É fato que grande parte da população brasileira jamais se interessou em ler nossa Constituição, tampouco em conhecer os direitos previstos nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal (CF).
Esse desinteresse é exatamente por julgá-lo como um assunto restrito aos juristas, operadores do Direito e juízes. Todavia, engana-se quem subjuga a importância de conhecer tais direitos, uma vez que eles são relevantes a todos os cidadãos, independentemente de classe social, raça, etnia, religião e sexo.
O desconhecimento de nossa sociedade acerca disso demonstra a despreocupação de nossa geração, em contrassenso com o que ocorria nos anos 1960, 1970 e 1980 que, na vigência de outras Constituições outorgadas, lutavam por direitos e propunham conflitos em nome da liberdade e igualdade.
Não é demais dizer que o artigo 5º de nossa Constituição Federal é a tradução da conquista e do avanço social rumo ao Estado Democrático de Direito, conquistas essas decorrentes das lutas contra a ditadura e o autoritarismo, que regiam o sistema de governo de nosso país à época. Por tudo isso, a ideologia de garantia das liberdades individuais e coletivas permitiu a existência dos direitos mínimos.
Tais direitos inseridos no referido artigo constitucional são denominados de garantias e direitos fundamentais relacionados ao direito à vida, propriedade, igualdade, segurança, liberdade de locomoção, intimidade, liberdade de expressão e associação, livre exercício profissional, dentre outros, ao que nos parece direitos do cidadão perante o Estado.
Além disso, o conteúdo do artigo 6º de nossa Constituição remonta a um cenário de direitos essenciais, denominados pelos doutrinadores da área jurídica como o “piso mínimo vital” ou, ainda, “a cláusula da reserva do possível”, do qual se extrai a ideia de garantias mínimas de sobrevivência, quais sejam o direito à educação, à saúde, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados.
A pergunta que nos cerca é: como ignorar a construção de um sistema atual alicerçado na igualdade e liberdade com base nas lutas e conflitos históricos das gerações passadas?
É obvio que os direitos que nos assistem hoje são frutos de uma conquista social abarcada pela nossa Constituição Federal de modo pontual, o que nos remete à ideia de “acesso social”, isto é, tornar acessível aos menos favorecidos o gozo de direitos comuns a todos os cidadãos, sem os quais seria impossível falar em igualdade.
Avançando no tema, é possível nos acometer um sentimento de indignação com a omissão da iniciativa pública ao transportar para esfera prática os direitos e garantias fundamentais. Contudo, esse incômodo particular do leitor e de quem vos escreve é a própria evolução de uma ideia que até então nos passava despercebida, a ideia de que somos parte de uma sociedade democrática que ainda deve evoluir em relação à concretização desses direitos básicos, ao se contrapor à realidade social do nosso país.
Tal reflexão pessoal é comum ao indivíduo em seu sentido mais amplo, independentemente da nacionalidade, crenças e costumes, posto que é a essência da própria convivência social, permeada pelos três pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Resolução nº 217-A, quais sejam: igualdade, fraternidade e liberdade.
Ademais, na tentativa de reiterar a relevância dos direitos fundamentais, é importante relatar que na década de 1950 iniciou-se um debate internacional, passando pela Europa e América do Norte, acerca da “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”, mas o que significa essa expressão aparentemente complicada?
A criação da expressão “eficácia horizontal dos direitos fundamentais” objetivou vincular tais garantias na relação entre particulares, ou seja, essas garantias não se inserem apenas na relação entre o Estado e o cidadão, mas também na concretização desses direitos através da relação existente entre os particulares, que teoricamente, estariam em posição de igualdade, daí exsurge a “eficácia horizontal”.
É nesse sentido que algumas relações se firmam com fundamento nessa aplicação horizontal, o maior exemplo disso são as entidades filantrópicas que atuam nas lacunas deixadas pelo Estado, ao cooperar com o desenvolvimento social das classes excluídas e menos favorecidas, mudando a realidade de pessoas, diminuindo a desigualdade social e promovendo alternativas para o desenvolvimento sustentável.
Todas essas são preocupações legítimas que partiram do próprio ente particular ao detectar a necessidade e tomar para si o papel de agente transformador.
Nessa esteira, denota-se que o arcabouço constitucional tratou da assistência social e de seus objetivos no artigo 203 da CF, o que mais uma vez reforça a ideia de assistencialismo ou filantropia como cumprimento e aplicação das garantias fundamentais por meio das entidades sociais.
Por esse prisma, as entidades filantrópicas atuam como parceiros do Estado, com a finalidade de promover proteção à família, à maternidade, à criança, ao adolescente, desempenhando atividades relativas à saúde, educação, inclusão e assistência social no âmbito geral.
Sob essa ótica, para esclarecer ainda mais a questão, vejamos o que dispõe o artigo 1ª da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas):
Art. 1 – A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Nesse modelo organizacional das entidades sociais, é evidente que a atividade filantrópica desempenha um papel imprescindível na evolução social e na efetivação desses direitos fundamentais, partindo da premissa da iniciativa privada para o alcance de uma sociedade mais justa e igualitária.
A título exemplificativo, outra previsão na Loas, nos artigos nº 25 e nº 26, demonstra o paralelo das atividades filantrópicas em sistema de cooperação com o Estado, o que engloba o tema proposto, principalmente no que tange à efetivação dos direitos fundamentais pelas entidades sociais, regulando o seguinte:
Art. 25 – Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão da qualidade de vida, a preservação do meio ambiente e sua organização social.
Art. 26 – O incentivo a projetos de enfrentamento da pobreza assentar-se-á em mecanismos de articulação e de participação de diferentes áreas governamentais e em sistema de cooperação entre organismos governamentais, não governamentais e da sociedade civil.
Diante dessa perspectiva, o comando legal acima regulamenta os Projetos de Enfrentamento da Pobreza, mediante a proposta de investimento financeiro para melhoria das condições de vida dos grupos sociais menos favorecidos, o que, sem dúvida, está alicerçado nos direitos fundamentais da Constituição Federal.
Na avaliação do tema, hoje, parte da sociedade tem se mobilizado para cumprir um papel importante de transformação, com a finalidade de multiplicar oportunidades e tornar reais os direitos básicos atribuídos em nossa Constituição.
Em última análise, a ideia que se busca passar é que o conhecimento dos direitos fundamentais e o interesse em se aprofundar no tema é parte de um papel social que beneficiará a todos, e por que não dizer obrigação social?