Dentro do escopo dos Direitos Sociais, a Constituição Federal inseriu a Educação como um dos principais pilares para combater as desigualdades sociais. Dada a sua importância, ela dispôs que as suas diretrizes e bases, em nível nacional, devem ser matéria legislativa de competência privativa da União. De outro norte, em relação a se proporcionar os meios de acesso à educação e demais normativos ordinários que a regulam, essas competências são compartilhadas entre os demais membros da Federação: os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Ademais, em nível municipal, sua competência está limitada à execução de Educação Infantil e de Ensino Fundamental com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados.
Guardadas estas competências privativas e concorrentes, o texto constitucional afirmou que a promoção da Educação deve propiciar o acesso de forma universal e, como tal, será incentivada com a colaboração da sociedade, tendo como foco o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Para execução destas ações em regime de colaboração, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação classificou as instituições de ensino como sendo Públicas e Privadas, sendo a primeira mantida e administrada pelo Poder Público, e a segunda mantida e administrada por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, tais como as organizações da sociedade civil (OSCs). Na atualidade, as organizações da sociedade civil desenvolvem a educação por meio de parcerias firmadas com base em lei específica que rege o sistema nacional de parcerias entre administração pública e as OSCs: a Lei 13.019/2014.
Assim, para a efetivação dos Direitos Sociais através da colaboração da sociedade, muitas vezes os municípios celebram Parcerias com OSCs para que estas, não obstante possuam natureza jurídica de associação/fundação privada, executem ações inerentes à função pública educacional por meio do oferecimento de acesso universal de vagas disponibilizadas à população em geral de maneira integralmente gratuita, sem qualquer tipo de processo seletivo e análise do perfil socioeconômico desses alunos.
Nesse ponto, temos a intersecção de duas políticas: a de educação, que está prescrita na Constituição, e a de Certificação das OSCs reconhecidas pelo certificado CEBAS. Muito embora a regra deva ser de acesso universal à educação para cumprir a política do CEBAS, colocou-se um fardo às organizações que possuem parcerias, vez que, em grande parte dos municípios, o acesso do serviço de educação é feito com base em critérios de território, faixa etária e cumprimento de outras condicionantes sociais. No entanto, para fins de CEBAS esses critérios são desconsiderados, a organização precisa selecionar os alunos, mesmo que venham por meio de sistema da prefeitura local, porque precisa apresentar ao MEC o perfil social dos seus alunos obrigatoriamente. Essa seleção, por vezes, torna-se impossível, primeiro porque não se pode recusar aluno em função do princípio constitucional de acesso universal à educação, segundo porque as parcerias proíbem qualquer tipo de discriminação de usuários do sistema de educação.
Traçando um paralelo dessas nuances com o CEBAS, para que essas OSCs educacionais possam obter tal certificação, de forma geral, elas devem demonstrar que no exercício anterior à formalização do pedido foi oferecida uma bolsa de estudo integral para cada cinco alunos pagantes, sendo que estes bolsistas integrais devem ter renda per capita de 1,5 salário mínimo. Nos casos das OSCs parceiras, por serem integralmente gratuitas, elas, de igual forma, para obterem o CEBAS, devem comprovar que ao menos 20% de seus alunos tenham renda per capita de até 1,5 salários-mínimos.
Nesta feita, ao invés de utilizar essa problemática para alinhar duas das principais políticas de acesso à educação no país, o PLP 134/2019 perpetua tal situação inviabilizando a condição das organizações sem fins lucrativos de requererem ou manterem o CEBAS. Neste sentido seria adequado ao PLP 134/2019 recepcionar a política constitucional de acesso universal à educação quando vinculada a organizacões que tenham parceria com a administração pública. Ora, é sabido que as escolas que atuam em locais mais remotos e díspares são OSCs que possuem maior dinamismo e capilaridade social mediante parcerias com base na Lei 13.019/2014. Assim, preservar o direito constitucional à educação é parte do rol de direitos fundamentais e não pode ser obstada em função da falta de diálogo entre duas políticas.
Ressalvada a decisão do STF exarada no bojo da ADI 4480, cujo teor julgou inconstitucional o artigo 13 da Lei 12.101/2009, sabe-se que está tramitando um projeto de Lei Complementar, PLP 134/2019, que em seu texto mantém essa obrigatoriedade, permanecendo, após a publicação, vigente no sistema normativo essa exigência para fins de qualificação do CEBAS.
Contudo, apesar de estar de acordo com a decisão do STF, cabe aqui uma reflexão acerca da efetividade dessa exigência expressa no PLP 134/2019. Com isso, as OSCs parceiras deveriam ser desincumbidas de comprovarem que ao menos 20% de seus alunos matriculados estão dentro da renda per capita de até 1,5 salário mínimo, na medida em que, além de almejarem a efetivação dos Direitos Sociais garantidos pela Constituição, as vagas são ofertadas de forma integralmente gratuita e em atendimento a uma demanda municipal, de forma indiscriminada.
Para encaminhar uma proposta que esteja adequada e compatível com o que depreende a Constituição Federal com acesso universal à educação e dialogando com a lei de parcerias e a lei de certificação do CEBAS, propomos adequação ao texto do PLP 134/2019:
Art. 23. Para fazer jus ao exercício da imunidade, a entidade com atuação na área da educação que diretamente ou por meio de instituições de ensino mantidas, atue na oferta da educação básica regular, educação profissional e/ou educação superior deve atender ao disposto nesta Seção e na legislação aplicável.
§ 3º As instituições que prestam serviços totalmente gratuitos e as que prestam serviços mediante parceria com órgãos públicos e que não lhes é possível fazer a prévia seleção de bolsistas através de perfil socioeconômico deverão comprovar a gratuidade oferecida aos usuários da política da educação.”
Concluindo, salta aos olhos que essa exigência tem o condão de gerar grandes prejuízos às OSCs parceiras, vez que estas podem ter seu direito de possuir o CEBAS indeferido ante o descumprimento de um requisito que não está sob o seu controle. Nessa linha, certamente a manutenção dessa exigência irá gerar um grande desestímulo à participação destas OSCs em contribuir com a garantia dos Direitos Sociais relacionados à Educação nas matérias limitadas de competências dos municípios e dos Estados, fato este que tornará o combate das desigualdades sociais, um dos principais pilares do Terceiro Setor, em mero coadjuvante, em detrimento do interesse arrecadatório.