Desde a década de 1940 já se falava em comércio justo (fairtrade) na Europa. Essa modalidade de negócio internacional tem como características preços justos e padrões sociais e ambientais nas cadeias produtivas. “O objetivo principal é estabelecer contato direto entre o produtor e o comprador, “desburocratizando” o comércio e poupando os envolvidos das instabilidades do mercado global de commodities. Além disso, o fairtrade evidencia que a relação entre eles precisa obedecer a princípios precisos para ser considerada justa”, explica Roselaine Oliveira Pedro, consultora de Acesso a Mercados do Sebrae-SP.
Este processo, então, surgido naquela época devido à preocupação de algumas pessoas com a injustiça nas relações de comércio internacional e com o tratamento abusivo dado aos trabalhadores, passou a ser uma grande rede formada por pessoas que procuravam soluções para comunidades que não tinham acesso ao mercado.
Atualmente, o movimento dá atenção às exportações de países em desenvolvimento para países desenvolvidos, de produtos como artesanato, café, cacau, chá, banana, mel, frutas, entre outros. Um exemplo no Brasil é a Central do Cerrado, iniciativa sem fins lucrativos estabelecida com 21 organizações comunitárias que desenvolvem atividades produtivas a partir do uso sustentável da biodiversidade da região do cerrado brasileiro.
“A Central é como uma ponte entre produtores comunitários e consumidores, oferecendo produtos de qualidade como pequi, baru, farinha de jatobá, farinha de babaçu, buriti, mel, entre outros. É uma alternativa coletiva para superação dos problemas recorrentes sofridos pelas organizações comunitárias para inserção de seus produtos nos mercados”, conta Luis Carrazza, um dos responsáveis pelo Instituto Sociedade, População e Natureza, que abriga o escritório onde funciona a Central do Cerrado.
O conceito
Os critérios para o funcionamento dessa nova modalidade de comércio foram elaborados pela Alternative Trade Organizations (ATO) e pela Fairtrade Labelling Organizations International (FLO), e a definição da expressão foi ajustada em 2001, na Conferência Anual da International Federation of Alternative Trade (Ifat), organização criada na Holanda em 1991 que congrega quase 160 organizações e produtores de comércio justo. De acordo com a Ifat, “fairtrade é uma parceria comercial baseada em diálogo, transparência e respeito que oferece a produtores marginalizados melhores condições de comercialização e assegura aos trabalhadores os seus direitos”.
“O conceito de comércio justo divulgado pela FLO é reconhecido em 72 países”, explica a presidente executiva do Instituto Fairtrade Brasil, Verônica Rubio González. Ainda de acordo com ela, há quatro características essenciais que diferenciam sua organização das outras e a colocam como líder do movimento:
Comércio justo no Brasil
De acordo com os entrevistados, a prática do comércio justo no Brasil ainda é incipiente, mas já vem ganhando visibilidade. Para Carrazza, “o Brasil tem um enorme potencial de mercado que pode, e deve, ser incentivado para absorver a produção de comunidades, favorecendo a manutenção das famílias no campo, a inclusão social e a conservação ambiental”.
Para comprovar a iniciação do país no fairtrade, de acordo com Verônica, esperam-se bons resultados em 2008. “O primeiro produto que será comercializado no Brasil com o selo Fairtrade será o café, mas também o suco de laranja e as geléias de frutas estão sendo preparados para a comercialização”, conta. Para ela, o mais importante é informar os consumidores. “Precisamos de cursos, parcerias com instituições que apóiem os princípios do comércio justo.”
O que tem impedido a participação do Brasil no processo do fairtrade é que o consumidor raramente sabe a origem dos produtos, então, a relação produtor-consumidor não existe. “Por isso, comprar produtos do comércio justo não significa pagar mais caro para favorecer ou viabilizar as comunidades”, esclarece Carrazza. “Primeiramente, deve-se analisar a qualidade dos produtos, pois ninguém vai comprar algo sempre para fazer caridade. Então, são selecionados os bons alimentos que terão condições de competir com os demais em todos os aspectos, inclusive no preço – o que coloca as questões socioculturais e ambientais como um diferencial a favor.”
Outro fator importante a ser considerado é que, ao comprar um produto no comércio justo, o valor que está sendo pago é direcionado ao produtor, ao distribuidor e a quem comercializa, ou seja, é um processo em que todos ganham. “Não há exploração de um elo da cadeia pelo outro. Trata-se de um processo de transparência e eqüidade”, explica Carrazza.
“São selecionados os bons alimentos que terão condições de competir com os demais em todos os aspectos, inclusive no preço – o que coloca as questões socioculturais e ambientais como um diferencial a favor” Luis Carrazza, do Instituto Sociedade, População e Natureza |
A dimensão do fairtrade no mundo
Em 2006, consumidores no mundo todo gastaram 1,6 bilhões de euros em produtos certificados com o selo Fairtrade, 42% a mais que no ano anterior, segundo dados do relatório anual 2007 da FLO. Para produtos como café e coco, o crescimento foi impressionante: 53% e 93%, respectivamente. O número de empresas que vendem produtos do comércio justo também aumentou: 29% a mais em 2006 em relação a 2005.
Uma iniciativa de sucesso lançada pela FLO inicialmente no Reino Unido é a “Fairtrade Town Campaign”, ou seja, uma campanha para que cidades possam aderir ao comércio justo. Assim, para ganhar o título de “Fairtrade Town”, a cidade precisa, entre outros requisitos, apoiar a prática dessa modalidade de negócio para as suas necessidades. Na Bélgica, a campanha foi lançada em 2005 e 40% das 308 cidades da região de Flanders já estão envolvidas. Trinta delas já são reconhecidas como “Fairtrade Towns”.
Para explicar esses números, ainda de acordo com o relatório anual da FLO, os princípios dos consumidores têm mudado. Antes, o fator mais levado em consideração ao comprar era o preço e, agora, o foco está nos valores éticos e na história por trás dos produtos.