Hoje em dia, falar em sustentabilidade virou modismo. Muitas empresas, por exemplo, têm alardeado aos quatro ventos uma série de ‘ações sustentáveis’, porém, em inúmeros casos, ficam apenas na promessa, uma vez que tais ações distorcem a real significação do termo, muitas vezes por mero desconhecimento de seu pleno sentido
Nos últimos anos, o termo sustentabilidade passou a fazer parte do cotidiano das mais diversas áreas de negócios. Tudo passou a ser considerado sustentável. Mas, será que isso é realmente verdade? Será que as pessoas compreendem, de fato, o que essa expressão significa?
Sustentabilidade, ou desenvolvimento sustentável, é um conceito sistêmico, que relaciona e integra, de modo equilibrado, aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais de uma sociedade.
A expressão foi utilizada pela primeira vez, em 1987, por Gro Brundtland, então primeira ministra da Noruega. À época, a Organização das Nações Unidas (ONU) encomendou à ex-ministra um estudo, publicado sob o título Relatório Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, no qual o conceito para sustentabilidade foi expresso e que, a partir da Eco 92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, passou a ser mundialmente aceito.
De acordo com o relatório, “ser sustentável é conseguir prover as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras em garantir suas próprias necessidades”.
“Essa concepção começou a se formar e a ser difundida junto com o questionamento sobre o estilo de desenvolvimento adotado pelas nações, quando se constatou que este desenvolvimento era ecologicamente predatório na utilização dos recursos naturais, socialmente perverso com geração de pobreza e extrema desigualdade social, politicamente injusto com concentração e abuso de poder, culturalmente alienado em relação aos seus próprios valores e eticamente censurável no respeito aos direitos humanos e aos das demais espécies”, explica o economista Ignacy Sachs, em seu livro Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável.
Segundo Sachs, a definição de sustentabilidade engloba sete dimensões:
Embora seja uma expressão comumente utilizada, nota-se que, no dia a dia, existe muita confusão acerca da conceituação de sustentabilidade / desenvolvimento sustentável.
Para muitos, iniciativas como preservar o meio ambiente, reciclar ou reutilizar materiais e evitar o desperdício de recursos naturais, como a água, enquadram-se no conceito de ser sustentável. Não estão errados, de modo algum. Porém ser sustentável vai muito além disso.
“Em pouco mais duas décadas de existência do termo, tenho observado uma série de confusões sobre seu significado e, infelizmente, sua ampla divulgação, fato que aprofunda ainda mais a incoerência e o despreparo dos profissionais do mercado em desenvolver práticas corporativas adequadas”, comenta Eduardo Benson, professor de Responsabilidade Social Corporativa e diretor-presidente da Sustentares. “Quando vejo, nos meios de comunicação de massa ou dirigida, que uma companhia está reciclando o lixo produzido e acumulado proveniente de suas operações e afirmando que essa é uma ação sustentável, inevitavelmente eu penso ‘esse aí não entendeu corretamente o sentido’”.
Para o professor, a confusão foi estabelecida a partir do entendimento equivocado da definição de Brundtland, interpretada por muitos como sendo focada na questão ambiental. “Cuidar do meio ambiente é essencial, sem dúvida. Mas de nada adiantaria salvar a Terra sem resolvermos os grandes problemas econômicos e sociais que permeiam a convivência humana, como a pobreza, dominação das grandes potências em detrimento dos países emergentes, mortalidade infantil, homofobia, racismo, exclusão digital e muitos outros pontos que necessitam de acordo tácito entre governos, empresas, organizações sem fins lucrativos e sociedade civil para sua devida solução”, adverte.
“A ideia de desenvolvimento sustentável começou, em grande parte, com a preocupação ambiental, que acabou por envolver as dimensões econômica e social. A partir dos anos 1990, passou a englobar a responsabilidade social empresarial”, diz Fernanda Gabriela Borger, pesquisadora e consultora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
A origem da responsabilidade social está nas questões éticas que envolvem a relação entre empresas e sociedade e na filantropia empresarial. O conceito teórico remonta à década de 1950 e demonstra a preocupação dos pesquisadores da época com a excessiva autonomia dos negócios e o poder destes sobre a sociedade, sem que houvesse a devida responsabilização pelas consequências negativas de suas atividades, como a degradação ambiental, a exploração do trabalho, o abuso econômico e a concorrência desleal. Para compensar os impactos negativos da atuação das empresas, empresários se envolveram em atividades de cunho social (filantropia empresarial) para beneficiar a comunidade, fora do âmbito dos negócios, como uma obrigação moral.
Hoje, o conceito de desenvolvimento sustentável está integrado ao de responsabilidade social, que afirma que não haverá crescimento econômico em longo prazo sem que haja progresso social e cuidado ambiental. “Todos os lados devem ser vistos e tratados com pesos iguais, até porque eles estão inter-relacionados. Da mesma forma que o crescimento econômico não se sustenta sem equivalência social e ambiental, programas sociais ou ambientais corporativos não se sustentarão se não houver o equilíbrio econômico da empresa”, explica Fernanda Borger.
O modelo da sustentabilidade é uma nova maneira de fazer negócios, que tem como pressuposto o novo papel da empresa na sociedade. “Sustentabilidade e responsabilidade social trazem para o modelo de negócios a perspectiva de longo prazo, a inclusão sistemática da visão e das demandas das partes interessadas, e a transição para um modelo em que os princípios, a ética e a transparência precedem a implantação de processos, produtos e serviços”, conclui.
São diversos os mecanismos que induzem uma empresa a incorporar os atributos intrínsecos à sustentabilidade em sua estratégia. Conforme seu grau de evolução e de amadurecimento, a companhia assume compromissos que visam à atuação responsável, não sendo possível cumpri-los plenamente sem a cooperação direta de seus públicos estratégicos, como clientes, parceiros e fornecedores.
“A gestão da sustentabilidade na cadeia de valor se dá quando a empresa passa a fazer o gerenciamento estratégico dos impactos sociais e ambientais de matérias-primas e serviços, considerando desde os fornecedores e prestadores de serviços até o cliente final e as etapas pós-consumo”, explica Cristina Fedato, especialista em sustentabilidade e responsabilidade social.
O mapeamento de riscos e oportunidades, e a análise das relações de poder e da posição ocupada pela empresa são fundamentais ao desenvolvimento de uma estratégia de sustentabilidade. Trabalhar esse tema pode ser uma forma de gestão de risco e de atender a demandas de autorregulação, bem como também pode conduzir à criação de vínculos e alianças estratégicas com parceiros de negócios e ao desenvolvimento conjunto de inovações em processos e produtos com foco em sustentabilidade.
“A gestão sustentável da cadeia ocorre por meio da incorporação de atributos de sustentabilidade nas estratégias, práticas e procedimentos de gerenciamento da cadeia produtiva. Não basta a empresa criar e impor requisitos para que eles sejam cumpridos por seus fornecedores; é preciso que se estabeleça um conjunto coerente e integrado de práticas que garantam boa interface de sua gestão. Nesse sentido, o uso dos Indicadores Ethos, por exemplo, apresenta pontos importantes para que a empresa aprimore essa interface e avance na construção de relacionamentos estáveis com seus parceiros de negócios”, sugere Cristina.
Junto com os processos de gerenciamento de risco, a empresa deve ser estimulada a elaborar um plano de relacionamento com seus stakeholders, de modo a olhar para sua cadeia do ponto de vista da oportunidade e enxergar as oportunidades de parcerias para inovação e criação de novos produtos e serviços, tornando-se, efetivamente, sustentável.