Na primeira parte do presente artigo1, consideramos os fundamentos gerais do Protocolo de Kyoto e sua relação com o funcionamento do recém-criado mercado de carbono; além das várias possibilidades de negócios nesse novíssimo mercado e algumas das mais importantes experiências desenvolvidas no Brasil até o presente momento. Podemos assim sintetizar:
Ciclo do projeto (project cycle)4
Para a elaboração de um projeto de certificação de MDL é necessário o cumprimento de seis etapas, cuja essência é:
1) Elaboração – Documento de Concepção do Projeto (DCP) ou Project Design Document (PDD).
Fundamentalmente esse documento é composto das seguintes partes:
a) Descrição geral da atividade do projeto;
b) Metodologia da linha de base;
c) Duração da atividade do projeto;
d) Plano e metodologia de monitoramento;
e) Cálculo das emissões de GEE5;
f) Impactos ambientais;
g) Comentários dos parceiros; e
h) Anexos
2) Validação e aprovação – Pela autoridade nacional designada (AND) ou designated national authority (DNA) do país hospedeiro. A AND no Brasil é a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), sendo constituída pelos seguintes ministérios: Relações Exteriores; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Transportes; Minas e Energia; Planejamento, Orçamento e Gestão; Meio Ambiente; Ciência e Tecnologia; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Casa Civil da Presidência da República; Cidades; e Fazenda. É necessário que essa comissão aprove o DCP. No Brasil, esta comissão já validou e aprovou 171 projetos.
Em seguida, o DCP deve ser encaminhado para validação e a aprovação por uma entidade operacional designada (EOD) ou designated operational entity (DOE) selecionada pelos participantes do projeto. Para isso, a EOD deve verificar se no DCP foram cumpridos os seguintes requisitos:
a) É voluntário e foi aprovado pelo país hospedeiro.
b) Atende aos critérios de elegibilidade.
c) Há adicionalidade (additionality) – se há realmente uma redução adicional de emissão de GEE. Isso pode ser verificado a partir da linha de base (baseline). Na metodologia de linha de base são determinados os cenários posteriores e anteriores à realização do projeto.
Dessa maneira, é possível concluir o benefício proporcionado. Logo, os benefícios devem ser reais, mensuráveis e de longo prazo.
d) Fugas (leakage). Caso o próprio projeto de MDL seja responsável pela emissão de GEE. Se ocorrer, essa quantidade deve ser subtraída do total de RCEs adquiridos com o projeto. Logo, os RCEs recebidos são aqueles referentes à quantidade líquida de GEE não emitidos.
e) O projeto teve como referência a legislação ambiental nacional (país hospedeiro).
f) Determinação do período de obtenção dos créditos.
3) Registro – O próximo passo é o registro pelo Conselho Executivo do MDL ou CDM Executive Board. Nessa terceira etapa do Ciclo do Projeto, o Conselho Executivo do MDL reconhece formalmente o projeto de MDL. O registro é um pré-requisito para verificação, certificação e emissão das RCEs.
4) Monitoramento – A partir dos cenários estabelecidos na linha de base, nessa quarta etapa do ciclo de projeto é elaborado um plano de monitoramento que deve fazer parte do DCP. Faz-se, então, o cálculo da diminuição das emissões de GEE e/ou aumento do seqüestro de carbono para que o cumprimento possa ser monitorado. Essa fase possibilita que os resultados sejam medidos. Relatórios são produzidos e enviados para a EOD.
5) Verificação e certificação – Com os relatórios recebidos, a EOD procede a auditoria de modo independente e periódico para verificar se os cálculos informados no DCP em relação à redução/seqüestro realmente ocorreram ou estão ocorrendo.
Ao constatar as reduções e/ou seqüestros realmente ocorridos, a EOD formalmente atesta a diminuição da emissão de GEE, 15 dias após ter recebido os relatórios de verificação.
