Métricas de impacto exageradas: o preço da falta de transparência no Terceiro Setor

Por: Instituto Filantropia
05 Novembro 2025 - 00h00


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Por ZEPPA [Marcio Zeppelini]

No competitivo ecossistema do Terceiro Setor, em que cada edital, parceria ou doação é disputado com afinco, as métricas de impacto se tornaram o principal cartão de visitas das organizações. O número de beneficiários alcançados, de refeições servidas, de jovens formados ou de árvores plantadas é sinônimo de eficiência.

Contudo, o que era para ser uma ferramenta de transparência e accountability está, em muitos casos, se convertendo em uma corrida por números cada vez mais inflados e nem sempre verdadeiros. A tentação de mostrar resultados grandiosos, somada à pressão de captar recursos, pode colocar em risco o ativo mais precioso de uma OSC: sua credibilidade.

O problema é que o impacto social não se mede apenas em quantidade. É fácil afirmar que “mudamos a vida de 10 mil pessoas”. O difícil é demonstrar como essa mudança ocorreu e se foi, de fato, transformadora. Muitos relatórios institucionais apostam em dados amplificados, às vezes baseados em estimativas imprecisas ou em somas indevidas (como contar o mesmo beneficiário várias vezes). Essa prática, ainda que pareça inofensiva ou estratégica para “vender bem” o projeto, mina a confiança de financiadores e parceiros mais atentos, que cada vez mais valorizam a qualidade dos resultados, e não a magnitude numérica.

Por trás das métricas exageradas há um dilema ético e comunicacional. Ao inflar números, uma OSC assume o risco de romper o pacto de honestidade com seu público e com a sociedade. No curto prazo, pode até garantir a aprovação de um projeto ou o aplauso em uma prestação de contas; no longo prazo, porém, constrói uma imagem frágil e vulnerável a qualquer auditoria, avaliação externa ou simples comparação com resultados concretos. Em tempos de redes sociais e de crescente fiscalização sobre a gestão das OSCs, bastam poucos indícios de inconsistência para comprometer anos de reputação.

Com toda a minha experiência no Terceiro Setor, já vi de tudo. Não faltam exemplos de casos que ilustram bem esse risco, o qual pode atingir qualquer organização que atue fora dos limites éticos — seja por desconhecimento das normas, seja de forma deliberada. Embora os casos relatados abaixo não sejam propriamente reais, eles podem ocorrer na prática.

Ao divulgar seu relatório anual, uma OSC apresenta números de “pessoas beneficiadas” três vezes superiores aos registrados no ano anterior, sem qualquer aumento proporcional no orçamento ou nas atividades. Uma auditoria independente pode constatar que os dados incluem públicos que apenas haviam participado de eventos informativos de curta duração, sem vínculo real com o programa principal. Percebe o problema?

Outro exemplo: uma OSC anuncia impactar “centenas de escolas” com seu projeto educacional. Mas, na prática, o número apresentado corresponde meramente ao envio de materiais impressos, sem qualquer acompanhamento pedagógico. Com isso, a reputação dessa organização e a confiança nela depositada poderão sofrer um profundo abalo.

Na área ambiental, outro exemplo emblemático. Uma OSC divulga o “plantio de milhares de árvores por mês”. A comunicação pode ser visualmente impecável, o que viraliza com facilidade. Mas a contagem inclui mudas doadas a prefeituras e a empresas, sem garantia de plantio ou manutenção. O projeto, embora bem-intencionado, pode ser acusado de “maquiar” resultados com essa prática.

Esses exemplos mostram que o problema não está apenas na manipulação intencional dos números, mas também na falta de rigor técnico e de compreensão sobre o que significa, de fato, medir impacto. Muitas vezes, a distorção nasce do desconhecimento, da ausência de processos padronizados de monitoramento e avaliação, ou da pressão para apresentar resultados rápidos a financiadores impacientes.

Ditadura das métricas

A cultura da “hiperperformance” contamina o ambiente interno das organizações. Equipes passam a sentir que o mais importante é atingir metas numéricas, mesmo que isso signifique distorcer metodologias ou reduzir o foco em atividades de real impacto.

Em alguns casos, programas sociais são ajustados para gerar dados mais impressionantes, ainda que percam profundidade e relevância. É o efeito colateral da chamada “ditadura das métricas”: quando os indicadores passam a ditar o propósito, e não o contrário.

