Venho contar em prosa alguns episódios recentes que confirmam ainda mais o poder transformador do protagonismo social, que une pessoas e fortalece o respeito à diversidade e o exercício coletivo da cidadania, a partir do indispensável desenvolvimento pessoal. Para contar a ópera vivida pelo Canto Cidadão – organização na qual atuo como gestor – em três locais distintos do país, quero antes mencionar outras três obras que fizeram história.
Em 1978 o Brasil se reencontrava aos poucos com a liberdade de expressão; vivia-se um clima de abertura e anistia. Foi naquele momento histórico que Chico Buarque desenvolveu a trama Ópera do Malandro, que conta a trajetória de decadência da malandragem carioca da Lapa nos anos 40. A obra foi inspirada em duas outras, Ópera dos Mendigos (John Gay, 1728) e Ópera dos Três Vinténs (Bertolt Brecht e Kurt Weill, 1928). Nas três, vêm à tona assuntos de interesse social. Assim como nas seguintes histórias, todas visceralmente conectadas.
Além da Madeira-Mamoré
A minissérie televisiva acabou no início do ano. Na verdade, a própria ferrovia Madeira-Mamoré também quase acabou, diferente da vontade de fazer a diferença que encontramos na visita a um hospital filantrópico nos arredores de Porto Velho (RO). Trata-se de uma unidade de saúde ligada à obra assistencial das Irmãs Marcelinas e que há mais de 50 anos atende um público bastante especial, os hansenianos. O início do trabalho do atual Hospital Marcelo Candia foi como um leprosário, termo utilizado durante muito tempo para definir o local para onde seguiam as pessoas que tinham lepra (hanseníase). Elas eram praticamente arrancadas do seu convívio social e levadas para lá, distante quase 20 km da cidade.
Foram precisos anos e anos de sensibilização e exemplo para que a sociedade voltasse a se aproximar e participar mais do dia-a-dia das pessoas internadas. Atualmente, o voluntariado dá sinais de fortalecimento na instituição, trazendo cidadãos para o convívio e relacionamento dos pacientes. Ademais, pacientes hansenianos trabalham atendendo outros pacientes, não necessariamente com a mesma doença.
Primeiro ato da ópera: Diversidade saudável se faz com respeito ao ser humano, algo que vai além da saúde ou da doença, para não se falar em gênero, raça, opções individuais e outras formas de diversidade.
Salão de beleza para fora e para dentro
A expedição seguiu para Cuiabá (MT). Lá pude sentir o sabor de um fruto muito especial, aquele que nasce em uma árvore que ajudamos a plantar. Chegamos a uma ação social organizada pelo Canto Cidadão há poucos meses, com a participação de colaboradores da Gol Linhas Aéreas. Naquela ocasião, visitamos o Asilo Dona Bebe, para uma tarde de embelezamento do corpo das senhoras e dos senhores e para troca de histórias e carinhos na alma. Após o evento, ficou nítida a satisfação dos voluntários, que em sua maioria faziam uma ação social pela primeira vez. Em mim, ficou a esperança de que aquele tinha sido apenas o primeiro passo.
Pois bem, o fruto a que me referi foi a informação de que, após aquele evento, os mesmos colaboradores da empresa adotaram a organização social e passaram a desenvolver outras ações para contribuir com a melhoria da qualidade de vida dos idosos internados, pois identificaram o potencial transformador do voluntariado e engajamento para si mesmos e para o coletivo.
Segundo ato da ópera: Diversidade saudável se faz com informação e exemplo, que impulsionam grupos no sentido da construção de um caminho próprio.
Na rota do descobrimento
A terceira parada se deu no sul da Bahia, especificamente em Porto Seguro e Eunápolis, onde os Doutores Cidadãos, voluntários do Canto Cidadão que atuam com palhaços em ambiente hospitalar, fizeram palestras para profissionais da saúde e visitaram hospitais públicos. O resultado foi imediato. Os participantes se identificaram com a linguagem bem humorada e entusiasmada dos visitantes e perceberam que é possível aliar competência técnica (caixa de ferramentas) com inteligência emocional (caixa de brinquedos) para construir relações interpessoais mais saudáveis em sua diversidade.
Terceiro ato da ópera: A crença no potencial do entusiasmo – a partir da identificação do valor da missão – é capaz de melhorar substancialmente a convivência entre pessoas diferentes e muitas vezes divergentes.
Uma obra para todos os palcos
A Ópera da Diversidade, humildemente apresentada em breves atos, deixa clara a possibilidade de melhoria de diversos tipos de ambientes, a partir da sensibilização e orientação dos seus atores, primordialmente conquistadas a partir do reconhecimento do outro como potencial parceiro na transformação individual e equilíbrio social.