudiquem o meio ambiente. Entre os que não são tão enfáticos, a maior parte pensa que a responsabilidade desses players deveria ser ao menos parcial (8 e 7%, respectivamente).

A percepção da população de que as grandes empresas devem protagonizar a redução de impactos no meio ambiente pode estar associada com o fato de o agronegócio e a indústria serem os principais consumidores de recursos naturais no mundo. Segundo o relatório sobre recursos hídricos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 70% dos recursos hídricos mundiais são utilizados pelo agronegócio, 22% pela indústria e apenas 8% é destinado ao uso doméstico. Isso mostra que a redução do uso da água pelos meios de produção causaria um impacto muito mais significativo do que a diminuição do consumo de água residencial, por exemplo.

Apesar de a população perceber as grandes empresas como protagonistas das medidas sustentáveis a serem tomadas, este é o segundo ano consecutivo em que o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBovespa encolhe, indicando um cenário de menor engajamento das empresas brasileiras na redução dos impactos ambientais. Em 2015, 50 ações de 39 empresas compunham o índice, enquanto, no ano de 2016, a previsão é de que esse número cairá para 40 ações de 35 empresas, representando um encolhimento de 20% no número de ações e de 10% no número de empresas na carteira do ISE.

A mineradora Vale, uma das acionistas da Samarco, está entre as empresas que sairão do índice em 2016. Segundo o Valor Econômico, a decisão do Conselho Deliberativo do ISE (Cise) de retirar a empresa do índice pode estar diretamente relacionada com o desastre de Mariana, uma vez que o Cise fez um pedido formal de esclarecimento à empresa sobre o rompimento da barragem. Juntamente com a mineradora, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a Metalúrgica Gerdau, o Grupo Júlio Simões Logística (JSL) e a Companhia Energética do Ceará (Coelce) também não participarão da próxima edição do índice. As novas integrantes são a empresa de telefonia Oi e a Companhia Energética de São Paulo (Cesp).

Além da diminuição do engajamento do setor privado, o setor público também demonstra estar desalinhado com a expectativa da população brasileira de uma maior proteção ambiental no país. O Projeto de Lei nº 654/2015, hoje em tramitação no legislativo, tem como objetivo acelerar o licenciamento ambiental de empreendimentos de infraestrutura dos setores de transporte, portos, energia e telecomunicações, vistos como estratégicos para o desenvolvimento nacional. Entre outras disposições, o projeto prevê que esse licenciamento ambiental especial possibilite aos empreendimentos conquistar sua licença em menos de nove meses. Esse prazo é considerado inadequado por ambientalistas, que alertam: se aprovado, o projeto deverá enfraquecer ainda mais o licenciamento ambiental no país para os empreendimentos que historicamente trazem o maior risco de desastres ambientais.

Sendo a sustentabilidade um tema cada vez mais importante para os brasileiros, é de se esperar que os consumidores e cidadãos exijam das empresas e do governo ações de fato efetivas para reduzir os impactos do homem no meio ambiente. O desastre da Samarco mostrou que as ações sustentáveis pontuais, que mais servem para autopromoção, e a construção de uma reputação baseada em premiações de terceiros e elogios praticados por diversas outras grandes empresas não são mais suficientes para a exigência da população brasileira.

Nesse contexto, é fundamental que os setores público e privado se engajem num plano de ação conjunto para consolidar a responsabilidade socioambiental nos meios de produção e consumo e evitar tragédias como esta última, causada principalmente pelo descaso e pela irresponsabilidade de ambos os setores. Mais uma vez, no entanto, observa-se que ao primeiro sinal de crise econômica, como a que o Brasil tem enfrentado nos últimos meses, esses atores recuam em seu compromisso com o meio ambiente, atrasando novamente o progresso da sociedade brasileira em direção ao desenvolvimento sustentável.

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