Os efeitos da nova lei do certificado de entidade beneficente de assistência social para as entidades do Terceiro Setorr

Por: Cláudio Stucchi
03 Novembro 2022 - 00h00

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Com o advento da Lei Complementar (LC) nº 187, de 16 de dezembro de 2021, o Congresso Nacional preenche uma lacuna parlamentar histórica que existia desde a Carta Magna de 1988. Faltava uma lei complementar para regular os requisitos para a fruição da imunidade tributária em relação às contribuições sociais (art. 195, § 7º, da Constituição da República), em favor das Organizações da Sociedade Civil (OSC) que atuam no âmbito do terceiro setor (assistência social, educação e saúde).

Com a novel legislação, encerrou-se aquela velha e cansativa retórica de tratamento da imunidade do art. 195, § 7º, da Carta Magna, equivocadamente ressaltada como isenção. Agora ficou bem definido que se trata mesmo de imunidade tributária! E o art. 4º da LC 187/2021 faz consignar que a imunidade das entidades do terceiro setor alberga a cota patronal da contribuição previdenciária, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), contribuições sociais sobre a receita de concursos de prognósticos e sobre as importações de bens e serviços do exterior, bem como o Programa de Integração Social (PIS) sobre a folha de pagamento.

Nesse contexto, entendemos, salvo melhor juízo, que as entidades beneficentes de assistência social que são alvo de cobranças administrativas fiscais (Processo Administrativo Fiscal — PAF) promovidas pela Receita Federal do Brasil (RFB), que firmaram parcelamentos fiscais (Programa de Recuperação Fiscal — REFIS) ou que estão inscritas na Dívida Ativa da Fazenda Nacional ou, ainda, respondem por execuções fiscais, devem procurar assessoria jurídica especializada para invocar a novel legislação e peticionar pela extinção de tais cobranças e execuções!

Vale destacar que a Lei nº 12.101/2009, que tratava dos procedimentos de concessão e de renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) de interesse das entidades do terceiro setor, foi revogada pela LC 187/2021. Lembrando que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em fevereiro de 2021, pela inconstitucionalidade de diversos artigos da Lei nº 12.101/2009 (lei ordinária). Um motivo especial foi determinante para essa decisão: segundo o STF, somente LC possui legitimidade constitucional para regular os requisitos para a fruição da imunidade tributária, conforme dispõe o art. 146, inciso II, da Carta da República (limitação ao poder de tributar da União, em relação às entidades beneficentes).

O art. 2º da LC 187/2021 define claramente que é considerada “entidade beneficente” a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que presta serviço nas áreas de assistência social, de saúde e de educação, exigindo no entanto uma condicionante indispensável: desde que devidamente certificadas nos moldes da referida LC.

Na perspectiva do art. 2º está expressamente claro que o CEBAS, antes configurado na Lei nº 12.101/2009 como mero instrumento formal fiscalizatório de natureza declaratória, constitui-se agora em condição obrigatória e imprescindível para a fruição da imunidade tributária das contribuições à seguridade social, em relação às entidades do terceiro setor. Em outras palavras, a certificação filantrópica federal é requisito indispensável para o reconhecimento da “beneficência” da OSC e por parte da Receita Federal e “passaporte” formal para o aproveitamento fiscal das benesses da imunidade tributária lastreada na Constituição Federal de 1988 (art. 195, § 7º).

No que diz respeito às OSC que atuam na área da assistência social (seara principal de nossos estudos e atuação jurídica), além da certificação do CEBAS concedida ou renovada pelo Ministério da Cidadania, cabe ressaltar que as elas deverão cumulativamente comprovar o cumprimento dos requisitos mencionados no art. 3º da LC 187/2021, em todos os seus incisos. São praticamente as mesmas contrapartidas exigidas até então pela Lei nº 12.101/2009 ora revogada, também exigidas pela Lei nº 13.019/2014 (Marco Regulatório das OSC — MROSC) e pelos arts. 9º e 14 do Código Tributário Nacional (CTN).

As OSC que atuam na área da assistência social (política pública setorial — no âmbito da Rede do Sistema Único de Assistência Social — SUAS) devem se atentar ao requisito especial disposto no art. 31 da LC 187/2021: ter objetivos e público-alvo compatíveis com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS); observar o princípio da gratuidade na oferta dos serviços aos usuários que dele dependem e necessitam (art. 1º da LOAS); atender ao princípio da universalidade do atendimento (art. 4º e incisos, da LOAS), bem como às resoluções estabelecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social — CNAS (art. 3º, § 1º, da LOAS).

No tocante às Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI filantrópicas), é bom lembrar que elas possuem direito ao exercício da exceção ao princípio da gratuidade. Por essa razão as ILPI podem continuar recebendo as contribuições mensais das pessoas idosas abrigadas, no limite legal de 70% da renda dos usuários residentes (art. 35, § 2º, Estatuto do Idoso). Tal prerrogativa extraordinária consta expressamente na LC 187/2021, em seu art. 29, parágrafo único.

