Por ZEPPA
[Marcio Zeppelini]
Cada vez mais pessoas buscam voluntariar-se, dedicando tempo, energia e conhecimento a causas sociais, ambientais e culturais. Como um dos pilares do Terceiro Setor, esse engajamento fortalece a solidariedade e estimula a participação cidadã em projetos que o Estado e o mercado não conseguem atender plenamente.
De mutirões comunitários a mentorias educacionais, o ato voluntário não apenas gera impacto social tangível, como também ajuda a transformar realidades. Ele promove mudanças concretas, fortalece comunidades e inspira a sociedade a #FazerAcontecer uma cultura de corresponsabilidade coletiva, em que cada ação conta para criar um mundo melhor. Contudo, por trás desse cenário positivo há uma polêmica ética: até que ponto é legítimo usar voluntários em atividades que poderiam — ou deveriam — ser desempenhadas por profissionais contratados?
Antes, é bom deixar claro que a Lei nº 9.608/1998 (Lei do Voluntariado) é clara ao definir os limites dessa prática. O artigo 1º considera serviço voluntário “a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.”
A legislação determina ainda que o voluntariado não gera vínculo empregatício, nem obrigações de natureza trabalhista, previdenciária ou afim — desde que a atividade seja realmente gratuita e não substitua trabalho remunerado permanente.
Esse último ponto é o cerne da discussão ética e jurídica que atravessa o cotidiano das OSCs: o uso indevido do voluntariado como estratégia para suprir carências estruturais ou reduzir custos trabalhistas. Embora o voluntariado seja uma força poderosa de transformação e impacto, seu mau uso pode comprometer tanto as organizações quanto os resultados sociais esperados.
A fronteira entre o voluntariado legítimo e o desvirtuamento ético da prática é, muitas vezes, tênue. Em um cenário de restrição orçamentária e dependência de doações, algumas organizações acabam utilizando voluntários para funções técnicas que exigem formação específica e deveriam ser remuneradas.
É comum encontrar casos em que “voluntários” atuam como psicólogos, professores, assistentes sociais, advogados, designers ou comunicadores — e não há nenhum mal nisso. No entanto, desempenham atividades essenciais e contínuas, sem qualquer vínculo contratual ou retribuição financeira. Essa prática não é ilegal, mas, a meu ver, contraria o espírito da Lei do Voluntariado e enfraquece os valores éticos por trás da solidariedade, prejudicando o impacto benéfico que o voluntariado poderia gerar.
Assim, as organizações arriscam sua credibilidade e tampam o verdadeiro papel dessa ação voluntária: #FazerAcontecer transformações sociais de forma ética, responsável e genuína.
O voluntário pode atuar como facilitador, mobilizador, mentor, conselheiro e, principalmente, como multiplicador de boas práticas. Mas precisa haver clareza sobre suas funções e limites. Quando uma organização adota políticas responsáveis de gestão de voluntariado, ela fortalece tanto o compromisso social quanto a integridade institucional.
Dupla jornada
Nem eu, nem os nossos amigos advogados da Rede Filantropia, recomendamos que um funcionário de uma OSC, contratado em regime CLT, atue como voluntário na mesma entidade, mesmo que em atividades distintas (o que minimizaria o risco, mas não o elimina). Isto ocorre porque as atividades configuram vínculos distintos, e a lei não permite que um mesmo empregado tenha dois tipos de vínculo com o mesmo empregador.
Afinal, se um funcionário CLT realizar atividades voluntárias para a mesma organização, há o risco de as horas de trabalho voluntário serem consideradas como horas extras, acarretando custos adicionais para a organização.
Registro contábil
O trabalho voluntário, embora não envolva remuneração, possui valor econômico e social significativo, a ponto de ser reconhecido e obrigatoriamente mensurado pela contabilidade das organizações do Terceiro Setor.
A prestação de serviços por voluntários representa uma contribuição real de horas, competências e recursos que fortalecem a sustentabilidade das OSCs, devendo, portanto, ser registrada de forma transparente e compatível com os princípios contábeis. Essa demonstração permite evidenciar à sociedade, aos órgãos de controle e aos financiadores o verdadeiro alcance das atividades institucionais, incluindo o esforço humano que muitas vezes sustenta programas sociais de grande impacto.
