Cidadãos em prol do desenvolvimento

Por: Thaís Iannarelli
15 Abril 2013 - 19h43

Quando ganhei, senti que estava ganhando pelos tantos mil professores deste país e isso me deixou muito emocionada”

Desde 2005, líderes socioambientais empreendedores do Brasil ganharam um espaço importante para demonstrarem suas ações e serem premiados por isso. A iniciativa da Folha de S. Paulo, em parceria com a Fundação Schwab, é o principal concurso de empreendedorismo socioambiental da América Latina e um dos mais concorridos do mundo. O objetivo é premiar iniciativas que ocorram há pelo menos três anos e que sejam inovadoras, sustentáveis e com comprovado impacto socioambiental.
Como complementação a este reconhecimento, em 2009 foi criado o Prêmio Folha Empreendedor Social do Futuro, cuja meta é revelar empreendedores socioambientais inovadores em um dos momentos mais críticos de qualquer organização: o período de um a três anos de existência. Portanto, é preciso que a iniciativa empreendedora tenha sido efetiva na prática.
Em 2012, Cybele Oliveira foi a vencedora do Prêmio Empreendedor Social. Pedagoga, fundou o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa da Bahia e trabalha pela erradicação do analfabetismo. O Dr. Sergio Petrilli foi o vencedor “escolha do leitor” e está à frente do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), que oferece tratamento a crianças e adolescentes sem recursos financeiros. Por último, Fernando Botelho recebeu o Prêmio Folha Empreendedor Social do Futuro devido à criação de um software de baixo custo que possibilita o uso de computador pelos deficientes visuais.
Em entrevista à Revista Filantropia, os três vencedores contam um pouco de sua história e de seu desempenho na área social.

Revista Filantropia: Para você, olhando para trás, como foi superar as dificuldades de aprendizagem da infância?
Cybele Amado: Tive algumas dificuldades iniciais. Sempre brinco que desde criança eu já me rebelava contra uma forma de aprender tão homogênea e tão distante do sentido de aprender mesmo, porque a prática da alfabetização da minha infância não me ajudou neste processo. Então, a superação desta dificuldade tem a ver com o contexto como um todo. Na minha casa havia muitos livros e minha mãe é contadora de histórias. Íamos por outros caminhos para vencer as dificuldades que a escola não conseguia. A escola na época era tradicional e tinha uma proposta centrada em uma concepção única de alfabetização. Então, a superação deixou uma marca em mim. Até hoje, sei como uma criança se sente quando alguém diz que ela não vai aprender alguma coisa, pois eu sei que não é verdade.


RF: E hoje, atuando como educadora, como isso influenciou no seu trabalho?
CA: É muito interessante, porque quando fui assumir minha primeira atuação como professora na Chapada Diamantina, na Bahia, percebi que pelo contexto o professor não tinha exatamente formação para ser professor. Mas, o que ficou para mim, após lembrar do caderno todo riscado de vermelho na época de estudante, é que nada é impossível. Para mim não existe a impossibilidade.


RF: E como começou sua atuação na Chapada Diamantina?
CA: Cheguei aqui há 20 anos e o cenário era um horror. Aproximadamente 70% das crianças terminavam a primeira série sem ler nem escrever, isso sem contar o índice de evasão e reprovação. Tomei um susto, porque quando fui ensinar em uma escola rural, tinha 12 alunos na quinta série, depois 10 na sexta e ia diminuindo. O cenário então, sem condições... escolas acabadas, sem estrutura, não tinha nada.


RF: E hoje, o que mudou?
CA: Trabalhamos muito pensando em sair da sala de aula e ir para as políticas públicas. A primeira coisa que mudou em toda essa região de modo geral é a compreensão do que é a sala de aula. Hoje sabemos quem são os meninos e meninas que estudam, tanto pelo Censo nacional, que ajudou muito, como também pela região que começou a discutir o tema. Criou-se uma estrutura de secretaria municipal de Educação, assim como a organização do trabalho pedagógico na escola, e isso não existia antes, foi um avanço importante. Trabalhamos muito essa questão da gestão da aprendizagem, organização dos espaços, e isso foi uma mudança imensa. A gente ainda tem escolas que precisam de infraestrutura física, mas a dimensão pedagógica foi onde investimos mais e vemos uma mudança qualitativa e quantitativa também.


