A outra face do bem

Por: Fernando Credidio
01 Janeiro 2003 - 00h00
Abordar a importância de as empresas adotarem políticas de responsabilidade social, nos dias de hoje, seria redundante, haja vista que as organizações – sejam elas de pequeno, médio ou grande porte – sabem que não podem mais contar, apenas, com a qualidade de seus produtos e serviços como garantia de sobrevivência, porque tal atributo passou a ser uma exigência natural do mundo competitivo.

Essa necessidade, entretanto, tem levado muitas empresas a adotarem estratégias equivocadas – quando não oportunistas –, na intenção de demonstrarem para os diferentes públicos com os quais se relacionam – os chamados stakeholders – a preocupação com o papel que desempenham em favor das comunidades em que atuam, além de gerarem e pagarem impostos.

O primeiro erro está no desconhecimento do verdadeiro significado da expressão “marketing social” e de seu limite de atuação. Ao contrário do que vem sendo difundido, inclusive pela mídia, marketing social não é uma estratégia mercadológica adotada por uma empresa com o objetivo de vender mais produtos ou serviços. Não é, também, o conjunto de ações tomadas visando a melhoraria ou o reforço da imagem institucional (goodwill). Marketing social não é, principalmente, um instrumento que possibilite a uma corporação associar sua marca a causas sociais.

Marketing social, uma ferramenta de gestão originada na década de 60, na área da saúde pública, nos Estados Unidos, é, isso sim, o conjunto de estratégias e ações planejadas para a implementação de programas desenvolvidos para a promoção de mudança social, mediante o emprego das técnicas do marketing tradicional, o que significa dizer que o autor de uma ação ou campanha de marketing social é, geralmente, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos ou um órgão governamental, o que não quer dizer que uma empresa não possa empreender ações sob esse escopo. Isso pode ocorrer, desde que ela vise, única e obrigatoriamente, a multiplicação das soluções e dos impactos sociais referentes à adoção de comportamentos, atitudes e práticas que promovam o fortalecimento e a implementação de políticas públicas, a promoção de causas sociais relevantes e a transformação social, sem que tal conduta esteja atrelada a ganhos de imagem, à revitalização da marca ou com o objetivo, ainda que escamoteado, de aumentar sua participação de mercado.

Contudo, parece que a maior parte das empresas desconhece que o retorno da relação de troca, no marketing social, não volta diretamente para os agentes da mudança, mas para a sociedade. Por essa razão, ações como o McDia Feliz – promovido pelo McDonald’s –, o Bib’s Dia Genial – realizado pela rede de fast-food Habib’s, e a campanha desenvolvida pelo Açúcar União, no ano passado, apoiando os projetos sociais do Instituto Ayrton Senna, não podem ser consideradas como de marketing social, mas ações de marketing de causa (cause related marketing).

Para compreender melhor o que venha a ser o marketing de causa social, é necessário que se faça um corte no marketing social, focando apenas em uma determinada causa, geralmente promovida por uma empresa com a finalidade de agregar valores sociais à sua marca, além de incrementar a venda de serviços e produtos. Dessa forma, ao resolver implementar uma ação de marketing de causa, as pequenas e grandes corporações podem atuar diretamente com suas ações de cidadania ou se unirem a organizações sociais, tendo em vista alguma causa relevante.

Quando bem utilizado, o marketing de causa social é uma poderosa ferramenta estratégica de posicionamento, pois, ao utilizar algumas técnicas do marketing tradicional, consegue associar a marca de uma empresa a uma questão ou causa social. O resultado dessa parceria é que todos os atores se beneficiam: as empresas, pelo incremento de vendas de seus produtos e serviços e, notadamente, pela capitalização de imagem – graças, principalmente, à exposição por meio de mídia espontânea; as entidades, por meio da divulgação de suas causas – atraindo, conseqüentemente, mais simpatizantes, voluntários e maior volume de recursos – e, por fim, a sociedade, como a principal beneficiada dessas ações.

Trata-se de um jogo de ganha-ganha, válido e que deve ser incentivado, desde que a comunicação por parte dos agentes envolvidos seja feita de forma clara e transparente, de modo a não induzir a sociedade ao erro ou ao ludíbrio, especialmente pelo caráter solidário do brasileiro. Portanto, não existe mal nenhum em uma empresa desenvolver ações sociais visando a melhoria de seu negócio ou sua imagem. O que não pode ocorrer – e tem de ser combatida – é a impostura de como essas ações têm sido informadas ao mercado, à mídia e à sociedade, uma vez que, sempre que questionadas, as empresas afirmam que tais ações foram planejadas apenas com a intenção de apoiar uma determinada causa, o que, na maioria das vezes, não é verdade.

Outro erro freqüente cometido pelas empresas é no sentido de confundirem investimento social privado com responsabilidade social. Por apoiarem apenas pontualmente uma entidade ou programa social, imaginam que serão vistas como socialmente responsáveis. Ledo engano. Uma empresa não é considerada cidadã somente por apadrinhar ou financiar um determinado projeto, principalmente em se tratando de campanhas de curta duração. Uma corporação que se diz cidadã deve sê-la nos 365 dias do ano, não quando somente lhe convier ou para justificar um discurso pretensamente social.

