Quem é o captador de recursos no Brasil?

Por: João Paulo Vergueiro
19 Dezembro 2012 - 00h00

Em 1998, um grupo de profissionais do setor social brasileiro constituiu uma delegação para ir ao Congresso Anual da Association of Fundraising Professionals (AFP), na época ainda chamada National Society of Fundraising Executives (NSFRE). A AFP é uma renomada organização americana que congrega mais de 30 mil profissionais de captação de recursos, e seu encontro anual conta com a participação de cerca de 7 mil pessoas.
O grupo de brasileiros ficou perplexo ao se deparar com o nível de profissionalismo e especialização que os americanos tinham desenvolvido na área. Ao longo de três dias, assistiram palestras, participaram de oficinas e mesas redondas sobre as mais variadas facetas do fundraising. Paralelamente ao Congresso ocorria uma feira de produtos e serviços para profissionais de captação de recursos – estandes de software de gestão de doadores, mala direta especializada em captação de recursos, brindes, livros etc. Naquele evento, esses captadores entenderam definitivamente que nos EUA existia uma indústria da captação de recursos ainda não desenvolvida no Brasil.
Um ano depois, esse grupo, juntamente com outros captadores, decidiu criar a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). O objetivo original da ABCR era – e é até hoje – promover, desenvolver e regulamentar a atividade de captação de recursos no Brasil. Treze anos depois, a ABCR vive hoje um momento de crescimento contínuo, iniciado na gestão que tomou posse seis anos atrás e que consolidou dois marcos importantes: 1) A constituição de núcleos regionais – hoje são seis ativos (Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo); 2) A realização, a partir de 2009, de um congresso anual, o Festival Latino-Americano de Captação de Recursos (FLAC).
No caminho da ABCR fortalecendo (ou criando) o setor profissional de captação de recursos no Brasil, é possível identificar, porém, a ausência de muitas características fundamentais no país: boa legislação que incentive as doações, transparência e capacidade das próprias ONGs na gestão da captação e na relação com os doadores, bons fornecedores de serviços para apoiar a captação de recursos, profissionais qualificados e, acima de tudo, informação. Temos no Brasil uma falta crônica de dados históricos organizados e sistematizados sobre as doações, o que torna o trabalho do captador de recursos mais difícil e menos assertivo.
Reconhecendo essa deficiência, o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) formalizou, em 2011, uma parceria com o Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV-CEAPG) para gerar conhecimento para o setor de investimento social e mobilização de recursos no Brasil, por meio da oferta de programas de formação, estudos de casos e pesquisas.
A essa parceria se uniu a própria ABCR e, juntas, as três organizações prepararam uma pesquisa para avaliar o perfil do profissional brasileiro de captação de recursos, suas necessidades e suas perspectivas sobre o futuro. Como não existia um cadastro oficial de captadores no Brasil, já que a profissão não é regulamentada e a própria ABCR começou a estruturar o seu banco apenas nos últimos anos, decidimos fazer a pesquisa com os participantes do FLAC em 2011, e repeti-la na sua última edição, em 2012. Partimos da premissa de que o evento congrega uma boa amostra dos profissionais de captação de recursos em atuação no país, reconhecendo que essa amostra não tem base estatística, mas é bastante representativa.
O resultado produziu o início de uma série histórica que nos permite tentar compreender a evolução desse mercado profissional pouco estudado. Como a série considera somente dois anos (2011–2012), não é possível apontar tendências ainda. Os resultados observados, porém, são bastante interessantes. Vejamos:

