Ponto de transformação: o matriarcalismo do filme Avatar

Por: Joana Mao
01 Março 2010 - 00h00

Desde antes do Império Romano, o homem tem a tendência de pegar o que deseja, sem pedir ou perguntar. Por conta disso, grande parte da história da raça humana foi construída com sangue. O exemplo mais emblemático talvez seja a forma como os europeus tomaram as Américas e marginalizaram a população indígena nos séculos 16 e 17. Este é um dos motes do filme Avatar, produção em 3D do diretor James Cameron, que levou quase uma década para ser criado e consumiu cerca de US$ 500 milhões. Após acumular recordes de bilheteria e se tornar o maior sucesso da indústria cinematográfica global, o filme ganhou, igualmente, o status de maior bilheteria da história do país.

Percebe-se no filme uma clara conexão com eventos recentes e há até uma tentativa consciente de evocar a iconografia da era do Vietnã. A intenção de Cameron é nitidamente formular uma tendência que se mantém ao longo da História. Mas a tendência é evocada muito além de eventos contemporâneos. O fato é que tudo o que cerca Avatar é superlativo. Trata-se, indiscutivelmente, de uma verdadeira obra-prima, que inaugura nova forma de arte e cria nova forma de poesia, como bem definiu o cineasta, crítico e escritor Arnaldo Jabor.

O filme narra, em linguagem poética, a história da relação entre seres humanos e extraterrestres da fictícia lua Pandora, propondo uma civilização que vive em rede, em teia, e melhor, que é consciente disso. A produção nos desperta para as nossas próprias lembranças. Não que sejam propriamente lembranças, mas para nós estão lá como se fossem. Na verdade, não há necessidade de saber, apenas de sentir. Ao assistir o filme, nos lembramos… em seguida, “deslembramos”.

Pandora, habitada pelos Na’Vi – a raça inteligente nativa, organizada em uma sociedade que parece um amálgama de todas as grandes civilizações indígenas da Terra – é o cenário onde se trava uma luta entre nós e eles. Nós, diga-se de passagem, bem estereotipado. Um retrato banal da exploração do petróleo, do carvão mineral, dos minérios e de outras “preciosidades” do mundo capitalista que justificam ecossistemas inseguros para os indivíduos, como os de hoje. Tanto que, com poucos minutos de exibição, o espectador acaba se identificando mais com os Na’Vi do que com o “nós”. Como se os avatares representassem a nossa própria consciência e, nela, o que resta da memória coletiva de uma sociedade que é esperada por todos, individualmente. A história representa o lugar de onde viemos. Ali nos identificamos não com os primitivos Na’Vi, mas com o primordial que carregam no seu modo de ser e de conviver – um ideal de convívio e de relacionamento com o meio.

Um dos contextos mais importantes da construção do filme para esse despertar é a presença feminina na sociedade Na’Vi, diferente da sociedade capitalista de hoje, que é fruto tão somente do domínio patriarcal e, consequentemente, antissensorial e repressor. Em seu livro A teia da vida, o físico Fritjof Capra afirma que os ecofeministas veem a dominação patriarcal de mulheres por homens como o protótipo de todas as formas de dominação e exploração: hierárquica, militarista, capitalista e industrialista. Eles mostram que a exploração da natureza em particular tem marchado de mãos dadas com a das mulheres. Essa antiga associação entre mulher e natureza é a fonte de um parentesco natural entre feminismo e ecologia.

Pensar sustentabilidade é pensar a partir de uma racionalidade matriarcal, e portanto sensorial e não-repressora. Os Na’Vi provavelmente foram inspirados nos drávidas, povo que viveu no noroeste da Índia, hoje Paquistão, há mais de 5 mil anos. Os dravidianos, como também são conhecidos, desenvolveram uma cultura fantástica. Para se ter uma dimensão, a cidade de Mohenjo-Daro era habitada por 40 mil pessoas. As ruas eram planejadas, formando quarteirões em ângulo reto. Havia sanitários dentro das residências com água corrente. Os esgotos eram cobertos e dominavam a irrigação de lavouras.

