Maior profissionalização da gestão no Terceiro Setor eleva a qualidade de processos seletivos nas organizações sociais
A rápida transformação pela qual vem passando o modelo de gestão no Terceiro Setor brasileiro revela um dado interessante. Se, na última década, as organizações sociais apontavam seus “radares” para adotar práticas administrativas iguais ou similares às suas congêneres internacionais, ao menos nos últimos anos, começaram a sinalizar mudanças também no jeito como contratam seus profissionais.
Sem deixar de lado a importância do voluntariado, as entidades sem fins lucrativos reconheceram, há algum tempo, que é fundamental trazer para seus quadros pessoas preparadas. Já não basta mais ter apenas engajamento e vontade de contribuir. É necessário também saber desempenhar – e bem – determinadas funções.
Embora essa maior profissionalização no Terceiro Setor seja algo inexorável, ainda existem muitas organizações sociais presas ao modelo antigo, mais inflexível e ancorado na falta de visão sobre a necessidade de processos organizacionais e a importância da gestão de pessoas, sejam elas contratadas ou voluntárias.
Longe desse pensamento arcaico, parcela considerável de gestores agora se concentra na busca do perfil profissional ideal. “Não somente no Terceiro Setor, o candidato a uma vaga deve possuir facilidade de aprendizagem e adaptação, uma vez que vivemos num cenário de muitas mudanças, portanto, de grande instabilidade”, define Rebeca Toyama, diretora do Jardim do Ser, empresa com foco em gestão integral e coaching.
Essas características são tão fundamentais quanto vestir a camisa ou abraçar a causa. “A famosa competência do comprometimento também é importante; porém, quando se trata do Terceiro Setor, é mais preciosa ainda”, argumenta.
Segundo Rebeca, o profissional a ser selecionado deve ter diversas qualidades para atender às exigências da organização social, dentre elas, contar com uma ampla visão sobre o funcionamento da instituição e até das particularidades do público-alvo.
“Criatividade para encontrar soluções para demandas cada vez mais complexas, bom humor para ajudar a superar barreiras e relacionar-se com um número cada vez diverso de pessoas. O profissional deve, ainda, respeitar seus valores ou virtudes e se identificar com os valores da organização”, ressalta a especialista.
Entretanto, do recebimento do currículo, passando pelo processo de seleção dos candidatos até a contratação do profissional, há uma grande distância a ser percorrida. Hoje, a maioria das organizações já consegue agir da mesma forma que uma empresa no momento de selecionar mão de obra.
Tanto é assim que a experiência de Rebeca Toyama mostra quais pontos negativos podem ser levados em conta na hora de uma entrevista de emprego. De acordo com ela, um dos aspectos que mais incomodam os contratantes é a instabilidade nos empregos anteriores que o candidato traz em seu histórico – a frequente troca de trabalho em curtos períodos de tempo.
Em seguida, exemplifica a diretora do Jardim do Ser, vem a falta de conhecimento sobre o cargo que desejam ocupar. Em geral, os empregadores procuram um profissional já pronto, pois o tempo escasso e a correria do dia a dia tira deles o tempo e a verba para preparar o futuro colaborador.
“Porém, o mais grave é a dificuldade de comunicação verbal ou escrita. Quando o profissional demonstra logo na entrevista a ausência dessas competências, provavelmente terá dificuldade de aprendizagem e de relacionamento. E, em ambos os casos, sua colaboração para a organização será limitada, independentemente do cargo ocupado”, avalia.
Em certo grau, os recrutadores muitas vezes ainda precisam lidar com candidatos acostumados a acrescentar “fermento” aos currículos, inserindo cursos ou formações pelos quais não passaram. Para tanto, os selecionadores têm experiência suficiente para detectar a existência de informações imprecisas ou falsas fornecidas pela pessoa, situações não raras de ocorrer.
Eficiência
Para minimizar os problemas no momento do recrutamento de mão de obra, as entidades podem tornar os processos de seleção mais eficientes e assertivos. Segundo Rebeca Toyama, algumas dicas simples podem fazer uma grande diferença. Em primeiro lugar, as organizações sociais devem profissionalizar a área de recrutamento e seleção, pois há riscos ao deixar essa tarefa sob responsabilidade do gestor.
“Como ser humano, ele tenderá a escolher um profissional que seja confortável para ele gerir, o que nem sempre tem o melhor perfil para aquela vaga ou organização. Sem contar que um processo seletivo demanda muitas horas, principalmente para quem não é da área, para ler centenas de currículos, agendar e realizar dezenas de entrevistas, verificar referências, sem contar as dinâmicas e testes de perfil que poucas organizações realizam, embora sejam de extrema importância”, explica.
