Dirigir um país, brincadeira muito séria

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
01 Julho 2008 - 00h00

O Brasil é um paraíso para quem escreve sobre ele. Especialmente no que diz respeito a aspectos relacionados às questões público-estatais. A não-utilização do conceito de política na última frase – como, por exemplo, questões políticas – é intencional, porque já passou da hora de parar de classificar como política o que os funcionários estatais (dos três poderes: executivo, legislativo e judiciário), em sua grande maioria, fazem diuturnamente.

Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) foi um importante pensador grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. Para ele, a política é a ciência mais suprema, à qual as outras ciências estão subordinadas e da qual todas as demais se servem em uma cidade (em grego, pólis significa “cidade”). A tarefa da política é investigar qual a melhor forma de governo e instituições capazes de garantir a felicidade coletiva.

Uma análise bem simplória – e bastante desgastada pela repetição – aponta para uma realidade nacional em que a nota média do ensino público (especialmente no ensino fundamental) fica abaixo de cinco. Reprovação em massa. Nosso número anual de homicídios deixa o Iraque com vergonha de fazer uma guerra tão gentil. Os aparelhos de saúde pública são ótimos motivos para cada um de nós sonhar com um plano de saúde privado, por pior que ele seja. Está claro porque é uma ofensa conceitual chamar funcionários estatais de “políticos”, ou seja: aqueles que investigam e trabalham pela felicidade coletiva?

O que fazer? Enfileirar-se em frente ao consulado estadunidense e embarcar rumo ao templo do fast food? Talvez. Outra opção é espernear por uma possível dupla cidadania européia e quem sabe morar na Espanha, França ou Portugal. Há outras opções, certamente.

Toda a questão tem a ver com a doação de sangue. É isso mesmo. Os bancos de sangue amanhecem regularmente com déficit no volume de sangue para atender às suas demandas. Isso porque menos de 2% da população brasileira doa sangue. Você leu corretamente: 2%. Se esse número dobrasse, a mendicância sanguínea estancaria, pois seriam atendidas as necessidades regulares desse tipo de procedimento médico-hospitalar. Alguém aí nunca ouviu falar da importância da doação de sangue? Existe campanha mais veiculada que essa? Nem as Casas Bahia conseguem tanta exposição na mídia – ao longo da história – quanto a singela doação de sangue. Quer doar quanto?

Ainda não ficou clara a relação entre país sem política, e, portanto, sem “felicidade coletiva”, e a doação de sangue? Trata-se de comprometimento com a causa. O brasileiro ainda não se deu conta de que, sem a sua participação, falaremos das mazelas tupiniquins pelos próximos 300 anos, com avanço paquidérmico rumo à justiça social.

A solução não é a doação de todo o sangue que o ser humano leva consigo (normalmente 10% do peso total da pessoa), mas sim, a doação pequena e regular ao exercício da cidadania, com boas escolhas eleitorais, fiscalização do investimento público, sugestão de melhorias e comportamento individual coerente com o bem-estar coletivo. Sem isso, pode tirar o eqüino da precipitação pluviométrica, porque vai continuar faltando sangue para turbinar este país. Afinal, não há lugar no mundo com tantos vampiros e sanguessugas quanto por aqui. Pelo menos não com cargos tão importantes, tamanho poder de decisão e que custem tão caro (afinal, o parlamentar brasileiro custa dez vezes mais que o espanhol, por exemplo).

Sobriedade para dirigir melhor

Exemplo de miopia executiva e embriaguez política (que dificulta ainda mais a felicidade coletiva proposta por Aristóteles) é a opção por cortar recursos da área de investimentos do orçamento da União e ampliar o valor destinado ao Bolsa Família. Retira-se dinheiro público de programas ligados à melhoria da educação, saúde, saneamento básico e segurança, e destina-se mais dinheiro para uma legião de famílias vitimizadas pelo vampirismo tupiniquim. Esse tipo de decisão pode até colocar alguns curativos na batida de trem, mas deixa clara a preferência por remediar a conseqüência (muito mais visibilidade eleitoral) a mergulhar eticamente nas causas da injustiça social (com ações que geram menos visibilidade eleitoral em curto prazo).

Em tempos de “lei seca”, ou seja, proibição absoluta do consumo de álcool associado à direção, vale refletir sobre esse “porre” que parece acometer funcionários estatais populistas e cheios de palavras nas bocas. País que pensa pequeno e só distribui peixe vê passar gerações de pessoas que cambaleiam de ressaca pela vida.

Se existe uma pena rigorosa para quem dirige automóveis embriagado (legislação bastante pertinente, por sinal, que na primeira semana diminuiu em 27% os acidentados de trânsito no Hospital das Clínicas, em São Paulo), é mais do que justo que exista uma pena rigorosa para quem faz o mesmo com os recursos públicos municipais, estaduais e federais. Como existe muito fisiologismo entre os funcionários estatais brasileiros, ou seja, um protege o outro, cada um dos cidadãos que têm o poder de voto – nesse país democrático no conceito – deve castigar seu representante durante o mandato e, especialmente, na época da eleição (que, a propósito, está chegando; você se lembra em quem votou há quatro anos?). Para castigar é preciso saber o crime, como na obra de Dostoievski. E para saber o crime é preciso acompanhar de perto. Ou seja, voltamos à questão da doação de sangue.

Link
www.prosangue.sp.gov.br

Felipe Mello. Radialista, palestrante e diretor da ONG Canto Cidadão, fundada para produzir e democratizar informações sobre cidadania e direitos humanos.

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