O conceito do C2C – cradle to cradle design (desenho do berço ao berço) vai além da ideia de sustentabilidade. Criado pelo analista industrial suíço Walter Stabel, ganhou projeção nas mãos do arquiteto norte-americano William McDonough e do químico alemão Michael Braungart, celebrando-se como uma aproximação revolucionária do olhar humano para a natureza.
“Além da sustentabilidade” porque não se prende, meramente, à redução de impactos. Para os precursores desse pensamento, diminuir os impactos ambientais é como propor fazer menos mal, ou seja, sob a ótica do cradle to cradle, metas socioambientais que se limitem puramente à eficiência não servem.
Viver sob as leis da eficiência não combina com o ser humano. Imagine como seria um jantar italiano eficiente... apenas um prato de massa sem molho, desacompanhado de vinho, de música, enfim, sem a atmosfera romântica no ar. Ou um concerto de Mozart eficiente, sem todas as nuances que o tornam uma obra de arte primorosa. Estar sob a égide da lei da eficiência, diante da necessidade da sustentabilidade, é como concordar que a nossa presença no mundo não é desejável. Não é isso o que buscamos. Tampouco pretendemos salvar o planeta. Desejamos aprender, isso sim, a viver nele.
A consciência ambiental para esse novo paradigma acompanha a inovação e a criatividade na maneira de raciocinar. É um passo a mais, um amadurecimento de compreensão de como seremos capazes de produzir. Afinal, a era da pedra não foi extinta porque acabou a pedra. Foi a consciência que mudou. O cradle to cradle responde a essa nova proposta de raciocínio sobre como perpetuar as atividades do homem numa relação ganha-ganha com o meio. Ele também não deseja criar produtos que sejam ambientalmente corretos, mas, sim, ambientalmente positivos, para que a presença humana no mundo seja enriquecedora e próspera, e não repleta de culpas e alarmismos.
O conceito resulta em um redesenho do sistema de produção. Toda a sua ideia parte do que é um desenho: uma intenção que, antes de pensar nas consequências do projeto, propõe, de forma inteligente, soluções para servir acima de tudo as pessoas e o meio. Por exemplo, em vez de construções que consumam menos recursos, construir prédios que produzam energia, que reciclem a água e que sirvam de abrigo para pássaros. Ou automóveis que purifiquem o ar. São essas as ideias do cradle to cradle.
Pensar com esse olhar é aprender com a própria natureza, mirando os olhos ao seu nível, a fim de se praticar a biomimética, que é uma área da ciência que tem por objetivo o estudo das estruturas biológicas e de suas funções, procurando aprender com a natureza (e não sobre ela), utilizando esse conhecimento em diferentes domínios científicos. Tudo parte da lei da produtividade regeneradora e saudável dos modelos naturais. Quando aplicado nas fases iniciais de um projeto, pode criar uma indústria que sustente e equilibre os aspectos sociais, ambientais e econômicos das atividades humanas. Isso porque seu objetivo é alcançar o máximo valor (social, ambiental e econômico) mediante a prática de um desenho inteligente.
Em síntese, os princípios do cradle to cradle são:
• O resíduo sempre é um recurso;
• O uso da energia solar;
• A celebração da diversidade;
• A eco-efetividade (seguindo os princípios de desenho da natureza).
Com esses princípios, o C2C trata do desenho de produtos e dos respectivos processos produtivos, de modo que todas as partes (componentes e matérias-primas) envolvidas sejam totalmente reutilizadas em novos processos produtivos, depois que esses produtos forem descartados. É importante, nesse ponto, não confundir esse conceito com o da reciclagem. A reciclagem do papel não é um exemplo de aplicação do cradle to cradle porque, após a sua utilização, irá produzir um material de qualidade inferior, no mínimo diferente do original. Além disso, o produto gerado na reciclagem demandou reprocessamento, consumo de energia e recursos.
Com o cradle to cradle, a premissa é que o reprocessamento do produto descartado crie um novo produto de qualidade igual ou superior ao original. Mesmo que não necessariamente para a mesma aplicação ou para igual mercado. Ademais, existe a preocupação que todo o processo de produção e as matérias-primas sejam ecologicamente efetivos, e não apenas eficazes.
Quando o sistema funciona, um círculo produtivo (produção – descarte – produção) se estabelece e maximiza o valor agregado sem prejudicar o ecossistema e sem restringir recursos para os seres vivos, incluindo os seres humanos. Um exemplo conhecido de aplicação desse conceito é fazer do lixo comida. Depois de descartado, o lixo orgânico pode se tornar, no mínimo, fertilizante. Logo ele estará realimentando a cadeia numa função nobre, utilizado para a agricultura e a geração de alimentos. Outro exemplo é utilizar fibras inteligentes biodegradáveis ou fibras que possam permitir o reprocessamento total para a indústria têxtil, com novas cores ou aplicações. O cultivo do algodão, por exemplo, consome muito pesticida, e a pigmentação dessa indústria é extremamente crítica para os mananciais.
Esse pensamento faz tanto sentido que o governo chinês está construindo diversas cidades utilizando o conceito. O impacto ambiental seria inimaginável caso a China resolvesse construir todas as novas cidades de acordo com a tecnologia convencional. Na indústria, a fabricante de tênis Nike (que, não há muito tempo, foi acusada de empregar mão de obra escrava em seus processos produtivos) já conta com um produto desenvolvido segundo o conceito do cradle to cradle.
McDonough e Braungart ainda mantêm exclusividade na certificação do modelo. Se, por um lado, isso restringe a expansão da acreditação e da validação do sistema, por outro, mantém a credibilidade e a confiabilidade em quem possuir o certificado.
A proposta é inovadora e promissora. Porém, de nada adiantará uma nova consciência tecnológica se esta não vier acompanhada da evolução da consciência humana no que cerne a valores de ética, de transparência, de responsabilidade e de vontade de corrigir anos de desvios socioambientais. Além, naturalmente, da necessidade de elevar ao máximo os valores da educação e os princípios da convivência e da participação comunitária, para que a mudança seja positiva, próspera e efetiva.
Com esses princípios, o C2C trata do desenho de produtos e dos respectivos processos produtivos, de modo que todas as partes envolvidas sejam totalmente reutilizadas em novos processos produtivos, depois que esses produtos forem descartados