Basta analisar o que ocorreu no último Natal, considerada a data de maior apelo no calendário promocional do varejo. No arsenal de estratégias “sociais” empregadas pelas empresas, viu-se de tudo, de test-drive “solidário” à merchandising social, de leilões sociais a campanhas para arrecadação de alimentos. Filantropia? Compromisso e investimento social? Nada disso. Em comum, apenas o objetivo de sensibilizar consumidores e clientes, a ausência de critérios e de direcionamento dessas ações, a falta de transparência e de uma prestação de contas efetiva, o assistencialismo e, o mais grave, sequer um mínimo compromisso com as causas, com o controle dos resultados e, especialmente, com o destino que foi – ou será – dado aos recursos gerados pelas entidades e pelos programas apoiados.

É importante que as empresas – orientadas pelas organizações do Terceiro Setor – entendam, de vez, que a responsabilidade social corporativa não deve ser confundida com investimento social privado nem deve ser utilizada como simples estratégia de marketing. Tampouco significa incluir um selo – cujo significado, na maior parte das vezes, a sociedade desconhece –, em anúncios e embalagens, como forma de demonstrarem aos stakeholders seu compromisso socioambiental. Não é, igualmente, estarem presentes nas publicações especializadas que costumam divulgar as corporações que adotam políticas de responsabilidade social, aquelas que possuem maior índice de recall ou, ainda, as mais admiradas. Os executivos dessas empresas devem, sobretudo, livrarem-se da obcecação por prêmios e recompensas efêmeras, porque eles, seguramente, não conduzirão o país a mudanças significativas.

Especificamente na área do investimento social privado, muitas empresas têm se acostumado a beneficiar somente determinadas organizações do Terceiro Setor, geralmente aquelas que mantém fluxo constante com a imprensa ou que possuem um patrono conhecido, atitude que tem levado a sociedade a questionar o porquê de sempre as mesmas entidades receberem os maiores investimentos, em detrimento a dezenas de milhares de outras que, igualmente, desenvolvem um trabalho sério, crível e indispensável às comunidades em que atuam.

Não tencionando fazer qualquer juízo de valor – mesmo porque não se pode negar a importância das organizações maiores no atual contexto social do país, especialmente nos projetos de desenvolvimento sustentável que financiam –, é fato que essas entidades levam uma vantagem descomunal sobre as suas primas menores, aquelas que não tiveram a oportunidade de nascer a partir de uma estrutura profissional nem foram administradas por gestores eficazes, não possuindo, também por esse motivo, uma área de comunicação e marketing afinada e atuante a ponto de gerar a mesma visibilidade para as suas causas. As pequenas ONGs e a maioria das entidades filantrópicas não podem ter seu trabalho interrompido apenas por isso ou por não poderem contar com o apoio e o aval de personalidades dos meios artístico, cultural, político e esportivo para lhes emprestar prestígio – quando não o nome – na criação de uma organização ou na mobilização de recursos que lhes garanta sustentabilidade.

É importante salientar que essa opção, por parte das empresas, tem ocasionado grandes dificuldades a muitas organizações sociais que, sem acesso aos recursos governamentais e das agências internacionais, encontram-se em vias de fechar as portas. Para um executivo dessas companhias, pode parecer mais vantajoso, à primeira vista, direcionar os investimentos sociais a entidades cujas ações e atividades sejam constantemente cobertas pela mídia, do que para outras pouco conhecidas, entendendo que, dessa forma, a empresa alcançará maior projeção e, conseqüentemente, agregará mais valor à marca.

Tal percepção, além de provocar sérias distorções, gera um valor agregado ilusório, porque, no momento atual, as empresas devem valorizar o bairro e o espaço comunitário, em contraposição à metrópole, sem cara e personalidade. Na prática, isso significa construir um conjunto de princípios e valores no plano da cultura corporativa, assumindo que a expressão da identidade de uma organização se dá por meio das ações do seu público interno junto à sua rede de relações. Dessa forma, as pequenas e grandes corporações devem procurar as lideranças locais para atraírem marcas, serviços e parcerias que tenham peso principalmente na comunidade do entorno onde estão localizadas. Serão esses parceiros que conferirão a cor local, fazendo com que as empresas criem relacionamentos. Além disso, é bom que se diga, as entidades pouco conhecidas realizam, quase sempre, um trabalho semelhante e com a mesma eficácia que as ONGs mais estruturadas, com a vantagem de apresentarem, não raras vezes, relação entre o custo e o benefício mais vantajosa, em virtude de o seu custo operacional ser significativamente menor.

Se continuarem insistindo nesses modelos, as empresas contribuirão para o próprio insucesso do investimento “social”, levando sua imagem e sua reputação ao descrédito, uma vez que a sociedade mostra-se cada vez mais atenta às ações que essas empresas implementam. Se levarmos em consideração que todo consumidor é também cidadão, fica claro que, caso sua percepção indique que uma companhia está apoiando uma determinada causa ou executando alguma ação social apenas na intenção de “fazer marketing”, ocorrerá o chamado efeito bumerangue. Ele acabará punindo aquele produto ou aquele serviço, migrando para um concorrente.

Como se pode depreender, há muito, ainda, a ser feito e assimilado, principalmente no sentido de que as empresas assumam, de vez, o papel de agentes sociais no processo de desenvolvimento, compreendendo que a responsabilidade social, muito mais que uma poderosa ferramenta de gestão ou de fortalecimento de imagem, deve estar presente no “DNA” corporativo e ser, principalmente, uma vocação empresarial visando traduzir-se, acima de qualquer interesse, na fiel expressão de fazer deste país uma nação justa, com menos desigualdades e, sobretudo, mais solidária.

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