Quando pensamos em organizações que orientam o nosso cotidiano nos dias de hoje, é difícil imaginar como foi no passado, seja na iniciativa privada, no Estado ou até mesmo na Igreja. Atualmente, as orientadoras do nosso estilo de vida são as marcas. Isso é consequência de uma cultura implantada pela revolução industrial, em que o ato de consumir aproxima-se cada vez mais da expressão de ser no mundo e de nossa própria identidade no meio social. Com o crescimento financeiro das empresas, é um equívoco pensar que as marcas não tenham papel fundamental na resolução de questões socioambientais, que não venham a atingir a sociedade.
Felizmente, uma das vertentes da sustentabilidade é a abordagem voltada para traçar o futuro dessas marcas, construído de forma coletiva, com saber compartilhado e estudado em rede. Nesse cenário, uma marca passa pelo crivo de pelo menos quatro lentes: a econômica, a social, a cultural e a ambiental. Entretanto, é comum a sustentabilidade negligenciar outra lente muito importante: a estética. Não é possível tornar marcas, produtos ou ideias atraentes apenas pelo apelo ambiental, pelo discurso social ou pela lógica. Os consumidores são atraídos pelo subjetivo, pelos aspectos emocionais e, por isso, a marca necessita ser também sensorial, carregar significados, ser atrativa, além de agradar aos públicos aos quais se destina.
Agradar, no contexto sustentável, significa delinear uma estratégia inteligente de imagem da própria marca diante da sociedade. É tomar responsabilidade sobre o que se é e, mais do que isso, o que de fato representa. A partir disso, um processo de linguagem corporal se desencadeia na vida das marcas. Na incorporação da sustentabilidade à identidade das marcas, comunicar é importante, mas realizar é muito mais. Nesse aspecto, todos parecem estar fazendo a mesma coisa. O que torna o ambiente “ecochato”.
As marcas costumam seguir a agenda das consultorias de sustentabilidade, lançando produtos meramente verdes pautados em processos de engenharia e em número de redução de impacto. Não se dão conta se há, na sua própria identidade, oportunidades sustentáveis mais genuínas e atraentes a serem exploradas. O resultado dessa falta de cuidado é uma invasão de “ecomarcas” e de “ecoprodutos” idênticos, que fazem com que o consumidor deixe de acreditar no discurso de sustentabilidade que todos estão apregoando.
Ao tentar vestir a roupa sustentável, as marcas parecem fugir da sua linguagem corporal primeira. Uma coisa não encaixa na outra. É banco protegendo a Amazônia e detergente replantando floresta. Isso não faz sentido no coração do consumidor. As empresas fazem suas lições verdes sem nenhum critério, sem olhar para dentro. Isso só acontece porque a cultura da sustentabilidade nas corporações ganhou força a partir do que parece ser um acerto de contas entre elas e a sociedade, em um ambiente de total conflito de interesses. As empresas passaram a ouvir seus stakeholders (palavra traduzida nesse contexto como “partes interessadas”) de forma compulsória, fato que gerou uma cultura de prestação de contas, o que é desconfortável para quem não estava acostumado a fazer isso. Gerou-se, a partir daí, um clima de receio, apreensão e hostilidade desde o momento em que passou a existir o risco de serem identificados passivos ambientais e sociais que impactem os resultados ou que as obriguem a modificar as práticas nas operações.
Da fase de prestação de contas é que surgiu a prática da elaboração e publicação dos balanços sociais, renomeados, posteriormente, para relatórios socioambientais, evoluindo, hoje, para os relatórios de sustentabilidade. Concomitantemente, passaram a ser adotadas inúmeras “práticas verdes”, cuja intenção não é outra senão a de desviar a atenção para o que é a operação de verdade e qual é o impacto positivo potencial ali existente. Em termos de linguagem corporal, as marcas das empresas assemelham-se a adolescentes imaturos, reprimidos, sem o jogo de cintura necessário, aprendendo a adquirir a competência de prestar contas e a fazer coisas erradas.
