Terceiro Setor Em Busca Da Autossuficiência Financeira

Por: Luciano Guimarães
19 Novembro 2017 - 00h00

2524-internaDe lojas virtuais e eventos beneficentes a parcerias com aplicativos de vendas e comissões, e de lojas de rua a quiosques em shoppings, organizações sociais diversificam a geração de renda própria

Quando começar a funcionar no número 37 da Praça Alfredo Weiszflog, na Vila Romana, bairro de alto padrão da zona oeste da capital paulista, o Empório Grão em Grão alçará a ONG Associação Reciclázaro a outro patamar no volume de arrecadações financeiras provenientes de fontes próprias.

Previsto para ser inaugurado no final de outubro deste ano, o espaço de 300 metros quadrados será uma grande vitrine para a comercialização de produtos orgânicos, agrossustentáveis e artesanais, entre os quais hortifrutigranjeiros, cereais, queijos, vinhos, carnes e grãos, além de itens de limpeza e higiene.

A previsão é empregar oito pessoas, contar com a ajuda de voluntários e atingir R$ 500 mil mensais de faturamento após 18 meses de operação. Cem por cento do que for arrecadado, menos os custos fixos e variáveis para custear o negócio, fomentarão o caixa da instituição.

"O dinheiro será usado para a manutenção do Centro de Formação Profissional e Educação Ambiental e do Espaço de Trabalho com Famílias, e para a produção de adubo orgânico e de biofertilizantes para a venda direta, inclusive no empório", comemora o supervisor-geral da entidade, Aparecido Martins de Rezende.

Em 2016, por exemplo, três outros projetos para autossuficiência renderam à ONG um total de R$ 390 mil, sendo R$ 140 mil angariados em seis eventos beneficentes – jantares e chás da tarde; R$ 180 mil por meio de coleta, descaracterização e venda de resíduos eletroeletrônicos; e R$ 70 mil pela prestação de serviços ambientais na implantação de paredes verdes, paisagismo, assessoria para implantação de coleta seletiva em empresas e condomínios e palestras sobre temas ambientais.

"As ONGs precisam olhar para suas comunidades e perceber que há maneiras de criar negócios que possam gerar resultados financeiros positivos, a fim de qualificar seus atendimentos e melhorar o seu quadro de recursos humanos", ressalta Rezende.

A Associação Reciclázaro faz parte de um contingente cada vez maior de organizações sem fins lucrativos que cotidianamente busca novas formas de obter recursos para não precisar amarrar a realização de projetos e atendimentos à população exclusivamente a doações e a convênios com o Poder Público.

"A maioria das entidades com as quais tenho contato já prevê essas estratégias em seus estatutos, porém, na prática, a implementação ainda passa longe do planejamento de trabalho", argumenta o conselheiro da Rede Filantropia, Michel Freller, empreendedor social especializado em administração pública, gestão e captação de recursos.

Segundo ele, enquanto no Brasil há muita criatividade na venda de produtos e serviços, nos Estados Unidos há uma captação de recursos muito tradicional, com mala-direta, telemarketing e eventos, apesar de o marketing de causa ser forte nos países do hemisfério norte.

"A busca por resultados imediatos e sem planejamento são os erros mais comuns cometidos pelas entidades. A geração de renda e a busca por equilíbrio e tranquilidade financeira são alcançadas com investimentos, planejamento e tempo", entende.

Autor da dissertação Mobilização de recursos para organizações sem fins lucrativos por meio de geração própria, apresentada em 2014 no curso de mestrado em Administração na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Freller acredita que as ONGs que trabalham pela autossustentabilidade devem tomar o máximo cuidado com a arrecadação por fontes próprias. "A ideia é que não deem passos maiores do que a perna e não comecem a gastar mais do que conseguem arrecadar com as vendas, pois alguns mercados são incertos, e a organização necessita ter reservas para as vacas magras", arrematou.

Cartilha

Sediada no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, a Associação Saúde Criança tem seguido à risca essa cartilha. Responsável por atender cerca de mil pessoas por mês, a ONG também conseguiu atingir o ponto fora da curva ao levar a causa por ela defendida bem além de seus portões.

