Democracia, Controle Social e Direitos Humanos

Por: Célio Vanderlei Moraes, Francisca Rodrigues Pini
22 Fevereiro 2018 - 00h00

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No contexto da redemocratização, conquistamos um novo ordenamento jurídico, que traz como centralidade a participação popular nos processos decisórios. Desse modo, nos anos 1990, no Brasil, iniciou-se um período de conquista do ponto de vista jurídico para a ampliação da participação social assegurada nos documentos da Constituição Federal, na Lei Orgânica da Saúde, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e em um conjunto de princípios e diretrizes que colocam as políticas sociais como dever do Estado e sua construção de forma articulada com a sociedade, por meio de representações da sociedade civil. Essa conquista se materializou, ao longo de duas décadas, de forma insatisfatória, em decorrência do enfraquecimento do Estado pela ofensiva neoliberal, que, de maneira avassaladora, instaurou seu ideário de privatização e redução do Estado na garantia de políticas sociais a todos os cidadãos.

O cenário da década de 1990 exigiu profundas mudanças no interior dos movimentos sociais, bem como a convivência com novos atores na arena política. Diversas estratégias foram formuladas pelas lideranças e pelos movimentos como parte da disputa política de alguns processos como: participação em Conselhos, assunção de cargos nos executivos, assessoria de parlamentares, a institucionalização de alguns movimentos, atuação em redes, construção de agendas comuns e a correlação de forças para assumir a condução política do processo, que têm feito parte de um novo momento político no campo das lutas sociais.

Ao analisarmos a conjuntura da política brasileira, percebemos que há fragilidade do sistema político democrático. Dentre os vários motivos, citamos a qualidade da classe política que, em sua maioria, não tem compromisso com o bem comum, o que dificulta o fortalecimento dos aparelhos do Estado, cuja função é assegurar e garantir os direitos sociais, econômicos, políticos, ambientais e culturais a toda a sociedade.

A estratégia para o enfreamento ao grande capital está centrada na disputa por projetos que demarquem a posição no plano político, a participação ativa e efetiva dos sujeitos no sentido de romper com a centralidade do poder, sempre decidida pelas cúpulas, conforme compreensão de Gramsci (filósofo, italiano, que morreu no cárcere, em 1937). Para ele, o caminho e os instrumentos a serem utilizados para acessar o governo pressupunham uma relação de transparência educativa e transformadora das relações socioeconômicas para alcançar a plena democracia. Essa construção romperia com os caminhos e os instrumentos adotados pela hegemonia burguesa.

Há diferentes formas de caracterizar a democracia, ultrapassando-se a ideia de um regime político identificado à forma de governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade. Uma sociedade é democrática quando institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos, e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social se realiza como luta social e, politicamente, como um contrapoder social que determina, dirige, controla, limita e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.

Fundada sob a noção de direitos, a democracia está apta a diferenciá-los de privilégios e carências. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem se universaliza sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica, que desemboca em uma demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se ou universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular ou específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque, embora diferenciado, é reconhecido por todos.

Essa formulação nos permite compreender que a democracia transcende o direito ao voto, visto que isso não assegura à população participar ativamente nos processos decisórios de seu país. O processo de decisões políticas, dessa maneira, deverá propiciar que todos tomem consciência de sua situação singular e coletiva, mobilizando os sujeitos para a luta contra a barbárie e em defesa do projeto de emancipação humana.

Com base nos princípios da participação popular e da democracia participativa, conquistamos um conjunto de leis e diretrizes que nos oferecem instrumentos para a luta social, mas é preciso observar que as leis, por si só, não bastam. É necessária ampla organização e articulação dos movimentos sociais e sindicais para exercer o controle social das questões públicas.

Nesses 28 anos de Constituição Federal, conquistamos um conjunto de valores e princípios que buscam romper com a cultura de não ter direitos e pela afirmação do estado democrático de direito. Entretanto, a trincheira cultural é a maior barreira a ser vencida, tendo em vista que interferir nas estruturas da sociedade exige ação política e luta social permanente com o conjunto da sociedade.

Por isso, há necessidade de relacionar democracia e direitos humanos nessa contraditória sociedade capitalista, para que possamos construir novos enfrentamentos, por meio das lutas sociais, e para que os direitos humanos tenham incidência efetiva na vida pública do país. É preciso afirmar esses direitos inseridos no debate crítico acerca das múltiplas questões que envolvem a realidade social, como reconhecer a diversidade cultural, de crenças e étnicas; o direito à saúde, à educação pública, ao trabalho, o direito de se expressar, enfim, tudo o que afeta a coletividade.

O desafio posto à sociedade brasileira é o de construir uma sociedade democrática e popular, por meio de processos dialogados que contemplem o pluralismo sem perda da vontade e dos interesses da maioria.

O Estado brasileiro, com os sucessivos escândalos de corrupção de alguns setores públicos, põe em discussão a questão ética dos órgãos públicos, somada ao distanciamento da socialização do poder em decorrência de um modo de governar que pouco possibilita a participação popular.

Os desafios deste século, entre tantos, são: trazer o horizonte da esfera pública como caminho para a emancipação política; romper com a alienação construída na sociedade, pois sem superação da alienação do trabalho e da exploração do trabalho não é possível discutir a questão da emancipação humana; e reacender a indignação nas pessoas para que consigam empreender lutas sociais. Tendo como base as condições objetivas dessa sociedade, pode-se lutar por garantias socioeconômicas por meio do Estado e, progressivamente, conquistar mecanismos de acompanhamento, controle e deliberação de suas ações, rumo a outro projeto societário.

Desse modo, o controle público é o conteúdo político do controle social, na medida em que as representações da sociedade civil ocupam os espaços políticos para disputar projetos societários e não de interesses privados e dos governos. Refletir, debater e formular políticas públicas tem a ver com o cotidiano e com a realidade social; as técnicas e os procedimentos são complementares na elaboração. Por isso, a maior parte dos órgãos públicos participativos é paritário; essa conquista faz parte do patrimônio político brasileiro.

Os desafios dos espaços políticos de participação são muitos, mas vale destacar os que mais nos preocupam na atualidade:

  1. o sentido e o significado que atribuímos aos espaços de representação;
  2. como construímos posições nesses espaços;
  3. qual é a interlocução desses espaços com a sociedade;
  4. como os espaços dialogam sistematicamente com o conjunto da sociedade;
  5. como a sociedade alimenta esses espaços, e, por fim,
  6. qual é a base de dados que existe nesses espaços para a formulação de políticas públicas?

A construção da cultura dos direitos nos exige mudanças de concepções. É preciso reafirmar nosso compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos e da democracia, com clareza política, rigorosidade metódica, participação social e ampliando cada vez mais os espaços de construção do poder popular para assegurar o controle do que é público e ampliar os direitos sociais, políticos, civis, econômicos e ambientais.

 

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