Cofins

Por: Marcos Biasioli
01 Outubro 2005 - 00h00

As entidades beneficentes de assistência social e educação estão sendo autuadas pela Receita Federal do Brasil por não recolherem aos cofres públicos a Cofins incidente sobre as receitas não próprias, tais como locação de imóveis e ativos financeiros, além de atividades com contrapartida financeira, sob fundamento de que estão violando a instrução normativa n° 247/021, que aduz no art. 47 o seguinte:

“As entidades relacionadas no art. 9º desta instrução normativa: I – não contribuem para o PIS/Pasep incidente sobre o faturamento; e II – são isentas da Cofins em relação às receitas derivadas de suas atividades próprias. Parágrafo 2º – Consideram-se receitas derivadas das atividades próprias somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.”


Retrospectiva legal

A Constituição Federal de 1988 inovou, se comparada com as constituições pretéritas, trazendo uma política social de caráter público, regulando a ordem econômica, a competência e o financiamento das ações sociais. Ao prever o último assunto, ou seja, o financiamento, impôs por meio do art. 195 que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – dos empregados, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II – dos trabalhadores...”.

À guisa de estender a base de cálculo das contribuições sociais, o texto primitivo da Carta Política foi alterado pela Emenda Constitucional n° 20/98, cujo teor dos incisos do art. 195 assim ficaram: “I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento...”.

Com o intuito de buscar uma fonte de custeio para a seguridade social, a esteio da previsão do referido art. 195, da CF/88, foi sancionada a Lei Complementar n° 70/91, que institui a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que veio substituir o Finsocial, criado em 1982 por meio do Decreto-lei n° 1.940/82. O art. 6° da referida LC 70/91 dispunha que estariam isentas da Cofins: inciso III: “as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.

Em 27 de novembro de 1998, foi editada a lei 9.718, regulando a matéria tributária, majorando a alíquota da Cofins de 2% para 3% e ampliando a base de cálculo da incidência tributária, pois a lei determinava que a contribuição deveria incidir sobre a receita bruta e não sobre o faturamento, que são distintos. Isso porque o faturamento advém de fatura, ou seja, decorrente da venda, e a receita bruta engloba não só o produto de venda, mas também outras entradas, tais como rendimentos financeiros, frutos de locações e/ou arrendamento de bens, ganhos de capital etc. Assinala-se que a mencionada lei 9.718/98 não recepcionou a isenção outorgada pela LC 70/91 às entidades beneficentes de assistência social, porém também não a revogou.

Por advento do art. 14, inciso X, da medida provisória nº 1.807/99 (atual MP n° 2.158- 35, de 24 de agosto de 2001), foi reconhecida a isenção da Cofins decorrente das receitas relativas às atividades próprias das instituições de: (a) educação e assistência social (imunes nos termos dos arts. 150, inciso VI, alínea c, e 195, parágrafo 7º, da CF); (b) instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e associações isentas ao Imposto de Renda e CSLL (vide art. 15 da lei 9.532/97); (c) fundações de direito privado criadas pelo poder público.

Em face da previsão contida na medida provisória, a Secretaria da Receita Federal2 baixou a fatídica instrução normativa n° 247/02, que prevê no seu art. 47, como mostrado, a restrição da isenção a receitas derivadas tidas como não-próprias, ou seja, aquelas derivadas de vendas e outros rendimentos, que não originários de seus doadores e associados.

Em outubro de 2003, foi editada nova medida provisória de n° 135, que criou a Cofins não-cumulativa3, o que resultou na obrigatoriedade do recolhimento da contribuição na base de 7,6% sobre o faturamento, sendo excetuada apenas as entidades beneficentes imunes a impostos (assistência social e educação, que preenchem o disposto nos arts. 9° e 14° do Código Tributário Nacional), que continuaram obrigadas a recolher 3%, porém, somente das receitas advindas de atividades não próprias.

Já em 29 de dezembro de 2003, a referida MP foi convertida na lei 10.833, que manteve a sistemática anterior de regulação da Cofins, ou seja, aquela prevista na MP 2.158-35, que impunha o recolhimento de 3% a incidir sobre as referidas atividades não-próprias, a qual é válida até então.


Conclusão da Receita Federal

A Receita Federal já se manifestou sobre o assunto por meio de Consultas Públicas. “As entidades isentas estão sujeitas à incidência não-cumulativa da Cofins sobre as receitas não relativas às atividades próprias. Não integram a base de cálculo da Cofins as receitas nãooperacionais decorrentes da venda de bem do ativo permanente.”