  • Foram respondidos 65 questionários em 2011 e 94 em 2012, o que representou cerca de 50% dos participantes das duas edições;
  • Em 2011, quase dois terços dos participantes tinham entre 25 e 44 anos. Já em 2012, as duas faixas etárias juntas somaram quase o mesmo percentual de participantes, porém, houve um ligeiro deslocamento de inscritos para a primeira faixa (25 a 34 anos – 36,5%), quando comparado com a segunda (35 a 44 anos – 25%);
  • O captador de recursos brasileiro é um profissional com grau superior, sendo que apenas 5% (2012) têm graduação incompleta, ou seja, 95% dos profissionais têm graduação, especialização, mestrado ou doutorado. Em 2012, cerca de 20% dos participantes tinham mestrado, doutorado e/ou pós-doutorado;
  • Cerca de 30% dos participantes em 2011 e 23% em 2012 tinham formação superior em Administração. Comunicação foi a segunda formação mais indicada pelos participantes nos dois anos, com 13,4% em 2011 e 20,9% em 2012. Outras opções com maior incidência foram Psicologia, Direito, Engenharia e Serviço Social;
  • Um total de 44,6% dos participantes do FLAC em 2011 e 39,4% dos de 2012 dedicam a maior parte do seu tempo de trabalho – ou a integralidade dela – para a tarefa de captação de recursos.
  • Quando perguntamos como esse profissional se define, percebemos que o mercado é uma verdadeira "Torre de Babel", e não há prevalência significativa de uma ou outra classificação. Em geral, eles se definem como:
    • Captadores de recursos de uma ONG – às vezes, a ONG tem uma área específica de captação de recursos, outras vezes não;
    • Principais dirigentes da ONG, que também captam recursos;
    • Consultores independentes ou profissionais que intermediam doações – normalmente são profissionais comissionados (o que é considerado inadequado pelo Código de Ética da ABCR);
    • Voluntários.
  • Quase 50% dos profissionais participantes do FLAC 2011 tinham contrato com a organização no regime CLT, número que subiu para 54,3%, em 2012. Em 2011, 23,1% dos participantes que responderam a pesquisa eram voluntários, opção que caiu para apenas 5,3% em 2012. Um quinto informou atuar como pessoa jurídica, prática comum no setor. Entre 2011 e 2012, diminuiu no FLAC a participação de voluntários, de 23% para 5%; participantes que emitiam nota fiscal de pessoa jurídica em 2011 eram 12,3% em 2011 e 20,2% em 2012, e os que recebiam via Recibo de Prestador Autônomo (RPA) eram 10,8% em 2011 e 9,6% em 2012.
  • No que diz respeito à remuneração, a maioria dos participantes (53,8% em 2011 e 66% em 2012) respondeu receber um valor fixo, sendo que 10,4% em 2011 e 7,5% em 2012 informaram que, além do valor fixo pré-estabelecido, recebem um valor variável. Apenas 6,2% dos participantes que responderam a pesquisa em 2011, e 14,9% em 2012, tinham como única forma de remuneração a comissão proporcional ao volume captado.
  • Finalmente, em 2012 foi incluída uma nova pergunta sobre como os participantes do FLAC avaliam o mercado atual para captação de recursos no Brasil. Dois terços (66%) dos que responderam acreditam que o mercado está positivo, com boas oportunidades; 19,1% viam-no como altamente positivo, com muitas oportunidades; 10,6% consideraram o mercado estável, sem muitas mudanças nos últimos anos; e apenas 4,3% avaliaram de forma negativa o mercado, com oportunidades diminuindo.

Nota-se que falamos de um setor claramente em formação. Pelo pouco que vimos até aqui, e considerando que temos apenas dois anos de pesquisa, é possível identificar, dentre os participantes do FLAC que responderam à pesquisa, bons "sinais".

Quase 50 atua principalmente como captador ESSE PERCENTUAL AUMENTOU POUCO de 2011 para 2012

Continuamos com um grupo bastante diverso


O fato de que dois terços deles recebem remuneração fixa pelo trabalho desenvolvido como captadores de recursos é um deles. Essa prática, defendida pela ABCR como necessária para a profissionalização do setor – e também para garantir transparência entre quem capta e quem doa – é comum no exterior, mas até pouco tempo encontrava resistência no país.
Outro sinal, também dentro desse mesmo tópico, é o baixo número de captadores voluntários presentes no FLAC, reforçando a ideia de que as organizações valorizam e reconhecem essa função como um trabalho que deve ser remunerado pelas suas características profissionais.
Quanto à formação dos profissionais, é um fato a ser destacado que a enorme maioria da amostra conta com nível superior completo. Mesmo não existindo uma graduação em captação de recursos, é fundamental que o indivíduo que atua na área conte com conhecimentos mínimos em áreas como administração, contabilidade, direito, comunicação, recursos humanos, gestão de projetos etc. E a realização de um curso de nível superior, mesmo que não necessariamente em uma dessas áreas listadas, concorre para aprimorar a formação individual e facilitar o seu aprendizado futuro em captação de recursos. Ademais, observamos também que uma boa parte tem inclusive alguma pós-graduação – especialização ou mestrado.
Feitas essas considerações, conclui, reforçando o argumento inicial exposto, pela necessidade de se aprofundarem os estudos referentes ao mercado de captação de recursos no país. Mesmo sendo apenas dois anos de pesquisa, o significado que ela tem para as organizações envolvidas em sua realização é muito alto, pois permite o início do desenho de algumas estratégias institucionais que vão permitir o fortalecimento desse novo mercado profissional. Assim, a pesquisa apresentada pode ser entendida como o primeiro passo de um processo de conhecimento urgente e necessário para o país, cujo resultado trará benefícios para os profissionais que atuam com captação de recursos, para as instituições que os contratam e, enfim, para toda a sociedade civil.

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