LGPD e a necessidade de regulamentação específica para o Terceiro Setor

Por: Renata Lima, Carlos Salgado
02 Setembro 2021 - 00h00

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A Lei nº 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, ou simplesmente LGPD, dispõe sobre o tratamento de dados pessoais em âmbito nacional e tem como objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo, garantindo aos cidadãos mecanismos contra violações à sua privacidade e o uso indevido de dados, por meio de um maior controle, tendo a transparência e o consentimento como seus princípios norteadores.

A LGPD se aplica a todos aqueles que realizam tratamento de dados pessoais, sejam eles entes públicos, privados, ou instituições sem fins lucrativos, como as associações e fundações – entidades privadas que geralmente atuam em parceria com o Estado na viabilização de atividades e serviços de interesse coletivo.

Apesar de a LGPD possuir um alcance geral, sendo aplicada a todas as empresas e instituições, independentemente do porte, tamanho, número de funcionários ou dos resultados financeiros, a norma dispõe que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) – órgão responsável por fiscalizar e garantir o cumprimento da norma – tem como uma de suas competências a edição de normas, orientações e procedimentos simplificados e diferenciados, inclusive quanto aos prazos, para que microempresas e empresas de pequeno porte, bem como iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem startups ou empresas de inovação (art. 55J, inciso XVIII), podendo ainda dispor de forma diferenciada acerca dos prazos previstos, para os setores específicos (art. 19, § 4°).

O art. 50 da LGPD possibilita a articulação entre controladores e operadores, de forma individual ou por meio de associações, para formulação de regras específicas e de boas práticas de governança, que considerem as condições da instituição, sua estrutura e seu regime de funcionamento, criando obrigações específicas e levando em conta a especificidade no tratamento de dados realizados.

Nesse sentido, a ANPD iniciou em 29 de janeiro, um dia após o Dia Internacional da Proteção de Dados, uma tomada de subsídios para a regulamentação da aplicação da LGPD para microempresas, empresas de pequeno porte, bem como iniciativas empresariais de caráter incremental e disruptivo que se autodeclarem startups, ou empresa de inovação ou pessoas físicas que tratam dados para fins econômicos.

A iniciativa da regulamentação faz parte da Agenda Relatoria 2021-2022 da ANPD, que enumerou, nesse período de dois anos, quais são os principais temas que serão discutidos, alvo de consultas públicas, de tomadas de subsídios para poder auxiliá-la nessa interpretação da lei e nas práticas educacionais.

Ao promover a consulta, se limitando às entidades descritas no inciso XVIII do art. 55J, a ANPD deixa de considerar outro importante setor da sociedade: o Terceiro Setor, composto por entidades privadas sem fins lucrativos, como associações e fundações, que, tanto quanto as microempresas e empresas de pequeno porte e as iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem startups ou empresas de inovação, também necessita de um tratamento diferenciado, para proceder com a conformidade com a LGPD e cumprir todas as exigências relativas à proteção dos dados pessoais, considerando seu caráter social, humanitário e garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

O Terceiro Setor é composto ainda por organizações da sociedade civil (OSCs), que atendem à população por meio de parceiras com o poder público para a execução de atividades de interesse coletivo em diversas áreas, como saúde, educação, assistência social, cultura, meio ambiente, esporte e pesquisa científica.

A maioria de suas relações com o poder público é regulada pela Lei nº 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que estabelece expressamente nos termos de colaboração, fomento, parcerias e convênios, como e quais valores repassados pelo poder público podem ser gastos, sempre vinculados a alguma atividade específica e a uma rubrica.

A atuação das OSCs está diretamente ligada ao bem da sociedade e à garantia dos direitos fundamentais, tais como acesso à saúde, educação, lazer e cultura, e é classificada como serviço público e atividade essencial, os quais são indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade que, ao contrário, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

As parcerias firmadas entre as OSCs e o poder público estabelecem mecanismos para verificação do cumprimento das metas originalmente pactuadas e vinculam os acordos antes da assinatura do termo que deu origem à relação contratual entre as partes aos gastos efetivamente realizados ao fim do contrato.

