O Calvário E As Saídas Do Administrador Do Ente Social

Por: Marcos Biasioli
18 Abril 2017 - 00h00

A o empreender uma obra social, tirando-a do plano romântico para o real, o primeiro – e primordial – requisito para a sua personificação de direito é eleger para ela o administrador, sendo este o próprio instituidor, o voluntário ou o profissional. Contudo, sem ele, gera-se uma espécie de infanticídio, ou seja, mata-se a obra antes mesmo de ela nascer.

Como todo nascituro, a obra, em seu despertar, é refém de quem lhe gestou, isto é, de quem o idealizou e o administra. Daí já se enraíza a obstinação pelo cumprimento da missão, mirando um horizonte de perenidade sustentável da iniciativa.

Relevando que, no empreendimento social, o homem é apenas um ator coadjuvante, pois as mãos invisíveis de Deus operam com virulência e fazem com que a obra cresça, o idealizador- administrador logo se depara com um conflito na administração de seu tempo, pois aquela "horinha" que ele dedicava ao projeto passou a ser um "período" e, depois, transformou-se em longas "jornadas", que provocam, sem sombra de dúvida, uma euforia sem métrica, cuja energia brota eloquentemente sem pedir passagem.

No entanto, aí começa o calvário do administrador, pois a vida é tão rica e o homem é tão pobre, que não consegue vivê-la em sua plenitude, uma vez que se sente um eterno ladrão, que rouba tempo da família para o trabalho e do trabalho para a família, sendo que o terceiro ator, tido como empreendimento social, já "chega chegando", arrebatando uma fatia do tempo do pobre homem.

O conflito se torna realidade: família, trabalho, obra social, cuidados com a saúde, trânsito, WhatsApp, o time de futebol preferido, o cachorro... Todos passam a disputar um espaço na minúscula agenda do administrador!

Nesse compasso, a obra começa a encontrar caminhos perniciosos, pois precisa do seu idealizador, dado que o trabalho não é mais de criança e, sim, de "gente grande". Porém, ele começa a sentir que está perdendo a mão e depara-se com uma grande dúvida:

 

  • Passar a administração?
  • Assumir, de fato, a gestão?
  • Tornar híbrida a sua atuação?

 

Passar a administração implica na busca de um verdadeiro administrador, alguém para assumir os ônus do múnus, contudo, sem garantias de resultados e da perenidade da iniciativa. Assim, ecoa um vazio, como: "agora que eu erigi obra, dela vou me divorciar?". Fica, então, um grande hiato: o que fazer nessa caminhada?

Assumir, de fato, a gestão passa a ser, então, uma alternativa palatável, mas a decisão implica em renunciar o trabalho ordinário e cobrar da obra uma remuneração, afinal "dois pobres não se sustentam". Porém, como transmitir tal anseio aos pares da idealização, ao mercado, aos órgãos públicos e até mesmo aos amigos contribuintes, sem que haja suscitação acerca da lisura do ímpeto primário do empreendimento social, que era movido tão somente pelo romance inicial?

Não é raro, então, para não dizer que ocorre com a maioria dos casos, o idealizador trilhar por outro caminho, qual seja, o híbrido, isto é, ele continua vinculado ao órgão diretivo, porém delega o operacional, e nas "horinhas" vagas se dedica aos pilares do negócio social.

Qualquer que seja a escolha, o calvário está formado. Então, é preciso coragem e desapego para se livrar dele. Mudar de lado é uma boa ideia, qual seja, trocar a figura de pai para se tornar filho, assumindo um papel de mero colaborador, até mesmo como remido, se isto lhe massagear o ego, porém não ostensivo, pois tudo tem prazo de validade, inclusive o administrador.

Nessa árdua caminhada, o que pode contribuir com a decisão é a atitude objetiva do idealizador-administrador, ou seja, se for para assumir de fato e de direito a administração da obra, que o faça sem receio de macular a origem, parametrize com o órgão colegiado uma justa remuneração, ora permitida pela legislação social, pois ninguém melhor do que o pai para saber as necessidades do filho. Governança em uma mão, evangelho na outra, e o céu é o limite!

No entanto, se apenas a paixão é que lhe move, desapegue, busque a alforria, saia inclusive do board e fique de camarote como benemérito, auxiliando a busca da perenidade da sua iniciativa, o que o protegerá da sapiente responsabilidade objetiva.

Agora, se a ideia for aquela de natureza híbrida, ou seja, "dirijo, mas não administro", liberte-se agora dela, pois é uma tremenda fria, dado que seu nome, sua moral, sua idoneidade, sua imagem, sem falar no seu casamento, estão sob risco. Alerta vermelho!

Vejamos o motivo.

A velha máxima legal (vide artigo 1.011 do Código Civil) traduz a seguinte interpretação:

o administrador que, no exercício de suas funções, não tiver o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios, estará sujeito a responder por qualquer ato que implique em desvio de conduta, ainda que indiretamente.

A omissão também tem sido a maior vilã da responsabilização, como pode ser visto no recente entendimento havido pelo Superior Tribunal de Justiça:

[...] Como ex-diretor presidente, tinha o dever de se preocupar com a legalidade dos procedimentos realizados, bem como pautar suas ações nos estritos limites da lei a fim de não só evitar quaisquer prejuízos à empresa, como também pautar pela licitude dos atos da pessoa jurídica que representava. Assim, como administrador principal da companhia, tinha por obrigação implementar e fomentar boas práticas de governança corporativa, utilizando-se, para isso, de parâmetros/instrumentos legais e morais com vistas a aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade, o que passa ao largo da hipótese ora em foco, na qual constatada a inadequação de procedimentos aptos a ensejar prejuízos à companhia [...].1

A leitura que se faz deste precedente é que o dirigente, ainda que não administre de fato o empreendimento, responde em primeiro lugar pelos ônus da eventual tergiversação da administração, sendo meramente coadjuvantes os demais pupilos eleitos para efetivamente gerir o negócio social.

Diante de tal contexto, não dá para tirar o verniz da coragem do gestor, muito menos o valor espiritual de sua saga, porém, nunca é tarde lembrar que temos a visão e a inteligência para escolher o caminho adequado para os nossos empreendimentos, de modo que saiamos da rota do calvário, pois dele somente um "ser" saiu depois de morto, Jesus.

1REsp 1475706 SP 2013/0029904-5.

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