“A pessoa jurídica isenta da Cofins sobre as receitas das atividades próprias fica submetida ao regime da não-cumulatividade dessa contribuição, a partir de fevereiro de 2004, quanto à totalidade das receitas não oriundas da atividade.

A partir de 2 de agosto de 2004, ficou reduzida a zero a alíquota da Cofins incidente sobre as receitas financeiras das pessoas jurídicas sujeitas à não- umulatividade, exceto as receitas oriundas de juros sobre capital próprio e as decorrentes de operações de hedge.”

“As receitas financeiras auferidas por associações civis sem fins lucrativos que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, a que se refere o art. 15 da lei n° 9.532, de 1997, visto não serem relativas às suas atividades próprias, são tributadas pela Cofins.

Consideram-se receitas derivadas das atividades próprias somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.

Tais entidades sujeitam-se à incidência não-cumulativa da contribuição em apreço, vez que dela não foram legalmente excluídas. Porém, a partir de 2 de agosto de 2004, fica reduzida a zero a alíquota da citada exação incidente sobre as mencionadas receitas financeiras (exceto as oriundas de juros sobre capital próprio e as decorrentes de operações de hedge), desde que auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas, ainda que apenas em parte, ao regime de cobrança não-cumulativa da contribuição.”

“Em conclusão a Receita Federal tem entendido que a receita não proveniente das atividades próprias é tributada pelo princípio da não-cumulatividade, ou seja, em 7,6% a incidir sobre a receita de atividades não próprias.”


O que muda em face das últimas decisões do STF?

No recente julgamento dos Recursos Extraordinários n° 346.084, 357.950, 358.273 e 390.840, havidos em 9 de novembro de 2005, o Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou como inconstitucional o art. 3° da lei 9.718/98, que, como vimos, ampliou a base de cálculo do recolhimento da Cofins, pois igualou a definição de faturamento à receita bruta.

Na prática, as pessoas jurídicas que recolheram a contribuição com base na receita bruta, e não no faturamento, poderão perseguir igual tutela na justiça para restituir o valor pago a mais ou, caso estejam sendo cobradas por tal diferença, poderão escudar sua defesa com base na decisão do STF.

Quanto às entidades beneficentes, o ponto nuclear a ser abstraído do mérito das decisões do STF é o controle da imunidade tributária que somente pode ser operado por meio de lei complementar4, o que elimina a possibilidade da imposição de requisitos por meio de lei ordinária como, por exemplo, a lei 8.212/91.

No caso da Cofins, a imunidade constitucional das contribuições sociais é total, não há divisão a se auferir entre receitas próprias e não-próprias, pois se nem o legislador ordinário possui tal poder, quiçá o Executivo na edição de Medida Provisória (MP 2.158) e quanto menos a Receita Federal (IN 247/02).

Assinala-se ainda que até mesmo as imposições conferidas pela lei 8.212/91 assomadas pelo decreto 2.536/98 galgaram golpe fulminante, pois são os símbolos do controle da imunidade das entidades beneficentes, e agora, com maior força, poderão ser combalidas na Justiça.

As decisões em foco não são extensivas às entidades beneficentes, pois se tratam de decisões tiradas de outros litigantes, cujos efeitos somente serão aproveitados por eles, e não se prestam a elas, exceto se obedeceram ao tratamento geral e não especial (das entidades imunes) quando do recolhimento da Cofins.

Todavia, no diapasão da discussão acerca da incidência da Cofins, as entidades beneficentes deveriam buscar isoladas ou coletivamente a tutela judicial, visando o reconhecimento da imunidade tributária a incidir sobre a integralidade das receitas auferidas, com o fito de evitar serem surpreendidas por eventual autuação por parte do Fisco Federal, que tem insistido em segregar as receitas para sustentar os autos de infrações.


Conclusão

  1. As entidades beneficentes são imunes a Cofins, entre outros tributos.

  2. São exclusivamente reféns dos requisitos impostos pela Lei Complementar(CTN), segundo o STF, no que se refere à imunidade tributária.

  3. Não precisam se submeter à MP 2.158 e por supedâneo à IN 247/02, desde que o façam por meio judicial.

  4. Como zelo e legalidade, devem incluir em seus estatutos todas as fontes de sustentabilidade, evitando a segregação forçada derivada de eventual autuação.

Por fim, enquanto houver o judiciário, as entidades comprovadamente beneficentes serão preservadas dos ataques de esquizofrenia arrecadatória do Estado, o que me leva a assinalar às palavras do poeta Justice Oliver Wendell Holmes, Jr.: “O poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema” 5.

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