Atualmente, a entidade comercializa em torno de 70 produtos da marca Saúde Criança em quiosques nos shoppings Rio Sul e BarraShopping, ambos em parceria com os dois centros vendas. Juntamente com as vendas feitas em bazares realizados em empresas e na loja virtual, as receitas obtidas respondem por aproximadamente 15% da arrecadação anual. Os recursos provenientes de bingos, workshops, palestras, shows, almoços e bazares beneficentes somam outros 5%.

Presente na lista das 100 melhores ONGs do Brasil, segundo a primeira edição do Melhores ONGs Época Doar, iniciativa da revista Época e do Instituto Doar, a organização ainda depende muito de doações. Enquanto as pessoas físicas colaboram com 20% da arrecadação anual da instituição, empresas e fundações nacionais e internacionais cooperam com 60% do montante.

"A busca pela autossuficiência é muito importante, principalmente porque além de o modelo de doações estar mudando, o Brasil está passando por uma grande crise econômica, o que faz com que empresas e indivíduos tenham menos disponibilidade para doações", analisa a diretora-executiva da Associação Saúde Criança, Cristiana Ferreira Velloso.

Foi por causa da reconhecida instabilidade do país que, desde 2008, a instituição capta para um fundo patrimonial. "Com os rendimentos obtidos com esse fundo, fizemos investimentos para a compra e reforma de uma nova sede, garantindo a continuidade do trabalho em anos em que a captação for menor do que a necessidade de recursos", completa a gestora.

Ao mesmo tempo, a ONG fluminense, que conta com 42 funcionários e 134 voluntários ativos, está implementando seu Centro de Excelência, que poderá atender melhor as demandas externas de replicação, produção de conhecimento e pesquisa.

Pioneirismo

Referência em projetos de autossustentabilidade no Terceiro Setor, a Ramacrisna, ONG criada em 1959 e sediada na cidade mineira de Betim, também tem se destacado no cenário nacional pelos resultados conseguidos por meio da Fábrica de Telas de Arame e por uma unidade para comercialização em Belo Horizonte.

Em operação desde 1975, por inciativa do fundador da instituição, o jornalista paraibano Arlindo Corrêa da Silva, a fábrica gera atualmente em torno de 25,9% das despesas básicas da Ramacrisna. O empreendimento tem ampliado suas ações por meio de um Plano de Negócios e Monitoramento desenvolvido em conjunto com a Fundação Dom Cabral, dentro do Projeto POS – Parceria com Organizações Sociais da FDC.

"Em 2016 tivemos o melhor resultado da nossa história, totalizando R$ 5,833 milhões, e isso propiciou uma melhoria significativa nos atendimentos sociais", explica a vice-presidente da Ramacrisna, Solange Bottaro.

Também na lista das 100 melhores ONGs do Brasil, a organização desenvolve projetos de arte, cultura, educação, aprendizagem, profissionalização, geração de trabalho e renda em dez cidades da região metropolitana de Belo Horizonte.

Em 2016, a entidade atendeu 91.935 pessoas de seis a 80 anos, sendo 13.455 em sua sede e 78.480 em parceria com o Poder Público. Para dar conta dessa demanda, 251 colaboradores trabalham na Ramacrisna, sendo 195 em regime de CLT, 55 voluntários e um terceirizado.

A gestora informou que a ONG está em pleno trabalho de ampliação da geração de renda própria com a criação de uma nova unidade produtiva que trará como valor agregado um forte impacto social, proporcionando aos moradores atendidos ações de qualificação profissional, geração de emprego e renda, microempreendedorismo e desenvolvimento de lideranças comunitárias.

Trata-se do projeto Própolis – Polímeros para Inclusão Social, desenvolvido para resolver o problema da destinação do material plástico de resíduos eletroeletrônicos, que passará a ser utilizado no processo produtivo de aquecedores solares eficientes e duráveis, em empreendimentos sociais.

