Em 2022, um aporte de R$ 2,5 milhões está sendo destinado a comunidades quilombolas e povos indígenas em vários estados brasileiros pelo Fundo Baobá de Equidade Racial, pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos e pelo Fundo Casa Socioambiental, reunidos numa iniciativa inédita no Brasil: a Aliança entre Fundos.
A Aliança entre Fundos é uma iniciativa de filantropia colaborativa para apoiar populações invisibilizadas e mais vulneráveis no contexto da pandemia da COVID-19.
Embora invisibilizados e minorizados no que diz respeito à proteção, garantia e efetivação de direitos, os povos indígenas e as comunidades quilombolas têm produzido soluções locais, protegendo e reconstruindo com resiliência e força os territórios onde enfrentam os problemas agravados pela pandemia. Os povos indígenas, por exemplo, criaram o observatório Emergência Indígena, que reúne uma frente do movimento indígena no enfrentamento da pandemia da COVID-19. Já as comunidades quilombolas lançaram o Observatório da COVID-19 nos Quilombos, uma iniciativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). As duas ações monitoram os registros de casos da COVID-19, óbitos e impactos da pandemia nos territórios das comunidades e povos originários.
Dados oficiais ou registrados pelos próprios grupos confirmam o agravamento da vulnerabilidade de quilombolas e indígenas durante a pandemia. Segundo o Observatório da COVID-19 nos Quilombos, por exemplo, entre os 1.492 quilombos monitorados no país, houve o total de 5.660 casos de COVID-19, com 301 vidas perdidas para a doença até novembro de 2021. A CONAQ vem denunciando a falta de interesse das autoridades públicas e dos meios de comunicação de massa diante dos impactos, agravados pela profunda crise sanitária, social, econômica e ambiental causada pela pandemia nessas comunidades. Perante esse cenário, a CONAQ apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-742) solicitando medidas emergenciais para a garantia da dignidade e dos direitos dessas populações. A ação foi julgada favorável pelos ministros do STF, que determinaram que o governo federal apresentasse um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia de COVID-19 nas comunidades quilombolas. Até o momento, a implementação do governo foi parcial e continua exigindo uma frente de luta quilombola pelo acesso a todas as deliberações determinadas pelo STF.
Entre os povos indígenas, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com base nos dados monitorados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), registrou 63.225 casos confirmados de COVID-19 entre as pessoas indígenas até março de 2022, com 803 óbitos. Ainda de acordo com o Cimi, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) contabilizou 1.289 vidas de pessoas indígenas perdidas para a doença no período.
Diante da COVID-19, os povos indígenas têm mantido a luta contra a sistemática violação do direito às suas terras. Recentemente, fizeram uma ampla mobilização em frente ao STF, em Brasília, contra a votação da tese do Marco Zero — que restringiria os direitos territoriais dos povos originários brasileiros.
Em sintonia com as lutas dessas populações, os editais lançados em 2021 pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental, no âmbito da Aliança entre Fundos, priorizaram a reconstrução do tecido social com base em três eixos estratégicos: 1) o fortalecimento da capacidade de resiliência de organizações, coletivos e grupos; 2) a soberania e a segurança alimentar; e 3) a promoção da justiça social, ambiental e racial na construção de soluções para os problemas provocados pela pandemia da COVID-19.
Por meio de três editais independentes lançados por cada um dos fundos integrantes da Aliança, foram selecionados projetos elaborados por associações, grupos, povos e comunidades indígenas e quilombolas. Há ações em curso e grupos localizados em 16 estados brasileiros: Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte, Piauí, Pará, Acre, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina.
Neste esforço emblemático, contudo, essas populações não podem permanecer sozinhas. É preciso manter uma escuta ativa e permanente desses grupos a fim de oferecer apoio ao empenho que já vem sendo protagonizado por quilombolas e indígenas. Foi esse o movimento feito pela Aliança entre Fundos, que busca, além do apoio financeiro, prover investimentos indiretos e criar oportunidades de trocas e aprendizados entre organizações apoiadas. A Aliança entre Fundos também busca fomentar outros espaços e mecanismos de fortalecimento institucional, adensando os esforços construídos ao longo da trajetória dos três fundos que a compõem.
Ainda há um longo percurso a ser feito até a superação dos impactos da pandemia e dos retrocessos que têm sido impostos à sociedade brasileira. A decisão de reunir esses fundos num propósito colaborativo — materializada na Aliança entre Fundos — é uma alternativa solidária, com o objetivo de ampliar e potencializar o apoio a essas comunidades e povos originários. A resposta para os impactos profundos nestes tempos sombrios na vida e nos modos de organização social, contudo, vai depender da nossa capacidade de acolher as demandas, de agir tempestiva e coletivamente e de oferecer as mais variadas formas de ajuda mútua, colaborativa
e regenerativa.