É hora de amadurecer em vez de prestar contas. Ser proativo e criar valor, ou seja, substituir o comportamento impulsivo e, por vezes, imprudente de um jovem por atitudes adultas e maduras, experientes, devidamente sedimentadas, peculiares àqueles que têm consciência de que não sabem tudo, mas que, no entanto, sabem muito bem dar valor àquilo que têm de bom, na medida certa. Com tal postura, certamente, as empresas passarão a ter maior zelo em suas decisões, procurarão desenvolver um relacionamento mais próximo com seus consumidores, colaboradores, acionistas e com o próprio meio ambiente, uma vez que passarão a valorizar essas relações, atuando com a máxima transparência.
O resultado dessa mudança de atitude é que as organizações passarão a encontrar em si aquilo o que há de único na sua identidade, a fim de contribuir para a construção de um mundo mais sustentável. Espera-se, assim, que as marcas deixem de ser adolescentes, de desenvolverem “ecoprodutos” ou de engajarem-se em movimentos e campanhas sustentáveis somente porque “é a onda do momento”. Devem, isso sim, lançarem-se a esse caminho por possuírem – ou desenvolverem –, na sua essência, um propósito de existir em benefício das pessoas que a elas estão relacionadas, direta ou indiretamente. Certamente, esse tipo de atitude abrirá novos rumos, mais seguros e críveis, para a construção genuína das marcas na pauta socioambiental.
Dessa maneira, as marcas devem se reposicionar nesse novo paradigma de negócios, que necessita gerar valor à sociedade, às empresas e ao planeta. Sem buscar a competição. Contudo, é importante que se diga que, nesse contexto, a cooperação é a forma mais coerente de se trabalhar. Ter a noção exata de que ser é mais importante do que ter e parecer. Preferir experiências de sustentabilidade mais duradouras a picos de sucesso. Relacionar-se com as pessoas, buscar o que é verdadeiramente necessário a elas, o que nem sempre significa apelar para altas tecnologias. Querer conquistar pela igualdade e pelo diálogo, sem estabelecer hierarquias e mais diferenças sociais. E, finalmente, assumir uma postura de marca que busque respeitar a sociedade e impactar positivamente o mundo.
Para tanto, a criatividade é ferramenta fundamental. Ela se dá justamente no instante em que atingimos uma liberdade maior no ato de pensar e de decidir. Tal qual ocorreu na época do movimento renascentista, este é um momento muito rico da história, em que, criativamente, diversas áreas do conhecimento se unem para solucionar problemas de forma transdisciplinar, designando uma nova onda criativa em que os valores são os humanos, em contraposição ao “fordismo” (modelo de produção em massa idealizado por Henry Ford, que vigorou durante os anos de 1930 a 1970), em que as atenções eram direcionadas ao utilitário, quando os carros eram produzidos apenas para o transporte.
Na produção criativa, as energias serão voltadas para o intangível, isto é, à forma como a sociedade se relaciona entre si, com os produtos e com o mundo. Ela reverá como lidamos com o que existe ao nosso redor. Se, no fordismo, as atenções eram voltadas para a produção do veículo, agora se voltam para a sua reinvenção, uma vez que seu uso passa a ser questionado. Os produtos em si não estão em questão. Ninguém vai deixar de usar veículos. A questão é como nos relacionamos com eles, quais deles escolheremos e de que forma iremos utilizá-los. As marcas, representantes desses produtos, endereçarão as nossas escolhas à medida que a sustentabilidade vai se tornando o único caminho possível. Isso é ecorrelação de marca.
A criatividade a serviço do ecorrelacionamento das marcas é o próximo passo para se fazerem vitais no mercado, desempenhando um papel social na sua essência, de maneira engajada e comprometida, para, dessa forma, se tornarem realmente indispensáveis.