Contabilidade e o 'Lucro' Das Entidades Do Terceiro Setor

Por: Régis Monteiro Ferreira, Warley de Oliveira Dias
19 Novembro 2017 - 00h00

2525-internaEm certos momentos (na maioria das vezes, em palestras e seminários que ministramos), surge uma indagação: uma entidade do Terceiro Setor, seja associação ou fundação, atuando em educação, saúde, assistência social, meio ambiente ou qualquer outra atividade, pode ter lucro? E a resposta é sempre a mesma: Claro, pois não podemos esperar que as entidades apresentem sempre resultados negativos ou mesmo deficitários em suas informações contábeis, até porque, se isso acontecer de forma recorrente, é prenuncio que ela está perto de fechar as portas.

Diante dessas questões, a premissa inicial que temos de ter em mente é que o lucro (ou o prejuízo), ou seja, o "resultado" de qualquer empresa (incluindo, nesse caso, empresas privadas e entidades do Terceiro Setor, além de entidades públicas), é consequência da subtração de duas variáveis: receita e despesa. Assim, a empresa auferirá "lucro" quando a soma das receitas ultrapassar as despesas; caso contrário, (receitas inferiores as despesas) terá "prejuízo".

Dessa forma, o resultado obtido pelo confronto das receitas e das despesas está relacionado a um dos principais e essenciais objetivos empresariais que é o lucro, que impacta diretamente no patrimônio das entidades e, consequentemente, sua continuidade operacional.

A análise de receitas e despesas nas informações contábeis demonstra o desempenho das organizações no período e são fundamentais para o entendimento das operações da entidade, representando um dos principais pilares da informação da contabilidade para tomada de decisões, devendo sempre ser precedidas de fundamentação técnica e uma base conceitual sólida.

A contabilidade, por meio das normas NBC TG 30 – que trata de receitas – e NBC TG 00 – que trata da estrutura conceitual, estabelece as definições de receitas e despesas, abordando em especial de aspectos de quando reconhecer e em que montante reconhecer as receitas e despesas.

Os itens 4.29 e 4.30 da NBC TG 00 definem os conceitos de receitas que, resumidamente, estão relacionados aos vários tipos de "entradas" (no momento ou no futuro) que representam o aumento de benefícios econômicos provenientes de quaisquer operações das instituições. Adicionalmente, a NBC TG 30 estabelece que a receita deve ser mensurada pelo valor justo da contraprestação recebida ou a receber.

Assim, as normas contábeis determinam que as receitas devem ser reconhecidas quando forem satisfeitas todas as condições a seguir:

  • A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e os benefícios mais significativos inerentes à propriedade dos bens vendidos;
  • A entidade não mantenha envolvimento continuado na gestão dos bens vendidos em grau normalmente associado à propriedade e tampouco efetivo controle sobre tais bens;
  • Quando o estágio de execução (stage of completion) da transação ao término do período de reporte puder ser mensurado com confiabilidade;
  • O valor da receita possa ser mensurado com confiabilidade;
  • For provável que os benefícios econômicos associados à transação fluirão para a entidade;
  • As despesas incorridas ou a serem incorridas, referentes à transação, possam ser mensuradas com confiabilidade.

Por outro lado, os itens 4.33 e 4.34 da NBC TG 00 definem os conceitos de despesas que, resumidamente, estão relacionados aos vários tipos de "saídas" (no momento ou no futuro) que representam a diminuição de benefícios econômicos provenientes de quaisquer operações das instituições.

O item 4.50 da NBC TG 00 diz que as receitas e as despesas devem ser contabilizadas e reconhecidas de forma associada, confrontando as despesas com suas respectivas despesas (regime de competência), envolvem o reconhecimento simultâneo ou combinado de receitas e despesas que resultem diretamente ou conjuntamente das mesmas transações ou outros eventos.

No que tange as regras especificas para o Terceiro Setor, a ITG 2002 – que trata de critérios e procedimentos específicos de entidade sem finalidade de lucros – estabelece em seu item 12 que as receitas decorrentes de doação, contribuição, convênio, parceria, auxílio e subvenção por meio de convênio, editais, contratos, termos de parceira e outros instrumentos, para aplicação específica, mediante constituição ou não de fundos, e as respectivas despesas devem ser registradas em contas próprias, inclusive as patrimoniais, segregadas das demais contas da entidade.

Assim, é possível perceber que chegar na última linha da Demonstração de Resultado e encontrar o tão desejado lucro é fruto da adequada aplicação de conceitos e procedimentos contábeis. Contudo, muitas entidades do Terceiro Setor não têm apresentado o atendimento mínimo aos requisitos contábeis referentes ao reconhecimento de receitas e despesas.

Como exemplo, pesquisas recentes apontaram que 1/3 de templos religiosos no Estado de Pernambuco não realizava reconhecimento mensal das receitas e das despesas por competência; que quase 50% das entidades goianas pesquisadas em 2013 não realizavam adequadamente os critérios de apuração de receitas e despesas com gratuidades, doações, subvenções, contribuições e aplicações de recursos; além de revelar que apenas 24% das entidades vinculadas ao Conselho Municipal de Assistência Social de Passo Fundo (RS) apresentavam as receitas e as despesas segregadas por área de atuação.

Assim, gestores e contadores do Terceiro Setor precisam priorizar a efetiva adoção dos critérios de cálculo e apresentação dos itens que afetam o resultado do exercício e o patrimônio de suas entidades (receita e despesas), pois não há mal algum em ter lucro; o problema é ter e apresentar um resultado que não condiz com a realidade.

É importante lembrar que lucro é sempre lucro, independente de como ele seja "apelidado" (por exemplo: sobra ou superavit).

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