Ao incluir o trabalho voluntário nos demonstrativos contábeis, a organização cumpre uma boa prática de governança e reforça a valorização do engajamento cidadão. Além disso, esse procedimento favorece análises mais completas sobre custos, eficiência e resultados, permitindo que a OSC demonstre que seu impacto vai além dos recursos financeiros movimentados — abarcando também o capital humano solidário que a move.
Ponto de vista ético
Sob o ponto de vista ético, a substituição de profissionais por voluntários gera um conjunto de efeitos que, no mínimo, exige cautela:
- Pode contribuir para a precarização das relações de trabalho, reduzindo oportunidades para profissionais qualificados que dependem dessas atividades como fonte de sustento.
- Cuidar para não desvalorizar as profissões, transmitindo à sociedade a mensagem equivocada de que competências técnicas podem ser oferecidas sem reconhecimento econômico.
- Por fim, atentar para não comprometer a sustentabilidade institucional da própria OSC, que deixaria de investir em estrutura, gestão e profissionalização, tornando-se excessivamente dependente de trabalho gratuito e voluntário — o que fragilizaria sua continuidade no longo prazo.
O voluntariado ético, por outro lado, deve ser compreendido como um complemento, e não um substituto do trabalho profissional. Ele é uma força de apoio, inovação e empatia que agrega valor às equipes técnicas e amplia o alcance das ações sociais.
As OSCs precisam estabelecer critérios objetivos para distinguir os papéis do voluntário e do profissional técnico, delimitando claramente quais atividades podem ser realizadas de forma gratuita e quais exigem contratação. A criação de políticas internas de voluntariado — com supervisão ética, treinamento e acompanhamento — ajuda a evitar conflitos e reforça a imagem de seriedade da instituição perante doadores, beneficiários e órgãos públicos.
Papel dos gestores
Outro aspecto importante é a função dos gestores do Terceiro Setor na profissionalização das OSCs. Sustentabilidade não se constrói apenas com boa vontade, mas com planejamento, captação de recursos e valorização do capital humano. A tentação de substituir profissionais por voluntários para reduzir custos imediatos pode parecer vantajosa, mas, em longo prazo, enfraquece a estrutura organizacional e compromete a qualidade dos serviços prestados.
A ética institucional exige coerência: organizações que defendem direitos humanos, justiça social e dignidade não podem, internamente, reproduzir práticas que negam o valor do trabalho.
O debate sobre o voluntariado, portanto, é mais profundo do que uma simples questão legal. Trata-se de refletir sobre o equilíbrio entre idealismo e profissionalismo. O voluntário é movido por altruísmo e desejo de transformação, mas isso não pode servir como desculpa para mascarar relações de trabalho informais.
O verdadeiro voluntariado nasce do compromisso cidadão — não da necessidade de cortar custos. Cabe aos gestores do Terceiro Setor assegurar que essa fronteira permaneça nítida e respeitada, cultivando um ambiente onde solidariedade e responsabilidade caminhem lado a lado.
Em um país de desigualdades históricas e recursos limitados, o voluntariado é — e continuará sendo — uma força indispensável. No entanto, sua legitimidade depende do respeito à ética, à lei e ao valor do trabalho humano.
Voluntariar é doar-se, não substituir-se. E
somente quando as organizações compreendem essa distinção é que o voluntariado
pode cumprir sua verdadeira missão: transformar a sociedade sem desvalorizar o
profissional que também trabalha por ela.
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Marcio Zeppelini, ou simplesmente
ZEPPA, é muito mais do que um empresário e empreendedor social – é uma
verdadeira força motriz de inspiração e transformação! Com mais de 30 anos de
trajetória, ele carrega no DNA a atitude de #FazerAcontecer, liderando projetos
que deixam marcas profundas no mundo. À frente da Rede Filantropia, organizou
mais de 2.000 eventos que conectaram e impactaram milhares de pessoas. Como
diretor-executivo da Zeppelini Editorial, é responsável pela publicação de mais
de 200 mil páginas de conteúdos técnicos e científicos que disseminam
conhecimento e geram impacto. Além disso, já inspirou plateias em mais de 400
palestras realizadas em 10 países, motivando pessoas a descobrir seu propósito
e transformar sonhos em ação.
Imagine como seria maravilhoso acessar uma infinidade de informações e capacitações - SUPER ATUALIZADAS - com TUDO - eu disse TUDO! - o que você precisa saber para melhorar a gestão da sua ONG?
Imaginou? Então... esse cenário já é realidade na Rede Filantropia. Aqui você encontra materiais sobre:
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