Merece destaque a redação do art. 30 da LC 187/2021, que estabelece a possibilidade de as OSC desenvolverem atividades que gerem recursos, por meio de filiais, com ou sem cessão de mão de obra, desde que as receitas provenientes dessas atividades sejam lançadas de forma segregada em sua contabilidade e destacadas em suas notas explicativas. Convém pontuar que esse dispositivo traz agora maior segurança jurídica para as entidades do terceiro setor planejarem e concretizarem projetos de negócios em áreas mercantis diversas.

No que tange à área de atuação da OSC, chama a atenção o disposto no § 1º do art. 35 da LC 187/2021. Foi adicionado mais um fator de referência para a apuração da área de atuação preponderante da entidade beneficente: o fator “custo”. Agora a novel legislação apresenta de modo explícito os fatores “custos” e “despesas”, facilitando o papel dos contadores responsáveis e dos agentes fiscalizadores.

Surgiu agora uma importante conquista para as entidades do terceiro setor, influenciada diretamente pela súmula vinculante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nº 612, de 9 de maio de 2018: “Súmula 612-STJ: O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade.” Esse comando jurídico significa que, embora a vigência formal da concessão da certificação seja a data de publicação da portaria de concessão do CEBAS, os efeitos tributários e fiscais dessa concessão retroagem e são considerados e reconhecidos na data do protocolo do requerimento efetuado na plataforma digital de cidadania.

A nova legislação trouxe mais vantagens para as OSC nos casos de indeferimento do pedido de concessão ou de renovação do CEBAS. Havendo a interposição de recurso administrativo, o Ministério da Cidadania apreciará e tomará uma decisão. Se não houver a reconsideração, o recurso será encaminhado ao Ministro da Cidadania. E, nesse caso, será aberto prazo de mais 30 dias para que a OSC apresente novas considerações e arrazoado e providencie a juntada de novos documentos.

Outra novidade bem interessante está inserida no art. 41 da LC 187/2021: a partir da data da publicação da LC 187/2021 (Diário Oficial da União, edição de 17 de dezembro de 2021), são considerados extintos os créditos decorrentes de contribuições sociais lançados em desfavor de entidades sem fins lucrativos que atuam nas áreas da assistência social, educação ou de saúde, expressamente motivados por decisões derivadas de processos administrativos ou judiciais com base em dispositivos da lei ordinária anterior do CEBAS (Lei nº 12.101/2009), declarada inconstitucional pelo STF, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 2.028 e 4.480 e correlatas. O referido dispositivo favorece as OSC que foram alvo de lançamentos fiscais em virtude do não atendimento aos requisitos contidos na Lei nº 12.101/2009. Consideramos que essa verdadeira remissão fiscal legislativa representa importante conquista para as entidades do terceiro setor.

Com relação aos requerimentos eletrônicos de concessão ou de renovação do CEBAS, apresentados antes da publicação da LC 187/2021 e que se encontram pendentes para análise e decisão no Ministério da Cidadania, aplicam-se as regras da Lei nº 12.101/2009. Tal expediente está em plena conformidade com o princípio da irretroatividade tributária: a lei deve abranger fatos geradores posteriores à sua edição, ou seja, não pode retroceder para abarcar situações pretéritas. Desse modo, será aplicada a lei vigente no momento do fato gerador.

Convém assinalar que os Ministérios Certificadores (Cidadania, Educação e Saúde) ganharam autonomia plena e legitimidade jurídica com a novel legislação para exerceram atos de fiscalização sobre as entidades do terceiro setor no que diz respeito ao cumprimento de todas as regras de certificação filantrópica. Com essa garantia legal, cada Ministério poderá demandar supervisão e também acolher representações das autoridades elencadas e legitimadas no § 1º do art. 38 da LC 187/2021. O Ministério Público está consignado no referido dispositivo e com certeza atuará com rigor. Cabe então um alerta para as OSC e ILPI para que revejam sua governança institucional!

Efeitos práticos e imediatos para as OSC e ILPI:

• Revisão dos centros de custos (lançamentos contábeis);

• revisão do plano de contas (rubricas contábeis);

• sintonia estreita entre os controles internos financeiros e a contabilidade;

• implantação de programa de compliance (conformidades e integridade) e de governança institucional;

• revisão jurídica dos contratos de prestação de serviços à pessoa idosa abrigada;

• reforma do estatuto social;

• reforma do regimento interno;

• implantação do regulamento interno de Recursos Humanos;

• oferta de capacitações e treinamento para os funcionários da gestão administrativa, gestão financeira e coordenação;

• oferta de capacitações e treinamento para os membros do Conselho Fiscal;

• manutenção de estreita relação institucional com os demais atores da Rede SUAS local.

Cabe salientar que a LC 187/2021 necessita de um decreto regulamentador, e provavelmente os Ministérios Certificadores emitirão resoluções para os detalhamentos dos ritos e procedimentos da certificação filantrópica federal (CEBAS).

Dada a relevância do tema abordado neste artigo, recomendamos especial atenção das diretorias das entidades beneficentes de assistência social em suas respectivas gestões administrativas, financeiras e documentais, a fim de que consigam cumprir todos os requisitos formais e legais exigidos pela LC 187/2021 e demais normativas específicas do segmento.

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