Os drávidas desenvolveram três filosofias distintas, porém complementares: o Sámkhya, o Yôga e o Tantra. O Sámkhya era uma filosofia especulativa. Tentava explicar a origem, o destino da vida e o universo sem conceber um criador, embora não negasse a presença de Deus. O Yôga é uma filosofia prática que não se explica, não se justifica. Pratique determinada técnica e terá determinado resultado. Caso se execute a técnica e não se obtiver o resultado previsto, deve ter feito algo errado. Já o Tantra é uma filosofia comportamental. Explica como o homem se relaciona consigo mesmo, com os outros seres humanos, com os animais e com a natureza.

Segundo o The Concise Sanskrit-English Dictionary, Vasudeo Govind Apte, o Tantra é traduzido pela maneira correta de fazer qualquer coisa, autoridade, prosperidade, riqueza, encordoamento (de um instrumento musical). A expressão pode ser analisada sob diferentes pontos de vista, como a trama do tecido ou a teia. Numa abordagem de caráter mais filosófico, o Tantra é ainda dividido em duas partes, onde a raiz “tan” nos dá a ideia de sabedoria, e “tra” (instrumento, mecanismo), uma noção de espalhar ou de salvar. Assim, Tantra é definido como “aquilo que difunde a sabedoria”.

Assim como representado no filme, o que mais caracteriza a cultura tântrica é a relevância da mulher no contexto social. Por força do matriarcalismo, evidenciam-se ainda outras duas características: a sensorialidade e a “desrepressão”. No contexto do hinduísmo, as divindades femininas representam a forma mitológica e simbólica daquela sociedade primitiva. A mulher é vista como a mãe divina, a Terra, aquela que gera, nutre e protege. A sensorialidade é tão desenvolvida que a conexão representada na relação do povo com Eywa, com o mundo, para os Na’Vi, não se perdeu. Acessam as informações ancestrais com respeito, a partir do próprio corpo, ao contrário dos humanos que, hoje, parecem querer distância das heranças culturais de seus antepassados. Tratando-se de sustentabilidade, é nessa reconexão que reside o ponto de transformação socioambiental, mais uma vez, as ecorrelações, numa análise mais sutil do que aquela abordada na edição passada, nesta mesma sessão.

A reconexão será ponto de transformação, desde que feita pelo comportamento matriarcal. Como no filme, a mulher ocuparia lugar de destaque e, sob sua liderança, a sociedade tenderia a ser mais amorosa, o que resultaria na valorização da sensibilidade. Sendo mais sensíveis, as pessoas se tornariam mais atentas a si próprias e ao mundo ao seu redor, e sustentabilidade não seria mais um enigma, mas uma consequência. As sociedades matriarcais são pacíficas e usam a sensorialidade em suas relações entre si e com o meio. Sem a premissa cristã e patriarcal da culpa e do pecado, há liberdade para expressar quaisquer necessidades artísticas, devocionais e intelectuais, sem restrições impostas pela cultura repressora e castradora, o que resulta em equilíbrio, qualidade de vida, saúde psíquica e física. Nessa estrutura, os homens são livres e expansivos. Os valores femininos, como o amor, o afeto, as relações humanas verdadeiras, o contato com a natureza e a vida, predominariam.

Capra sugere também que, para que um novo paradigma ecológico emergente seja implantado, será necessária uma mudança não apenas nas nossas percepções e na maneira de pensar, mas também nos valores, como a substituição da expansão, da competição, da quantidade e da dominação por valores como conservação, cooperação, qualidade e parceria.

Curiosamente, autores e autoridades de outras áreas, tal qual pensava o intelectual Peter Drucker, consideram que uma das mais importantes mudanças no mundo dos negócios é a transição da glorificação do esforço individual para a valorização da parceria e da colaboração. Drucker defendia a ideia de que as organizações vencedoras não serão aquelas com um maior número de cérebros brilhantes, mas as que conseguirem fazer uma força coletiva com esses mesmos cérebros. Eis a proposta tântrica de rede, teia, trama do tecido. Um imenso tecido social, no qual cada um pode estar conscientemente envolvido e, principalmente, ativo.

 

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