Apenas Sentimento

Por: Magda Duarte
07 Julho 2015 - 14h58

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Pensar na vida e nas questões humanas é, antes de  mais nada, tentar o tempo todo nos descobrir, não  obrigatoriamente no setting terapêutico, mas nos  reconhecendo no mundo e visitando sentimentos  que nos causam reações. Este contato nos provoca o desejo  de buscar explicações que nos conforte e tranquilize, algo não  fácil, considerando que nossa subjetividade é fator importante  neste processo. 

Refletir sobre a conduta humana, motivações e reações  diante das vicissitudes da vida, é revelador; compreender o  mundo que nos cerca, preserva e promove segurança, e isto  é comumente almejado pelas pessoas. Nesta perspectiva, algo  tem me intrigado com mais veemência nos últimos tempos:  trata-se da normalidade que percebo nos olhares e reações  humanas acerca do mal. 

Talvez eu não saiba nomear este sentimento; este incômodo  sentimento, que, nem sei ao certo, mas parece me constranger  em diversos momentos. Outro dia, conversando com  amigos, um termo me pareceu adequado para expressar o que  digo: a banalização do mal, subtítulo do livro Euchmann em  Jerusalém, de Hannah Arendt. Nesta conversa, bem como em  encontros com outros pares – penso ser ideal assim chamar  pessoas com quem tenho vontade de dividir sorrisos e pensamentos  –, buscávamos respostas ao que as pessoas apresentam  diante da maldade, sendo elaborado que talvez assisti-la  seja confortante. 

No momento em que iniciava a construção deste texto,  brotado de minha inquietação, meu desconforto foi inflamado  ao ouvir uma história de alguém muito próximo, uma descrição  da violência e da reação frente a ela. Um rapaz alcoolista  foi atropelado, sem nenhum motivo aparente, sem briga ou  discussão, apenas porque incomodou alguém – afinal, não  estava cheiroso ou elegante, e o que não é bonito não é interessante  à maioria das pessoas. Um jovem de 25 anos deu  marcha ré em seu carro e acelerou propositalmente, atropelando  o rapaz no canto da rua e quebrando suas duas pernas.  Logo depois, guardou o carro com tranquilidade e continuou  sua rotina; certamente acreditando que não haveria consequências,  pois quem se importaria com alguém assim? A polícia,  o resgate e a família chegaram, sendo a vítima atendida  e colocada em segurança. 

Contudo, esta história me remete à naturalização do mal,  em decorrência da maneira como todos os presentes reagiram.  Em seus discursos, declaravam indignação, mas não desejavam  se envolver e preferiam não informar os fatos à autoridade;  pareciam extremamente interessados em falar sobre  o assunto com a família e outros moradores, morbidamente  interessados; como aquele espectador que faz careta frente à  televisão diante das desnecessárias cenas de violência, mas,  no dia seguinte, repete a sensação. O assunto foi notícia no  bairro nos dias que seguiram, ainda com todos fazendo indagações  à família e buscando conhecer detalhes. Uma indignação  incoerente, talvez o referido conforto, com a certeza de  que o atropelador é ruim, reiterando a bondade dos demais.  Vale salientar que, neste caso, o medo não é a causa para o  silêncio, sendo notória a percepção de que a vida é assim,  as pessoas são terríveis assim, e, embora muitos falassem do  quanto se sentiam afetados, comportavam-se como plateia  de um filme triste, uma sensação que depois passa, experimentação  de telespectador frente ao mal, em que automaticamente  todos os outros são bons. 

É indubitável que falo do mal, que não cabe questionamento  sobre o significado. Ainda que considerado o relativismo  ético, trata-se do que se opõe ao bem, fere e prejudica.  Falar do mal nos remete ao que é o bem, sendo válido  esclarecer que o bem pensado, não é o filosófico, que seria a  excelência ética, mas sim o possível, preservador e humano. 

O mal existe desde sempre, contudo, o que me importuna  não é a maldade ou a inércia diante dela, e embora  concorde, não me sinto contemplada em meus pensamentos  com a frase de Martin Luther King: “O que me incomoda  não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.  O objeto  de minha preocupação não é o silêncio, e sim o conforto  diante das demonstrações do mal. Um estranho conforto;  daí compreendemos o sucesso dos detentores de audiência  televisiva de nossa época, em que uma plateia anestesiada  parece incapaz de refletir acerca das causas e consequências  dos fatos. 

É utópico pensar na inexistência das tristezas, misérias,  decepções etc., afinal, deparamo-nos cotidianamente com  os infortunos reais. Contudo, não é natural ver repetidas  cenas de violência e, alguns minutos depois, esquecer, sair  para jantar e, no dia seguinte, repetir a mesma rotina, sem  ao menos pensar a respeito, e isto é o que considero a naturalização  do mal. 

É a banalização do mal. Ver a exposição, e até a exploração,  do sofrimento e da violência e apenas nos dizer indignados  por alguns minutos, em nosso cômodo lugar. Talvez  este estranho conforto seja explicável através das comparações  com o mal, porque diante do que é mesquinho e cruel  é fácil ser justo e bom, mas esta lógica nos coloca em comparação  ao que há de pior, e, sendo assim, não preciso me  esforçar para ser bom. Uma enganosa absolvição, afinal, não  nos mostramos assim tão ruins frente aos vigorosos exemplos  da maldade. 

Mas, afinal, o bem incomoda? 

Provavelmente, mas de forma subjetiva. 

O bem é exigente, requer disponibilidade, mudanças,  buscas, descobertas, reconhecimento de fragilidades e de nossos  sentimentos não tão louváveis, simplesmente humanos. 

Não há aqui a intenção de comprovar uma verdade, ou a  angústia expressada; é apenas sentimento, sem radicalidade  ou negação do ser autêntico. É apenas sentimento. 

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