As cerca de 300 mil organizações sociais de assistência, educação e saúde, inclusive as isentas e imunes de recolhimento de impostos e contribuições sociais, estão acelerando as suas atividades contábeis para revisar obrigações fiscais principais e acessórias, buscando se adaptar ao SPED. Embora o tempo seja curto, as entidades têm conseguido melhorar procedimentos internos com o objetivo de gerar informações de qualidade para o fisco. Templos de culto religioso, partidos políticos e suas fundações, além de entidades sindicais, também precisam seguir este caminho.
O prazo inicial estipulado pela Instrução Normativa RFB nº 1.422, de 19 de dezembro de 2013, era o último dia útil do mês de julho. Entretanto, a Instrução Normativa RFB n° 1.524, de 8 de dezembro de 2014, em seu artigo 3º, alterou este prazo e a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) será transmitida anualmente ao SPED até o último dia útil do mês de setembro do ano seguinte ao ano-calendário a que se refira.
A entrega se estende também às instituições que, em relação aos fatos ocorridos no ano-calendário de 2014, tenham sido obrigadas à apresentação da Escrituração Fiscal Digital (EFD) das Contribuições para o PIS/Pasep, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Previdenciária sobre a Receita (EFD-Contribuições), cuja soma dos valores mensais das contribuições apuradas, objeto de escrituração, seja igual ou inferior a R$ 10 mil.
Por outro lado, essas entidades ficarão obrigadas à apresentação da EFD-Contribuições a partir do mês em que o limite de R$ 10 mil de contribuições mensais do PIS e da Cofins for ultrapassado, permanecendo sujeitas a essa obrigação em relação ao restante dos meses do ano-calendário em curso. De acordo com a Instrução Normativa RFB nº 1.252/2012, elas também estarão obrigadas a apresentar a ECF.
Globalmente, a Escrituração Contábil Digital (ECD), ou SPED Contábil, tem por objetivo a substituição da escrituração em papel pela transmitida por arquivo, ou seja, corresponde à obrigação de transmitir digitalmente os livros “Diário” e “Razão” e seus auxiliares à Receita Federal.
Devem ser enviadas todas as informações econômico-financeiras, como receitas, despesas, serviços tomados e prestados, aquisições e venda de bens imobilizados, empréstimos, financiamentos, movimentações bancárias e saldo de caixa, entre outros. Em seguida, os livros da escrituração contábil precisam ser autenticados no mesmo cartório onde a entidade tem registrado seu estatuto.
“Sem dúvida, a ECD é uma novidade de grande impacto em se tratando do universo de instituições que se encontram nesta categoria que, até então, estavam obrigadas à entrega do SPED Contábil a partir deste ano”, explica a contadora Neusa Soares, responsável pelo Departamento Contábil da King Contabilidade, lembrando que, com esse procedimento, entretanto, a autenticação dos livros contábeis não precisa ser realizada pelas ONGs dispensadas de registro em juntas comerciais.
“Em outra ponta”, alerta o auditor Marco Antonio Papini, sócio-diretor da Map Auditores Independentes e vice-presidente da CPAAI Latin America, “mesmo com o prazo prestes a se esgotar, a grande maioria das organizações sociais ainda não está preparada para atender às mudanças exigidas”.
Segundo ele, as alterações da Receita Federal já aumentaram a responsabilidade formal dos contadores destas entidades, bem como proporcionarão, ao longo do tempo, melhorias na qualidade da informação contábil.
“Em primeiro lugar, as ONGs deverão ter um profissional proativo, conhecedor tanto das atividades da entidade quanto das regras do SPED. Em segundo, não serão mais admitidos balancetes apenas anuais, sem a emissão de balancetes mensais. Em verdade, nunca foram admitidos”, salienta o especialista ao apontar aspectos que precisam ser seguidos pelos contadores.
De acordo com o auditor, em muitos casos será necessário promover a revisão dos planos de contas no meio do processo. “Isto porque os contadores devem dispensar especial atenção à elaboração das demonstrações contábeis, seguindo práticas contábeis adotadas no Brasil, levando em consideração a ITG 2002, conjunto de regras para as entidades sem fins lucrativos, emitido pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), principalmente no que diz respeito ao registro do trabalho voluntariado”, enfatiza Papini.
Além disso, lembra o especialista da Map Auditores Independentes, sempre deve ser verificada a natureza das despesas, se de fato fazem parte da entidade. Paralelamente, recomenda-se analisar se não existem diretores e conselheiros estatutários recebendo pagamentos, seja de forma oficial – pró-labore ou CLT – ou oficiosa, como pessoa jurídica.
De acordo com Papini, a reversão desse quadro preocupante requer uma série de providências básicas, a começar pela profissionalização dos departamentos contábil e jurídico, bem como do próprio conselho fiscal das organizações sociais.
“Infelizmente, grande parte das ONGs ainda mantém controles rudimentares. Muitas delas até garantem fazer a contabilidade, mas, no fundo, documentam pessimamente seus registros. Se profissionais altamente competentes e qualificados em auditoria por vezes comentem erros, imagine aqueles que têm como único propósito ‘dar uma ajuda’, mas sem os devidos conhecimentos técnicos das normas e procedimentos contábeis e de auditoria”, enfatiza o auditor.
