Por Amanda Maciel.
*Por Bruna Lopes
Toda roda de capoeira começa com o toque do berimbau e a ginga do corpo. Mas quando o grupo quer expandir seus movimentos e ir além da roda, buscando promover maior impacto social, uma pergunta surge no meio do jogo: será que vale mesmo a pena virar uma associação, uma Organização da Sociedade Civil (OSC)? Com CNPJ e tudo?
A resposta não é tão direta como um martelo bem aplicado – envolve a ponderação de escolhas, responsabilidades, e, claro, visão de futuro. Essa é uma decisão estratégica que pode mudar os rumos do grupo, oferecendo oportunidades, mas também trazendo novas exigências.
Nos últimos anos, a capoeira tem se fortalecido significativamente, impulsionada pelo reconhecimento como patrimônio cultural imaterial do Brasil e da humanidade¹²³. Além disso, avanços legais – como a Lei nº 13.019/2014⁴ e a Lei nº 14.903/2024 – e o novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura (Lei nº 14.903/2024)⁵ – têm contribuído para a inserção, cada vez maior, da capoeira nas agendas de programas governamentais e não-governamentais.
Nesse sentido, a formalização como OSC abre mais possibilidades para acesso a editais e financiamentos públicos, que podem garantir a continuidade e o crescimento das atividades do grupo ou coletivo. Da mesma forma, ter um CNPJ confere mais credibilidade na busca pelo apoio de empresas privadas. Outro ponto positivo é a segurança jurídica: com a documentação em dia, além de gestão administrativa e contábil, o grupo passa a ter mais proteção e clareza nas relações com parceiros e com a própria comunidade.
Alguns exemplos mostram que a formalização pode trazer bons resultados. O Instituto Brasileiro de Capoeira Educação (IBCE), fundado em 2016, desenvolve ações de educação, inclusão e cultura voltadas a populações vulneráveis⁶. Em 2023, conquistou reconhecimento em editais e prêmios, atuando como referência entre as OSCs culturais no Brasil⁷. Da mesma forma, entidades como o Grupo Nzinga de Capoeira Angola e a ABADÁ Capoeira alcançaram projeção internacional após se organizarem formalmente⁸⁹, demonstrando como a estrutura administrativa pode potencializar a missão cultural e social da capoeira. Em São Paulo, grupos que se organizaram formalmente passaram a participar de festivais maiores e a integrar redes de Pontos de Cultura, fortalecendo o movimento local¹⁰¹¹.
É importante reconhecer, contudo, os desafios que acompanham esse processo. A formalização exige uma série de etapas: elaboração de estatuto, registro em cartório, abertura de CNPJ, organização de diretoria e manutenção contábil.
Mas não para por aí! Há exigências legais contínuas após a constituição, como prestação de contas, relatórios financeiros e realização de assembleias. Para grupos pequenos ou comunitários, isso pode representar um peso significativo, desviando o foco da prática cultural para questões burocráticas.
Não se pode esquecer, ainda, que o processo de formalização envolve custos como taxas cartorárias para registro do estatuto, assessoramento- inicial- jurídico e contábil, e que, após a constituição da entidade, devem ser consideradas, ao menos, as despesas com tributos e com o serviço permanente de contabilidade.
Para aqueles que ainda não se sentem prontos para dar esse passo da formalização, existe a possibilidade de participar de cadastros municipais de cultura. Muitos municípios criaram sistemas para reconhecer oficialmente grupos e coletivos culturais, mesmo sem CNPJ, a partir da apresentação de documentos mais básicos. Essa alternativa possibilita o acesso a alguns editais e benefícios locais, além de dar visibilidade ao trabalho do grupo.
Dessa forma, é possível iniciar uma caminhada institucional de maneira gradual: primeiro por meio do cadastro cultural local, depois, se houver estrutura e vontade coletiva, pela formalização como OSC. A escolha depende dos objetivos do grupo e de sua capacidade de cumprir obrigações administrativas.
O importante é que cada grupo escolha o caminho que melhor preserve seu compromisso com a capoeira, com sua comunidade e com os valores que o sustentam – respeitando suas raízes e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para crescer. Seja como associação formalizada ou como coletivo independente, o essencial é manter viva a tradição, o axé e a ginga que fazem da capoeira um instrumento de transformação pessoal e social.
Dúvidas sobre a formalização de sua iniciativa, projeto, grupo ou coletivo? Escreve pra gente: www.osclegal.org
*Bruna Lopes é advogada, especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário, com atuação destacada em Direito do Terceiro Setor, negócios públicos-privados e Licitações e Contratos. Tem experiência como gestora e técnica em políticas públicas sociais. É membra das Comissões de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP e da OAB/BA.
Esse conteúdo foi originalmente publicado por OngNews, em 18 de Julho de 2025.