6) Emissão de RCEs – Sexta e última etapa do processo. Sendo provado que todas as fases foram corretamente realizadas, e que as reduções/seqüestros são verdadeiros (ocorridas ou ocorrendo), mensuráveis e de longo prazo, as RCEs podem ser emitidas. Até 15 dias após o recebimento formal da solicitação de emissão das RCEs, juntamente com a certificação, o Conselho Executivo do MDL emite as RCEs, que podem ser vendidas diretamente para organizações interessadas ou comercializadas na bolsa de valores.
Comercialização e financiamento
As RCEs podem ser vendidas diretamente para empresas interessadas em cumprir suas metas de redução de GEE ou comercializadas no Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões (MBRE)6 da Bolsa de Mercadorias & Futuros por meio de leilões. Os possíveis compradores diretos não são somente as empresas que possuem meta de redução, mas também capitalistas de risco, investidores em geral e fundos; nesses dois últimos casos, tanto privados como públicos, que desejam utilizar as RCEs como aplicação. Esses compradores não só podem imediatamente vendê-las no mercado como também retirá-las momentaneamente do mesmo ou guardá-las para cumprimento de futuras metas de redução.
Um dos fundos de apoio para projetos de MDL é o Fundo Protótipo de Carbono (FPC) ou Prototype Carbon Fund (PCF), criado em 1999 pelo Bird. É composto por seis governos nacionais: Holanda, Finlândia, Suécia, Noruega, Canadá, Japão; e 17 empresas, entre elas o Deutsche Bank e a Mitsubishi. Com capital total de US$ 180 milhões, a missão do fundo é desenvolver o mercado de projetos baseados em redução de emissão de GEE e estimular o desenvolvimento sustentável. Existem também outros fundos, como dos Países Baixos, Espanha, Dinamarca, entre outros.
Outro grande financiador de projetos de MDL é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com orçamento de R$ 200 milhões e prazo de vigência até 31 de dezembro de 2009, o programa do BNDES realiza aplicações em fundos de empresas que utilizam tecnologias limpas.
Há também o instrumento da venda antecipada, isto é, antes da emissão propriamente dita dos RCEs ou ainda antes mesmo da própria efetivação do projeto de MDL.
Aspectos jurídicos e tributários
Não há uma legislação única que trate das RCEs, tanto no que se refere à sua natureza jurídica como nos aspectos tributários. As normas que abordam o assunto encontram-se dispersas. Essa incerteza deve-se ao fato de ser uma novidade sobre a qual ainda não foi possível acúmulo suficiente de estudos, inclusive no enfoque jurídico. Mesmo havendo dúvidas, pode-se qualificá-las como bens incorpóreos ou intangíveis.
No caso de pessoa física que ganhe capital com a venda de RCEs, incorrerá o imposto de renda. Sendo pessoa jurídica com fins lucrativos, poderá haver ainda aumento da CSLL, do PISP/Pasep e da Cofins acometidos sobre o que possivelmente tenha se lucrado.
Projeto de Pequena Escala (Small Scale Project Activities)
Semelhante aos grandes projetos de MDL, os de pequena escala se diferenciam somente por serem menores. Portanto, apesar de obviamente gerarem quantidade menor de RCEs, tornam-se mais rápidos de serem elaborados, ocasionando assim custos menores em todo o processo. São classificados como projetos de pequena escala, por exemplo, as atividades que emitam diretamente menos do que 15 mil toneladas equivalentes de dióxido de carbono por ano.
Enfim, o mercado de crédito de carbono é certamente o mais promissor na área ambiental e um dos mais importantes no mercado de capitais da atualidade. Tudo isso com o diferencial de ser altamente lucrativo, além de poder sensivelmente contribuir para a manutenção do meio ambiente e a inclusão social.
Eduardo Magalhães. Sociólogo, ensaísta, professor e consultor para o Terceiro Setor. Diretor da ONG Saúde e Cidadania e da empresa Escola para o Terceiro Setor, membro da International Society for Third-Sector Research (ISTR) e coordenador nacional de projetos da Building and Wood Workers’ International (BWI). |