Esta visão é reforçada pelo empresário Ricardo da Silva Farias Passos, sócio- -diretor da unidade de Brasília da NTW Contabilidade e Gestão Empresarial. “A ausência de gestão adequada compromete a continuidade das operações das organizações sociais, uma vez que a falta de transparência das demonstrações contábeis compromete o recebimento de novas doações e a realização de projetos”, reitera.
A entrega de todas as obrigações referentes ao SPED é feita com o uso de assinatura eletrônica do contador responsável e do presidente da organização social, utilizando um e-CPF (certificado digital), obtido em diversas entidades de classe e empresas certificadoras autorizadas. As entidades que tiverem outras unidades pelo país precisarão enviar as informações consolidadas.
Após o envio das informações da Escrituração Contábil Digital (ECD), recomenda-se manter todos os documentos contábeis e fiscais arquivados por cinco anos.
Deixar de entregar o SPED Contábil no prazo, ou apresentá-lo com incorreções ou omissões, levará o fi sco a multar a entidade, que, dependendo do porte, sentirá o golpe no caixa: punição financeira nunca inferior a R$ 500,00 por mês de atraso, como prevê o artigo 57 da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto 2001. “A aplicação de multas, por descumprimento das obrigações acessórias, pode levar à descontinuidade de algumas entidades sem fins lucrativos”, frisa Passos.
E não é só isso. Além da multa, a organização social poderá ter suspenso o seu Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), impossibilitando a emissão de Certidão Negativa de Tributos Federais. Mais grave ainda, a entidade terá de arcar com grandes prejuízos, pois certamente ficará com o CNPJ inapto. Sem esse Cadastro, haverá grandes dificuldades para abrir e manter contas bancárias, obter financiamentos, captar recursos, comprar e vender veículos e bens imóveis, além de realizar outros tipos de negócios. Mesmo se a ONG estiver inativa, sem movimentação econômico-financeira, portanto, deverá entregar o SPED Contábil.
Ação já esperada pelas ONGs, o envio de informações para compor o SPED deve ser realizado da forma mais precisa possível.
A antecedência na busca pela resolução dessa adaptação à nova realidade tem sido a marca da Casa do Zezinho, associação educacional e assistencial localizada na zona sul da de São Paulo.
Bastante movimentada, a organização atende, anualmente, em torno de 1.200 crianças e jovens de ambos os sexos, com idade entre seis e 29 anos, que frequentam mais de 60 escolas públicas da região. Essas pessoas são envolvidas em atividades de educação, arte, cultura e formação geral e em oficinas de capacitação profissional.
Iniciado em 2014, o planejamento da entidade para o atendimento das demandas geradas pelo SPED Contábil envolve desde treinamentos e ajustes de procedimentos até o investimento em softwares. Todos os processos levaram 12 meses para serem finalizados e envolveram 10 profissionais, direta e indiretamente.
“A maior dificuldade são os custos envolvidos. A Receita Federal do Brasil apresentou a necessidade, mas se esqueceu de olhar para o impacto que isto traria ao bolso das entidades e das empresas”, avalia o administrador de empresas Fábio Marques, sócio-diretor da Balan-Set Consultoria e Assessoria Contábil, responsável pela contabilidade da Casa do Zezinho.
Já a ONG Aldeias Infantis SOS Brasil deu início à adaptação ao SPED mais recentemente, em 6 de abril, com o trabalho de implementação da Escrituração Contábil Digital sendo realizada por uma consultoria especializada neste sistema.
A demora se deu, em parte, pela falta de autonomia para realizar quaisquer mudanças e/ou implantação nos sistemas da instituição, afinal, precisou do consentimento do escritório internacional da entidade, que no país desenvolve 22 programas em 12 estados e no Distrito Federal e está entre as 14 entidades titulares do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
“Nossa maior dificuldade foi demonstrar a urgência desta implantação. Foram realizadas algumas reuniões virtuais com nosso pessoal no Uruguai e Bolívia para conseguirmos conscientizá-los de que essa implementação é fundamental para atender à legislação brasileira”, esclarece Valmir Augusto, assessor nacional de finanças e controles da entidade, responsável pela área de contabilidade da organização.
De acordo com o gestor, uma vez identificadas as dificuldades, o objetivo é evitar brechas que gerem futuros problemas com as autoridades tributárias. Pelo cronograma da Aldeias Infantis SOS Brasil, a implantação levará três meses e envolverá um contador e dois consultores externos.
“O Terceiro Setor brasileiro está no caminho certo, mas se as organizações sociais desejam ser tão efetivas como as dos Estados Unidos e as da Grã-Bretanha, precisam urgentemente mudar esta e outras realidades que ainda estão entranhadas na nossa cultura”, complementa o sócio-diretor da Map Auditores Independentes, Marco Antonio Papini.
Links
www.aldeiasinfantis.org.br
www.casadozezinho.org.br
www.cfc.org.br
www.grupoking.com.br
www.ntwcontabilidade.com.br
www.mapaudit.com.br
www.balan-se
dd.com.br
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