Todos os recursos do Terceiro Setor são vinculados à execução de um projeto e a uma atividade específica, não havendo nos contratos estabelecidos com o poder público grandes margens para negociação ou realocação dessas verbas, havendo responsabilidade do gestor da OSC em caso de utilização diferente para a qual foi pactuada.

Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, ao tratar do tema no “Manual Básico – Repasses Públicos ao Terceiro Setor”, considera que o valor do repasse só pode contemplar o custo efetivo para o atendimento das demandas e cumprimento das metas, e que o poder público deve calcular o custo per capta do atendimento e repassar verbas de acordo com o volume previsto para atendimentos/realizações, cujos preços sejam compatíveis com os do mercado e/ou fixados setorialmente e, ainda, que os ajustes legalmente autorizados, se firmados, necessitam ser precisos quanto ao seu objeto, bem como fiéis ao estabelecimento claro das metas a serem atingidas e, ainda, vinculados à otimização de recursos e à excelência dos serviços prestados.

Assim, podemos perceber que o repasse de recursos é medida justa e necessária ao funcionamento do Terceiro Setor, e que devido a especificidades e limitações orçamentárias, as parcerias com os entes públicos e a efetivação dos repasses nos termos pactuados tornam-se condições indispensáveis para o efetivo cumprimento de suas finalidades.

Contudo, assim como nos demais ramos, a LGPD impactou diretamente o dia a dia das organizações, seja no contato com parceiros e patrocinadores, ou na sua rotina de tratamento de dados. Mas, ao contrário dos demais setores que tiveram um período de dois anos para se programar internamente e financeiramente e adaptar seus processos à lei, o Terceiro Setor não obteve essa reserva de recursos (ou alocação dos recursos já existentes), tendo em vista sua limitação orçamentária e levando em conta sua especificidade e as condições estabelecidas pelos entes públicos na formalização dos termos de parceria.

Nesse sentido, é fundamental que o Terceiro Setor tenha tratamento diferenciado pela ANPD, e de certa forma, uma maior flexibilidade nas exigências, condições e nos prazos previstos na LGPD.

Ao mesmo tempo, é imprescindível que também tenha uma agenda própria e seja o protagonista de uma tomada de subsídios específicos da ANPD, como um procedimento inicial para a discussão conjunta para a criação de uma norma complementar e específica para as peculiaridades deste setor

Em sua atuação social, o Terceiro Setor muitas vezes trata dados sensíveis relativos à saúde e aos direitos de crianças e adolescentes, sendo, portanto, necessário haver uma atenção maior da ANPD às suas demandas, garantindo o cumprimento não só dos direitos e as liberdades individuais dos titulares dos dados, mas também o seu pleno funcionamento, considerando suas peculiaridades e a história de conquistas das organizações não governamentais.

A forte interlocução da ANPD com diversos setores – públicos, privados e Terceiro Setor – tem se mostrado um componente importante para a disseminação da cultura da privacidade e proteção de dados no Brasil.

A ANPD se mostra aberta para fomentar o diálogo e construir regulamentações em diversos setores, sendo este, portanto, o momento ideal para as organizações não governamentais dialogarem com a Autoridade, a fim de obterem subsídios específicos que contribuam, de forma relevante, para a elaboração dessa regulamentação, tão importante para o futuro do Terceiro Setor.

Referências

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PINHEIRO, Patricia Peck. Proteção de Dados Pessoais: Comentários à Lei 13.709/2018 – LGPD. 3ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021.

LIMA, Adriana. Advogados - encarregados (DPO interno e DPO as a service)” nos programas de governança em privacidade (LGPD). Disponível em < https://www.migalhas.com.br/depeso/345714/advogados--encarregados-dpo-interno-e-dpo-as-a-service >. Acesso em 18 maio. 2021.

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