Mitos Nossos De Cada Dia

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21 Janeiro 2017 - 14h27

Mitos são coisas que nunca aconteram, mas sempre existiram. Eles compõem uma linguagem universal, uma forma de nos comunicarmos com toda a história da humanidade que nos antecede. Podemos nos aproximar daquilo que afligia nossos antepassados por meio dos mitos, criados para dar conta das angústias, das nossas angústias tão humanas.

Vejo uma intersecção nos mitos aqui citados de forma bastante resumida: os protagonistas buscam compreender melhor a condição humana, passando por provações imensas, sofrimento, frio na alma.

Mas será que o medo da luz não pode nos deixar para sempre escravos da sombra? Poupar em demasia o peito das espadas da vida pode até nos deixar ilesos quanto às cicatrizes, mas também pode nos condenar a viver limitados e encarcerados em jaulas medíocres. Quase gente. Quase alegre. Quase transformador. Definitivamente, não é disso que precisamos no Terceiro Setor.

Mito De Sísifo

Sísifo tentou enganar os deuses e a morte e foi implacavelmente castigado por Zeus: passaria a eternidade empurrando uma enorme pedra morro acima; ao chegar ao topo, imediatamente veria a mesma pedra rolar morro abaixo, dia após dia.

Por mais que se tente praticar o autoengano, a procrastinação, as infinitas justificativas, se almejamos escapar da rotina repetitiva, não há outro meio a não ser encarar a realidade: o mundo muda a cada dia; se não participarmos ativamente dessa mudança, fracassaremos em nosso objetivo de construir um mundo menos inóspito para tantos seres. Fazer tudo sempre igual, ou muito parecido, e esperar resultados diferentes, já sentenciou Einstein, é sintoma de neurose.

Mito De Narciso

Narciso veio ao mundo para lembrar aos humanos a importância da beleza e do amor. No entanto, o oráculo alertara seus pais que Narciso nunca poderia ver a própria imagem, pois se apaixonaria por ela. Claro, ele viu seu reflexo em uma fonte d'água e confirmou a profecia.

Depois de muitas tentativas de libertá-lo do ensimesmamento, Eco, uma divindade que entregava tudo de si, foi a última tentativa de resgate de Narciso. Ela também fracassou e, inconsolável, jogou-se do despenhadeiro e passou o resto dos seus dias murmurando um eco triste. Com fim não menos trágico, Narciso afogou-se na fonte, inebriado por sua própria beleza.

Entre Narciso e Eco estão as histórias de todos nós, indivíduos e organizações. Ele nada queria dar de si. Ela queria dar tudo de si. Aonde nos localizamos nessa escala existencial? Damos tudo de nós e esquecemos de nos valorizar? Não damos nada de nós e nos afogamos em nossa arrogância e isolamento?

Mito De ícaro

O pai de Ícaro, Dedalus, um importante inventor, traiu um rei e foi condenado à prisão juntamente com seu filho. Começou a reunir as penas que caíam dos pássaros que sobrevoavam a prisão, unindo-as com cera de abelha para fazer asas. Quando estavam prontas, entregou um par ao filho, com a instrução de que, em seu voo, não deveria subir tão alto, pois o calor do sol derreteria a cera, nem tão baixo, pois a umidade do oceano faria com que as penas pesassem demasiadamente. Ícaro, no entanto, fascinado com a possibilidade de voar, foi tão alto que o sol derreteu a cera e as asas se desfizeram, o que culminou em sua morte no oceano.

Rumo ao novo! Mas alto lá! Quando falamos em ampliar nosso senso de realidade, nossa lucidez frente ao novo mundo a cada dia, a novas demandas e possibilidades, precisamos também nos lembrar de que se trata de um processo de diagnóstico e fortalecimento. É uma espécie de tratamento. Beber de uma vez o vidro todo do remédio não antecipa a cura, possivelmente traz mais dano que benefício.

Mito De Prometeu

Prometeu foi castigado por Zeus por tê-lo traído e por compartilhar o fogo (a sabedoria) com a humanidade. O castigo foi o acorrentamento eterno no topo de uma montanha. Como ele era imortal, diariamente os abutres comeriam seu fígado, para que durante o frio noturno ele se regenerasse e a tortura pudesse continuar no dia seguinte.

O Terceiro Setor tem grandes desafios pela frente. Ainda sentimos a herança histórica da baixa participação cívica, da frágil cultura de doação de tempo e recursos financeiros de pessoas físicas. Ainda há muita dependência do conveniamento com o governo, que, em excesso, pode causar dependência e atrofiamento do poder de crítica e fiscalização do setor, minando sua razão essencial de existir.

Mito Da Caverna

O mito fala sobre prisioneiros (desde o nascimento) presos em correntes em uma caverna e que passam todo o tempo olhando para a parede do fundo, iluminada pela luz gerada por uma fogueira, imaginando que as sombras compõem a realidade. Até que um deles escapa e visita o mundo externo, tendo contato com o mundo real e suas possibilidades. Ao voltar à caverna e compartilhar o conhecimento adquirido, é chamado de louco e ameaçado de morte.

Qual é a nossa caverna? O que estamos acostumados a ver na parede como reflexo e não necessariamente como mundo real? Como arrebentar as correntes? Como lidar com o retorno depois de uma experiência lá fora? Será que seremos bem recebidos?

Sísifo ignorou o óbvio e foi castigado pelos deuses a uma vida medíocre porque apostou no atalho. Ícaro, deslumbrado pela possibilidade de voar alto, ignorou o pedágio da aprendizagem. Narciso e Eco tampouco são boas inspirações: nem o isolamento em si mesmo, nem a entrega de tudo de si. Será que alguém consegue doar, doar e doar sem atenção às contrapartidas, ao autocuidado?

Na ciranda dos mitos, surge a simpatia por aquele que decidiu sair da caverna e visitar as possibilidades do mundo real, encarando o risco de compartilhar o que viu. Se é para ser castigado pelos deuses, que seja por um motivo nobre: tentar fazer diferente, pois mais do mesmo por muito tempo nunca foi eficiente. Que encontremos cada vez mais lucidez, temperada com algum tipo de loucura inovadora, para estimular mais pessoas a reiventar a história.

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