As pesquisas de opinião pública nasceram do otimismo de alguns pioneiros que misturavam conhecimentos em sociologia com práticas do mundo de negócios, como George Gallup e Elmo Roper, nos Estados Unidos, por volta das segunda e terceira décadas do século XX. Eles imaginaram as pesquisas como técnicas capazes de contribuir para uma sociedade mais bem informada, decisões do governo mais alinhadas com a vontade popular e um equilíbrio maior de poder entre representantes e representados, ao garantir um canal de expressão adicional aos últimos.
Entretanto, tendemos a associar as pesquisas aos seus erros, suas limitações e seu potencial uso abusivo em determinadas ocasiões. Por exemplo, na América Latina foram observados os descompassos entre os diagnósticos feitos com base em sondagens eleitorais e os resultados finais nas urnas, como aconteceu no Brasil, na Argentina e no México entre os anos de 2012 e 2016 em eleições presidenciais ou para governador, ou ainda, na Colômbia, por conta do plebiscito sobre o acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que avivaram a hostilidade contra as medições de opinião pública. Outro exemplo recente foi o uso equivocado das pesquisas pela imprensa, pelas redes sociais e também pela oposição política no contexto do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff , que abertamente reconheceram que a cassação – embora feita com base na argumentação da maquiagem das contas públicas – obedeceu principalmente à perda da legitimidade política da mandatária, ilustrada nos sofríveis índices de popularidade presidencial conforme as enquetes.
As situações apresentadas, na realidade, parecem desmentir a expectativa de que as pesquisas de opinião possam efetivamente contribuir para melhorar a qualidade da informação pública e a consolidar práticas democráticas. Assim, qual é o papel das pesquisas para o fortalecimento da sociedade civil e a democracia política? A pergunta que ajudaria a responder a questão talvez fosse mais bem enunciada da seguinte maneira: o que nós perderíamos sem o conhecimento oferecido pelas pesquisas? Os exemplos a seguir podem ajudar a dar uma resposta mais clara e precisa.
Após uma década no poder e sob um autoritarismo crescente com boa parte da imprensa domesticada, o então presidente peruano Alberto Fujimori se atribuiu 74% dos votos para um terceiro mandato. Se é verdade que denúncias de fraude e algumas manifestações de rua questionavam a legitimidade da "re-reeleição", na prática foram as sondagens pré e pós-eleitorais que claramente substanciaram a percepção de roubo nas urnas. Mais ainda, as medições ilustraram o tamanho da fraude e seus mecanismos (como eleitores subornados, mortos e presidiários que apareceram como votantes, entre muitos outros casos). Sem as pesquisas de opinião, teriam faltado elementos objetivos para evidenciar as falcatruas e, assim, ajudar a curvar o modelo de autoritarismo eleitoreiro que, posteriormente, outros presidentes latino-americanos também tentariam imitar.
Voltando um pouco mais no tempo, em meados dos anos 1990, o Panamá foi alvo da invasão militar dos Estados Unidos com o intuito de destituir o narco-general Manuel Noriega. A má fama e os péssimos hábitos do ditador facilitaram uma benevolência inicial com o ato de força, que rapidamente foi descrito pela grande mídia como uma peça-mestre de cirurgia fina, quase sem vítimas civis. Sob esse argumento, o governo norte-americano buscou defender esse modelo de intervenção pró-democracia. Até que uma série de pesquisas checou os custos humanos, que revelou que quase um quarto da população urbana tinha tido algum parente ou amigo vitimado durante a invasão. Feitas as projeções sobre o total de cidadãos panamenhos afetados pela operação militar, o cifrão oficial de 200 a 300 mortos acabou sendo duramente desmentido e atualizado para um montante entre 5 e 7 mil pessoas falecidas ou feridas em gravidade advindas das pesquisas. Sem essas sondagens, a opinião pública global possivelmente teria ficado tentada a aceitar a exportação de um formato supostamente amigável de democracia pela força.
Voltemos ao presente. A Argentina e a Venezuela têm compartilhado vários paralelismos no período 2001-2015. Ambos os países sofreram recessões que rapidamente se tornaram boom econômicos até que, novamente, caíram em recessões, atualmente bem mais forte na Venezuela.
Foram anos de experimentos populistas com inclinações autoritárias, caracterizados, entre outras coisas, por uma crítica frontal aos formalismos republicanos e uma retórica que convocava a superar a democracia multipartidária a partir de uma liderança cesarista.
Para muitos observadores, dentro e fora destes países, aquelas vivências só podiam refletir sociedades culturalmente inimigas do pluralismo, da divisão de poderes e de formas criativas e múltiplas de participação política, para além dos rituais eleitorais. Contudo, graças às pesquisas sobre cidadania e democracia, ficou em evidência que, apesar da ampla insatisfação com o funcionamento daqueles regimes políticos, o apoio à democracia como sistema ideal de governo nunca deixou de ser majoritário. As sondagens de opinião pública não apenas espelharam para a sociedade uma autoimagem que serviu para torná-la imune diante dos "cantos de sereia" autoritários, como também serviram para entusiasmar os membros da resistência democrática sobre a valoração que a cidadania fazia das suas iniciativas, neutralizando seu isolamento. Sem a presença de pesquisas, aqueles que detinham os imensos recursos do Estado para persuadir o grande público sobre as virtudes de um rumo autoritário teriam encontrado bem menos obstáculos para concretizar um desvio antidemocrático.
Assim como ocorre em outras ciências – como a previsão do tempo ou a medicina por diagnóstico –, as sondagens de opinião pública trabalham dentro de margens de erro e com uma série de contingências com impacto variável sobre as condutas das pessoas que, certamente, podem ultrapassar aquelas margens de erro. E, eventualmente, um dia anunciado com sol pode acabar com um amanhecer chuvoso.
De vez em quando, institutos de pesquisas com trajetória no mercado podem perder o pulso dos humores eleitorais e subestimar ou supervalorizar alguma candidatura. De igual modo, podemos encontrar exemplos de uso errado das pesquisas, seja para justificar decisões irresponsáveis da parte de políticos, seja para exagerar as chances de diferentes candidatos alcançarem o poder.
Mesmo assim, a contribuição das pesquisas para favorecer o autoconhecimento da sociedade, embasar decisões mais sábias pelas autoridades e alavancar uma democracia de melhor qualidade superam, e muito, as críticas que possam sofrer. Ao colocar em perspectiva os riscos de viver sem as pesquisas e o tipo de informação e de insights que elas geram em prol da cidadania, então, seu valor público é resgatado novamente com força.