O projeto conta com a parceria da Universidade Federal de Minas Gerais, por meio do Laboratório de Polímeros do Departamento de Engenharia Química, do Comitê para Democratização da Informática (DCI), Missão Ramacrisna e Minas Gerais Educação (Centros Universitários UNA e UNI, em BH), com financiamento da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

"A busca da autossustentabilidade está intimamente ligada a uma gestão profissional, e quando usamos essa palavra não estamos dizendo que atuamos como uma empresa, mas sim que procuramos nos processos empresariais formas de atuação que potencializem o uso dos recursos e que gerem prestações de contas extremamente fidedignas", complementa Solange.

Ambiente Virtual

As ONGs também têm apostado cada vez mais na operação de lojas virtuais com todas as ferramentas necessárias ao e-commerce. Outras entidades, no entanto, têm projetos ainda incipientes, mas já entenderam a importância dessa ferramenta para alavancar a entrada de recursos.

Presidida pela administradora de empresas Cláudia Bonfiglioli, a Casa Hope, que atende crianças e adolescentes com câncer, também obtém parte de seus recursos por meio de concorridos eventos beneficentes, do Bazar Permanente sediado no número 918 da Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, na Vila Mariana, zona sul da capital paulista – e da loja virtual a partir de uma plataforma de venda social, a Likestore.

Além de links para doações a projetos mantidos pela instituição, a loja vende itens com o famoso panda de pelúcia, símbolo da entidade, como camisetas, chaveiro, canetas, estojo, bloco de anotações, nécessaire, squeeze e pulseira, além do livro da Casa Hope. Os preços variam dentro de uma média de R$ 5,00 a R$ 60,00, e a renda é revertida para crianças e adolescentes com câncer, transplantados de medula óssea, rim e fígado.

Já a Associação Reciclázaro ampliou esse alcance quando fechou uma parceria com a plataforma Lomadee, agência especializada em marketing de afiliados. A partir do próprio site da entidade, os internautas interessados em comprar produtos podem escolher entre 73 varejistas que atualmente fazem parte de uma lista.

Ao clicar no link da loja selecionada, os clientes são direcionados para a página dos produtos disponíveis. Cinco por cento do valor da venda são repassados à ONG, geralmente três meses após a compra. Iniciada no final de 2016, por enquanto a parceria gera R$ 150,00 por mês, valor considerado ainda baixo, mas que deve crescer com a maior divulgação. A plataforma também recebe uma porcentagem da venda por direcionar o internauta.

A entidade também mantém uma loja virtual própria, em que são comercializados produtos fabricados pelas pessoas atendidas pela organização e todo o recurso obtido com as vendas é destinado a eles.

"A busca por ferramentas que ajudem as ONGs a atingir a autossuficiência, incluindo a implementação de boas práticas de gestão e estratégia de desenvolvimento, é um processo irreversível, indispensável para a manutenção e a sobrevivência das próprias entidades, dados os inúmeros desafios por elas enfrentados, desde a captação de recursos e patrocínio até a otimização dos instrumentos necessários para a longevidade destas", reconhece José Marcelo Braga Nascimento, advogado e presidente da Associação Reciclázaro.

Sócio-fundador do Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados, que presta assessoria jurídica pro bono para a instituição, o advogado também preside a Federação de Amigos de Museus do Brasil (Feambra) e a Associação Eu Amo o Brasil (EAB).

Inaugurada em 2014, a loja on-line da Associação Saúde Criança comercializa cerca de 70 tipos de produtos, divididos em categorias para bebês, bolsas e acessórios, bonecas, infantis (bolsas, kit giz de cera e lápis de cor, porta talher, toalha e sacochila) e itens institucionais como caneca, caderno e pingente. O ticket médio é de R$ 50,00.

"A ideia é também realizar seminários nacionais e internacionais com o objetivo de trabalhar o conceito social dos determinantes sociais da saúde, transformação e inovação social", salienta a diretora-executiva da ONG, Cristiana Ferreira Velloso, realçando que a área de produtos vendidos pela organização também emprega famílias que já foram atendidas, ação que diversifica a geração de renda, dando maior independência das doações.

LINKS: http://www.euamoobrasil.org.brhttp://www.feambra.orghttp://www.hope.org.brhttp://www.likestore.com.brhttp://www.lomadee.comhttp://www.ramacrisna.org.brhttp://www.zaro.org.brhttp://www.saudecrianca.org.br

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