RF: E para você, como foi ganhar o Prêmio Empreendedor Social de 2012?
CA: Eu não achava que iria ganhar, já considerava um prêmio estar entre os empreendedores, sendo finalista ou não. Foi uma grande surpresa e fiquei muito feliz. Eu disse no momento de recebê-lo que nossa educação pública está numa grande crise, então ou profissionalizamos e damos melhores condições para quem trabalha, ou não. E muitos professores desistem da profissão no Brasil. Quando ganhei, senti que estava ganhando pelos tantos mil professores deste país e isso me deixou muito emocionada. Fora isso, também teve muita repercussão. É como uma pedra jogada na água, que faz ressoar os círculos em volta. É isto o que acontece neste momento. Abriu portas, canais, possibilidades e diálogos.

Dr. Sergio Petrilli

Sergio é um dos principais oncologistas pediátricos do país. Cofundador e mentor do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), baseou-se em um eficiente modelo de gestão e atendimento que envolve a Academia, a iniciativa privada e a sociedade em geral. Até 2011, o GRAACC ofereceu atendimento gratuito de alto padrão a 4.961 crianças e adolescentes de todo o Brasil, com índice de cura de 70%. Dr. Sergio também desenvolveu protocolos inovadores no tratamento
da doença.
www.graacc.org.br

 

Revista Filantropia: Como você se envolveu com a causa do câncer pediátrico?
Sergio Petrilli: Optei por fazer oncologia pediátrica há mais de 20 anos e, na época, víamos que as pessoas tinham pouca sobrevida. Também havia poucos lugares para aprender mais sobre o tema, e fui para Nova York com minha família, em 1978, onde tive a oportunidade de ver o tamanho da oncologia e tudo o que precisaríamos saber a respeito. Vi que havia mais chances de cura, coisas novas poderiam ser aplicadas. Resolvi voltar depois de um ano e, junto com o Hospital A.C. Camargo, trouxemos novidades e novos protocolos para o Brasil.
RF: E qual era a realidade que você percebia naquele momento?
SP: Percebíamos que os casos chegavam ao hospital muito avançados, e entendemos que seria bom ir a uma universidade para ensinar sobre diagnóstico precoce, novas possibilidades de cura. Então, fui trabalhar na Escola Paulista de Medicina e em 1990 fui contratado pela universidade. Também tive a experiência de passar um tempo em hospitais americanos, especialmente o Saint Jude, em Memphis, onde organizaram uma organização social que captava recursos na sociedade dos Estados Unidos para investir na construção de um grande hospital. Foi assim que conseguimos, com a participação do A.C. Camargo, da Escola Paulista de Medicina, amigos, voluntários, médicos e enfermeiros, captar recursos para criar o GRAACC. Sua finalidade no início era captar recursos para ajudar no serviço de oncologia da Escola Paulista, que era uma universidade pública. A partir daí, entramos no Mc Dia Feliz e fizemos a proposta de construir um hospital. Assim, em 1998, após muita mobilização, conseguimos a construção com o dinheiro que foi doado.
RF: E hoje, como funciona a gestão do GRAACC?
SP: A organização precisa ter um plano bem adequado relacionado à causa e ao uso do recurso, assim como transparência na prestação de contas. Também precisa ter condições de captar o recurso fazendo materiais, propostas, chegando ao doador com clareza, convidando-o a participar do projeto. Hoje, temos um prédio com 200 funcionários e lá temos o call center, especialistas em mala direta, comunicação, captação de recursos, ou seja, toda uma estrutura para manter o hospital. Por causa disso, podemos atender de portas abetas, o que faz com que 90% dos nossos pacientes sejam do SUS, e isso exige muito da nossa captação de recursos. Por isso, precisamos ter capacidade de ir buscar a doação. Hoje, certamente temos um número bem grande de pessoas que doam mensalmente ao GRAACC.
RF: E como você reagiu ao saber da escolha do leitor do Prêmio Empreendedor Social?
SP: Ficamos muito contentes. É bom saber que veículos de comunicação valorizam os empreendedores e entendo que seja importante valorizar iniciativas que trazem outras maneiras de fortalecer instituições, hospitais. Isso dá uma visibilidade muito grande para o projeto e incentiva outras pessoas a seguirem este tipo de caminho. Valorizo muito este prêmio para que consolidemos o Terceiro Setor no Brasil, que é uma arma muito poderosa para melhorar o atendimento dos menos favorecidos.

