Se alguém lhe dissesse que você tem a chance de salvar ou melhorar a qualidade de vida de pelo menos 25 pessoas, o que você faria? Você imaginaria que dispõe do “poder” de fazer uma pessoa voltar a enxergar, respirar ou mesmo ter um coração que bate forte e saudável como o seu bate agora?
Embora cada vez mais presente na mídia e divulgada por organizações não-governamentais, a doação de órgãos ainda é um tabu a ser enfrentado. Seja por questões religiosas ou por falta de informações, muitas pessoas não reconhecem a importância do tema.
“Eu mesma não entendia nada sobre hemodiálise, transplante ou lista de espera até receber um rim”, conta Anna Paula Reinelt Marques, diretora de Relações Públicas da ONG Doe Vida. A associação foi criada em 2003, em Holambra, São Paulo, diante do desespero de Izilda Cristina Reinelt, mãe de Anna Paula e de outras duas irmãs, todas em busca de um rim na ocasião. Após intensa repercussão na mídia, Izilda resolveu defender a causa desmitificando questões relacionadas ao tema.
“Nossa principal dificuldade, hoje, é enfrentar a falta de interesse de uma parcela da população e a burocracia que envolve a questão. Tem gente que quer doar e não consegue e, ao enfrentar tamanha burocracia, desiste”, afirma Anna Paula.
De fato, o órgão do doador enfrenta uma longa jornada até o receptor. Após o diagnóstico de morte encefálica, caso a família do paciente autorize a doação de órgãos, a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) é acionada pelo médico. Cada Estado tem uma central que coordena a captação e alocação dos órgãos, baseada em fila única, Estadual ou regional. Ela deve dar uma resposta o mais brevemente possível ao hospital, já que somente após uma avaliação detalhada dos órgãos do potencial doador e da compatibilidade com o receptor é que o processo pode ter continuidade.
Segundo o médico Ronaldo Santos, coordenador de Transplantes do Incor, hospital que mais faz transplantes no Brasil, de cada 2 mil corações doados, apenas 500 têm condições de serem usados e somente 150 são direcionados para o transplante. Diante de números tão baixos, a cada dez pessoas na fila do transplante, seis morrem antes de receber um coração.
Para Shirley Alves, de 66 anos, moradora de Monte Alto, no interior de São Paulo, tanta espera teve um final feliz. Após vários exames e consultas sem saber a causa de um mal-estar que já durava oito anos, ela foi diagnosticada com hepatite B em estágio avançado. “Eu fiz todo o tratamento em São Paulo, mas levei quatro anos e meio para ser atendida. Nesse tempo todo, fui chamada duas vezes para um possível transplante, mas o fígado do doador não era compatível com o meu”, conta.
Entre idas e vindas à capital, Shirley confessa ter perdido a esperança em vários momentos. “Eu achava que não ia conseguir, porque cheguei a ficar com menos de 10% de vida”. Hoje, três anos após o transplante e totalmente saudável, ela diz que “come até pedra que não faz mal” e confessa ter apenas um desejo: “Eu só peço a Deus que ele (doador) esteja bem onde estiver. É uma vida que se foi para gerar outra”.
Para o goiano Mauri Rodrigues Alves, 46 anos, a espera não foi tão longa. Nascido com um problema na córnea direita, ele afirma ter esperado apenas seis meses na fila. “Eu fui muito bem atendido e achei todo o procedimento rápido, mas ainda assim acho que falta mais divulgação sobre o tema no país”, afirma.
Alves não está equivocado. Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), a cada oito potenciais doadores de órgãos, apenas um é notificado. Ainda assim, o Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes realizados por ano, sendo mais de 90% pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A maioria dos planos privados de saúde não cobre esse tipo de tratamento, que pode variar entre R$ 1.000 (transplante de córnea) e quase R$ 60 mil (medula óssea).
Divulgando o tema
Por meio da divulgação de dados como esse, a Aliança Brasileira pela Doação de Órgão e Tecidos (Adote) foi criada em 1998, com a missão de promover mudanças de atitudes e valores da sociedade e do Estado em relação ao tema.
“Todas as nossas ações são direcionadas ao cumprimento dos objetivos definidos em relação ao governo, à sociedade, aos profissionais de saúde e usuários em geral. Elas compreendem a manutenção de um canal de comunicação com a população através da internet (o site tem meio milhão de acessos por ano), produção de artigos sobre o processo doação-transplante, orientação de monografias e outros trabalhos de natureza acadêmica, pesquisa de opinião e realização de palestras em escolas, simpósios etc.”, conta Francisco Neto de Assis, diretor da organização.
A Adote fica em Pelotas, no Rio Grande do Sul, Estado com uma média de dez a 12 doadores por milhão – número acima da média do país, de cerca de cinco a seis doadores por milhão. “Não podemos comparar com o desempenho dos Estados do norte do país devido às condições desastrosas de infraestrutura. A doação de pulmão e coração naquela região, por exemplo, é insignificante, por não haver equipes habilitadas para essa modalidade de transplante”, conta Francisco.
Assim como a Adote, a ONG Doe Vida disponibiliza em seu site camisetas, adesivos e diversos produtos cuja renda é revertida para manter a organização, que conta com a ajuda de voluntários e profissionais da saúde. “A venda dos produtos do site é revertida para a doação de cestas básicas a renais crônicos”, conta Anna Paula, que realiza cerca de 250 doações por mês.
Veja os resultados da Lei da Vida (lei nº 9.434/97), do senador Lúcio Alcântara, em seus dez primeiros anos de vigência:
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