Administradora de empresas e especialista em marketing, psicologia transpessoal e eneagrama, Rebeca revela, ainda, que costuma perguntar aos clientes quem está realizando o trabalho do gestor enquanto ele executa as atividades de seleção. E quanto se perde financeiramente ou qualitativamente durante esse tempo?
A pessoa responsável pela escolha dos colaboradores deve entender a fundo a missão e os valores da organização e a real necessidade da contratação: tarefas, indicadores, posição hierárquica, entre outros.
“Algumas vezes, ao desenhar o perfil do profissional, percebemos que não está claro para o contratante o que quer e muito menos o que precisa. Contratar o famoso ‘faz tudo’ pode frustrar e estressar ambos os lados. Por um lado, o contratado ficará confuso sobre suas prioridades; por outro, o contratante ficará perdido sobre o que cobrar do profissional, chegando até mesmo a uma consequente demissão precoce”, argumenta a diretora do Jardim do Ser.
Os recrutadores, de modo geral e, principalmente, os das entidades do Terceiro Setor, devem ter a consciência de que não existem candidatos super-heróis, daí a importância de se saber quais competências necessitam ser contratadas. “Um funcionário com excelente performance numa organização pode não apresentar o mesmo desempenho em outra. O inverso também é verdade - um profissional com desempenho ruim numa organização, num novo emprego, pode passar a ter um desempenho fantástico”, lembra.
Cada entrevista é única para o candidato. É o momento em que ele ressalta suas qualidades e expõe todo o seu potencial para ser notado. Com essa visão, Fernanda Chaves, social media do Vagas.com, portal que atua na área de gestão de processos de Recrutamento e Seleção, reforça que é importante ao recrutador se atentar ao perfil de cada profissional e personalizar a entrevista, sem deixá-la automatizada, mecânica, sempre com as mesmas perguntas, suposições e análises preestabelecidas por ele.
“Não há uma receita-padrão para as perguntas que devem ser feitas, mas o que torna assertiva a entrevista para o recrutador é quando ele se baseia em perguntas técnicas para o cargo em questão e também quando faz perguntas que o transportem para a realidade do candidato, tanto pessoal quanto profissional, sabendo quais impactos positivos e negativos este pode trazer na bagagem ao ser contratado”, afirma.
Uma das características que podem ajudar a definir a escolha do candidato com um perfil mais aproximado do desejado é a experiência deste em trabalhos voluntários.
De acordo com Rebeca, essas atividades possibilitam a experiência no contexto do Terceiro Setor. Porém, ao comparar o voluntariado do Brasil com o de outros países, em especial com o da Suécia, onde ela passou um tempo, nota que ainda temos muito a amadurecer em termos de organização e comprometimento na relação com o trabalho voluntário.
“Em geral, o voluntário estranha alguns procedimentos relacionados à disciplina, à organização e à hierarquia que não existiam quando era voluntário. O perfil do voluntariado e a forma com que as organizações lidam com esse tema vêm evoluindo, mas a diferença entre voluntário e contratado ainda existe”, salienta.
Embora Fernanda explique que, geralmente, os principais processos seletivos são conduzidos por sites de carreira e contam com tecnologias que levam em consideração as informações do currículo do candidato, o uso de ferramentas voltadas para recrutamento e seleção otimizam a vida do profissional de RH, e a busca por cada perfil nas redes impactaria no tempo de entrega do processo seletivo.
“O uso das redes sociais ocorre nas últimas etapas, quando a seleção já está afunilada e conta com seus principais candidatos”, destaca a profissional, entendendo que, por outro lado, as redes sociais servem como vitrine de quem o candidato é, se os seus valores estão de acordo com os da empresa ou da organização social e até se ele é uma pessoa “antenada”.
“Ao mesmo tempo em que existe a discussão que elas podem atrapalhar na hora de encontrar emprego, elas também podem trabalhar a favor do candidato e servirem de aliadas. É interessante prestar atenção e analisar se os cuidados que o candidato tem na vida off-line também são válidos para a vida on-line”, explica a especialista.
O uso das redes sociais está crescendo entre aqueles que buscam novos profissionais, colaborando, inclusive, com a recolocação e a transição de carreira. “Este método funciona, pois agiliza muito a aproximação do candidato com a empresa. Todavia, ainda é uma ferramenta pouco explorada, principalmente no Terceiro Setor”, conclui Rebeca Toyama.