Fernando Botelho

Fernando Botelho sofreu de uma doença degenerativa que o levou à cegueira na adolescência, porém, sempre teve acesso a todos os equipamentos de ponta para estudar e graduar-se em Sociologia, nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, criou o F123, software livre que torna mais simples e acessível a inclusão digital, social e profissional de pessoas cegas ou com baixa visão. O programa equivale a 8% do preço do software para deficientes visuais mais vendido no mercado e beneficiou mais de 700 pessoas.
HTTP://f123.org

Revista Filantropia: Conte-nos um pouco sobre sua experiência e sobre como teve a ideia de criar o F123.
Fernando Botelho: Sou cego há mais e 20 anos. Perdi a visão com 16, fiquei com baixa visão, e depois fiquei cego. No começo nem sabia da existência das chamadas tecnologias assistivas, que são
softwares e hardwares especiais para que alguém com deficiência visual possa usar o computador. Mas fui privilegiado, porque meus pais puderam comprar as tecnologias de que eu precisava, e tive a chance de estudar nos Estados Unidos. Passei vários anos querendo fazer algo positivo para a sociedade. Trabalhei numa ONG em Nova York, nas Nações Unidas, em banco, mas nada parecia ser algo no qual eu estivesse de fato contribuindo por mim. Até que finalmente tive a ideia de fazer um software de baixo custo, porque o que ficou evidente é que havia muitas oportunidades profissionais para quem é cego, mas a pessoa não tinha acesso à educação, à formação necessária.
RF: E como esta ideia se concretizou?
FB: Conheci os softwares livres e outras estratégias que barateiam o acesso à informação de forma dramática. Foi isso o que nos entusiasmou, porque não fazia sentido abrir uma empresa convencional e vender um software 30% mais barato. Tinha de ser 10, 20, 50 vezes mais barato para ter um impacto social importante. Por isso, bolamos uma estratégia que atingisse esse nível de acessibilidade, no caso, financeira. E nosso objetivo não era o de vender tecnologia, e sim de prover educação e emprego. A tecnologia era apenas um canal para se chegar lá.
RF: E como é a atuação de vocês?
FB: Facilitamos a instalação das tecnologias de baixo custo, realizamos melhoras, facilitamos muitas coisas que normalmente não estão disponíveis. Outra coisa é a ajuda técnica e a criação de conteúdos de capacitação para que professores e instrutores de ONGs possam ter uma estrutura pronta para usarem nas suas aulas. No caso de quem está mais isolado, a pessoa pode até estudar sozinha. Isso porque se falarmos de tecnologia, nos esquecemos do lado humano, que é o que interessa. A questão é ajudar justamente quem não é tecnologicamente sofisticado. É a pessoa que quer ser professor de Matemática, geógrafo, ou o que quer que seja. Além de tudo, o F123 é uma solução completa e pode ser instalado diretamente no computador ou até em um pendrive, para aqueles que não possuem computador próprio, ou devem ir a um telecentro ou lan house. A realidade da maioria dos cegos em países em desenvolvimento é que eles não têm o luxo de ter um computador.
RF: E como o prêmio impactou seu trabalho?
FB: Afetou positivamente, porque nos deu grande visibilidade e credibilidade. Então, tem muitas organizações de todo o Brasil que já começaram a entrar em contato solicitando o software, querendo dar aulas de capacitação para quem ajudam localmente, voluntários querendo ajudar. É um processo lindo de se ver e não estamos mais sozinhos.

 

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