Água, valor líquido

Por: Dal Marcondes
01 Março 2011 - 00h00
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Quando a colônia brasileira começou a ser ocupada e os europeus começaram a fundar cidades, pequenas fontes de água bastavam para abastecer uns poucos cidadãos e animais. Ficar perto de grandes rios não era parte dos planos de José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. O Colégio dos Jesuítas fi ncou pé num outeiro, lugar bom para ser defendido de possíveis ataques de índios, mas com pouca água. Contudo, dessa vila nasceu São Paulo, uma metrópole de quase 20 milhões de habitantes que precisam de cerca de 80 litros de água tratada por pessoa, por dia, para suas necessidades domésticas. Um volume que já não consegue mais ser atendido pelos mananciais próximos que, pelos critérios da Organização das Nações Unidas (ONU), tem sete vezes menos a capacidade necessária para a população atendida. É preciso buscar água cada vez mais longe e tratar águas cada vez mais poluídas para torná-las potáveis.

Um levantamento feito pela Agência Nacional de Água (ANA) recentemente divulgado aponta que o problema do abastecimento de água é generalizado pelo país. Dos 5.565 municípios brasileiros, mais da metade terá problemas de abastecimento até 2015; para tentar empurrar o problema para 2025, o país terá de desembolsar R$ 22 bilhões em obras de infraestrutura, construção de redes de distribuição, novas estações de tratamento e manutenção de redes muito antigas, que perdem mais de 30% da água tratada antes que chegue à casa dos clientes. Nesse valor não está incluído o dinheiro necessário para resolver o problema do saneamento básico, com a construção de redes de coleta de esgoto e estações de tratamento, de forma a proteger os mananciais, de onde se faz a captação de água para consumo. Para isso, segundo a ANA, serão necessários outros R$ 47,8 bilhões. Tais investimentos não são necessários apenas porque 13% dos brasileiros não têm banheiro em casa, ou porque mais de 700 mil pessoas entopem os serviços de saúde a cada ano em virtude de doenças provocadas pelo contato com água contaminada por esgotos.
Pode ser também porque sete crianças morrem por dia vítimas da diarreia, engrossando a estatística de mortes por problemas gastrointestinais – em 2009 foram 2.101 pessoas. Acredita-se que mais da metade poderia ter retornado com saúde para casa, ou mesmo nem ter fi cado doente, caso o Brasil já estivesse entre as nações que oferecem saneamento básico universal para a população. Especialistas apontam que a questão da água, ao menos no caso brasileiro, está mais ligada a problemas relacionados à gestão do que à escassez propriamente
dita. Com 13% da água doce superfi cial do planeta, grande parte dela na Bacia Amazônica, o país deveria estar tranquilo em relação ao futuro do abastecimento. Porém, a distribuição da água pelo território é desigual, principalmente quando comparada à concentração da população. A Região Norte tem 68% da água e apenas 7% da população. O Nordeste e o Sudeste, no entanto, concentram 72% da população do país e menos de 10% da água. O cientista José Galizia Tundisi, autor do livro Água no século XXI e especialista nas dinâmicas de rios, lagos e outros mananciais, acredita que uma das primeiras providências a serem tomadas para melhorar a gestão dos recursos hídricos é “realizar a avaliação econômica dos serviços prestados pelos recursos dos
ecossistemas aquáticos”. Para ele, a valoração desses serviços é a base para uma governança adequada, e eles são essenciais para o controle do clima, abastecimento de água, produção de energia e alimentos, entre outras atividades humanas. Muitas empresas já compreenderam isso e estão adiantadas na gestão dos usos de água em seus processos.
A indústria de celulose, por exemplo, reduziu em quase 50% suas necessidades de água por tonelada de
produto desde a década de 1970. Segundo a associação do setor, a média era de 100 m³ de água por tonelada de celulose – hoje, é de apenas 47 m³. Outros setores seguiram a mesma linha, não apenas reduzindo a quantidade de água necessária por unidade de produto, mas também implantando sistemas de tratamento que permitem fechar o ciclo industrial entre uso e reuso água. Quase tudo o que é produzido no país tem sua cota de água embutida, o que os especialistas chamam de “água virtual”. Por exemplo, para se produzir um quilo de arroz são necessários 3 mil litros de água; um quilo de carne bovina precisa de 15,5 mil litros. Uma simples xícara de café não sai por menos de 140 litros de água. Não é que essa água desapareça depois de servido o cafezinho, mas é que, para se chegar aos produtos tão necessários nas mesas das pessoas, é preciso que essa água esteja não apenas disponível, mas limpa, isenta de contaminações por esgotos ou produtos químicos. E a coisa vai além: para um automóvel chegar à garagem dos brasileiros, o custo em recursos hídricos chega a 150 mil litros. Ou seja, a economia do país precisa, e muito, de água de boa qualidade, mesmo sem contar que 18% das faltas de trabalhadores ao serviço também poderiam ser evitadas com uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos.
Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, o estudo lançado pela ANA é um primeiro passo para um importante debate para o futuro do país, o
estresse hídrico dos mananciais que abastecem as principais regiões metropolitanas e a situação da água em todos os municípios. Para ela, o Brasil precisa encarar o fato de que a segurança no abastecimento de água é estratégica e que o recurso é escasso. “É preciso encarar o fato de que precisamos investir na infraestrutura, mas também precisamos mudar a forma de usar esse recurso e coibir os desperdícios”, disse. A questão da gestão dos recursos hídricos passou
por uma grande transformação no Brasil no final do século passado, quando as empresas estaduais de água e saneamento perderam o monopólio do mercado. Muitas foram municipalizadas e outras privatizadas, além de terem continuado a existir as empresas estaduais, como o caso da Sabesp, no Estado de São Paulo, que é considerada referência para o setor. Mas o período de mudanças não foi tranquilo, e a gestão de água e saneamento não se mostrou um bom negócio para todos os interessados. A cidade de Manaus, por exemplo, foi a primeira capital a privatizar os serviços, afinal, água não deveria ser um problema para o município que vê quase 10% da água doce do planeta escorrer à sua porta pelos rios Negro, Solimões e Amazonas. Em 2000, a gestão da água da cidade foi transferida para a empresa francesa Suez, a mesma
que, por sua gestão desastrada, quase provocou um golpe de Estado na Bolívia.
Para os franceses, era simples: havia muita água disponível e uma população de quase 2 milhões de habitantes que deveria pagar por ela. Tradicionalmente, o serviço público de água da cidade era muito ruim, portanto, “bastaria oferecer um bom serviço” para a conta fechar.
Errado. Como o serviço público nunca funcionou, a elite urbana da cidade nunca dependeu dele. A maior parte das casas e condomínios de classe média tem seu abastecimento garantido por poços artesianos, um serviço que, depois de implantado, é de graça, sem conta mensal. A empresa francesa ficou apenas com a gestão do consumo da população pobre, e com a obrigação de recolher o esgoto da cidade, pelo qual também não pagavam, uma vez que a taxa de esgoto estava embutida na conta de água. Em 2007, a Suez se retirou da sociedade com o grupo brasileiro Solvi e a Águas do Amazonas continua privatizada, mas agora sob a gestão de um grupo nacional que teve de repactuar as condições do contrato de concessão com a prefeitura de Manaus.
A questão do esgoto não tratado impacta também em outro setor estratégico para a economia do país: o turismo.
Principalmente no Nordeste, a presença de línguas negras atravessando praias que deveriam ser refúgios ambientais assusta os operadores turísticos e preocupa o setor hoteleiro. Mas mesmo regiões consideradas “Sul Maravilha”, como Santa Catarina, muito buscada por turistas
sul-americanos, padece da falta de infraestrutura. Florianópolis tem apenas 67% de acesso à rede de esgotos,
enquanto o segundo lugar, o badalado município de Canavieiras, tem pouco mais de 40% de seu esgoto coletado. E esses são o primeiro e o segundo lugares no Estado. No quinto colocado não se chega a 3%. Nos próximos anos, o Brasil vai receber grandes eventos internacionais, a começar pela Cúpula das Nações Unidas Rio+20, que reunirá chefes de Estado e de Governo para debater os avanços e as crises ambientais do planeta. Depois, a Olimpíada de 2014 e, por fim, a Copa do Mundo de 2016, que vai espalhar turistas por todas as regiões do país. Um dos indicadores fundamentais de desenvolvimento é o acesso à água de boa qualidade, além da coleta e tratamento universal de esgotos, setores em que o país ainda tem muito a caminhar. Dados de 2007 mostram que 90% dos domicílios têm acesso a redes de água tratada, mas na área rural esse número não passa de 50%; no caso da coleta e tratamento de esgotos, os números são completamente disparatados. Vão de 40% a 77% de esgoto coletado, mas apenas 36% passam efetivamente por uma estação de tratamento antes de serem devolvidos aos cursos d’água.

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