Há também um aspecto estrutural que alimenta essa distorção. Muitas vezes, os próprios financiadores, sejam públicos ou privados, exigem relatórios recheados de números fáceis de comunicar, o que induz as OSCs a simplificarem a complexidade de seus impactos.

A lógica da “visibilidade” acaba substituindo a da “transformação”. E assim, a cada ciclo de captação, reforça-se a ideia de que o sucesso institucional está atrelado ao tamanho das cifras e dos alcances, e não à profundidade das mudanças geradas. A consequência é um ecossistema que premia a retórica do resultado em detrimento da autenticidade do processo.

Mas há caminhos mais saudáveis e sustentáveis para lidar com a necessidade de demonstrar impacto. O primeiro deles é investir em métricas qualitativas e mistas, que contemplem não apenas quantos foram atendidos, mas como e com que intensidade as vidas foram afetadas.

Um projeto que forma 100 jovens com empregabilidade real e acompanhamento posterior pode ter impacto muito mais relevante que outro que forma mil sem medir resultados concretos. O uso de metodologias de avaliação reconhecidas, como a Teoria da Mudança, o SROI (Social Return on Investment) ou indicadores ESG adaptados ao contexto social, pode ajudar a construir narrativas embasadas e verificáveis.

Outro caminho é a transparência radical. Admitir limitações, erros e aprendizados não fragiliza uma organização. Ao contrário, reforça sua maturidade institucional. Financiadores mais experientes sabem que o impacto social é complexo, cheio de nuances e desafios imprevisíveis. Ao reconhecer que nem tudo sai como o planejado, a OSC demonstra honestidade e capacidade de aprimoramento. É esse tipo de autenticidade que fideliza parceiros no longo prazo.

Também é fundamental repensar a comunicação de resultados. Em vez de focar apenas em grandes números, as OSCs podem valorizar histórias de transformação real, estudos de caso, depoimentos e evidências qualitativas. A emoção e a verdade de um relato bem construído podem ser mais convincentes que uma planilha cheia de zeros. O segredo está em equilibrar emoção com dados, narrativa com evidência, impacto com coerência.

Além disso, é hora de investir na formação das equipes em mensuração de impacto e ética na comunicação de resultados. Muitos erros decorrem mais da falta de capacitação do que da má-fé. Uma equipe treinada para compreender as diferenças entre “alcance” e “impacto”, ou entre “atividade” e “resultado”, é capaz de construir relatórios mais precisos e narrativas mais responsáveis. A profissionalização dessa área é, hoje, uma necessidade estratégica.

Por fim, cabe aos captadores de recursos e gestores de OSCs liderar uma mudança cultural. A ética da mensuração deve ser parte da governança organizacional, com políticas claras sobre coleta, validação e divulgação de dados. Devem ser criados mecanismos internos de checagem e auditoria, para evitar que a pressão por resultados contamine a integridade das informações. E, sobretudo, é preciso compreender que o valor de uma organização não está em “quantos” ela ajuda, mas em quanto sentido ela produz.

Inflar métricas pode render manchetes e aplausos momentâneos, mas cedo ou tarde o balão esvazia. E, quando isso acontece, dificilmente há gráfico que recupere a confiança perdida. O impacto real é o que permanece quando os holofotes se apagam, e é nele que o Terceiro Setor precisa insistir se quiser continuar transformando o mundo de forma legítima, sustentável e duradoura. Isso, sim, é #FazerAcontecer com impacto!

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Marcio Zeppelini, ou simplesmente ZEPPA, é muito mais do que um empresário e empreendedor social – é uma verdadeira força motriz de inspiração e transformação! Com mais de 30 anos de trajetória, ele carrega no DNA a atitude de #FazerAcontecer, liderando projetos que deixam marcas profundas no mundo. À frente da Rede Filantropia, organizou mais de 2.000 eventos que conectaram e impactaram milhares de pessoas. Como diretor-executivo da Zeppelini Editorial, é responsável pela publicação de mais de 200 mil páginas de conteúdos técnicos e científicos que disseminam conhecimento e geram impacto. Além disso, já inspirou plateias em mais de 400 palestras realizadas em 10 países, motivando pessoas a descobrir seu propósito e transformar sonhos em ação.


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