A repartição dos lucros da empresa aos seus funcionários já foi largamente debatida e o assunto está por demais ultrapassado. Parte-se da premissa que a primeira norma a regular a matéria de forma específica foi editada em 1994, por meio da Medida Provisória nº 194, que foi reeditada treze vezes e se converteu em lei em 2000 (nº 10.101/00), e que a Constituição Federal de 1988 também já havia regulado o assunto por meio do art. 7º, inciso XI.
Todavia, quando atraímos o assunto para debate quanto sua aplicação ao Terceiro Setor, sempre há novas e amplas reflexões que merecem ser exauridas, pois anualmente, em regra, às vésperas dos dissídios coletivos dos empregados, surgem infindáveis dúvidas e inconformismo com as decisões tiradas das convenções coletivas que vinculam as entidades sociais. Diante de tal obscuridade, vamos tentar minimizar a tônica do calor do debate por meio de algumas considerações de teses de singela contribuição.
Partindo do exame da lei 10.101/00, que instituiu a obrigatoriedade da distribuição de lucros das empresas, logo poderíamos refutar sua aplicação às entidades do Terceiro Setor. Vejamos o que diz a lei: “Art. 1º – Esta lei regula a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos termos do art. 7º, inciso XI, da Constituição.”
A primeira tese que, via de regra, se sustenta ante o jargão de que as instituições não produzem lucro e, com isso, não estão incorporadas ao regramento legal, está superada, pois a lei aduz “lucros ou resultados”. Assim sendo, ainda que não gere lucro, e sim superávit, este não deixa de ser um resultado que impõe distribuição.
A segunda tese inicia-se pelo exame da Constituição Federal de 1988, que prevê o direito em estudo a todos os trabalhadores. A saber: “Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.”
Pela interpretação isolada da Carta Política, não há como afastar o empregado das instituições sociais de tal direito constitucional, pois ele também é um trabalhador e, pelo princípio da isonomia, deve ter igual direito àqueles que labutam no Segundo Setor.
De acordo com a terceira tese, o legislador ao promulgar a lei em comento incluiu no art. 2º, incisos I e II, o direito das empresas de estabelecerem, por meio de comissões formadas pelas partes, convenções ou dissídios coletivos critérios para a distribuição dos lucros/resultados. Neste diapasão, as instituições do Terceiro Setor, que em sua grande maioria são omissas por advento das negociações coletivas, estão sendo forçadas a recepcionar as decisões derivadas dos acordos sindicais, ora até homologados pelo TRT, que as obrigam a promoverem a dita distribuição sob a rubrica de “abono especial”.
Depois de homologado o acordo pela justiça, não há mais como rechaçá-lo, pois ele vincula as entidades do setor social. Exceto se ficar provado vício de consentimento por parte da instituição ao Sindicato Patronal lhe representar. Nesse caso, cabe ação anulatória para refutar a imposição de tal abono especial, segundo entendimento do TRT1, 2º. Região.¹
Assim sendo, não refutada a tempo, a convenção deve ser cumprida pelo Terceiro Setor, pois ela terá força de lei entre as partes, pois, do contrário, as entidades terão que responder de forma singular ou coletiva o seu descumprimento perante a justiça trabalhista, arcando com os ônus da omissão e da desídia processual.
Comungamos para a solução com a última tese. A saber:
Quarta tese: a Constituição é pragmática, ou seja, não obstante sua soberania, ela mesma remete ao legislador complementar ou ordinário a função de regular o assunto. E assim o fez, no próprio mencionado inciso XI, do art. 7º: “Participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme defi nido em lei.”
Ao outorgar poderes ao legislador não constitucional, de regular a matéria, assim o fez, por meio da mencionada lei 10.101/00, que exclui o direito do empregado do Terceiro Setor de perceber tal distribuição de resultados, conforme se verifi ca no próprio teor da lei. Vejamos o que dispõe o parágrafo 3o do art. 2º: “Não se equipara a empresa, para os fi ns desta lei: I - a pessoa física; II - a entidade sem fi ns lucrativos que, cumulativamente: a) não distribua resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, administradores ou empresas vinculadas; b) aplique integralmente os recursos em sua atividade institucional e no país; c) destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades; d) mantenha escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos deste inciso, e das normas fi scais, comerciais e de direito econômico que lhe sejam aplicáveis.”
Em respeito à Constituição Federal e à lei em foco, não há sequer de longe como imputar as entidades fi lantrópicas ao cumprimento dos requisitos impostos pela lei, ou seja, a obrigatoriedade de promover a distribuição de resultados (superávit) aos seus empregados, por uma simples razão: elas não estão compelidas pela lei a fazê-la e a exigência por meio da Justiça do Trabalho, ao meu entender, deve ser amplamente rechaçada. O escudo se retira da própria Carta Magna, em seu art. 5º, inciso II, que aduz: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
Não comungo com a quebra do princípio da isonomia entre os trabalhadores, pois todos são iguais perante a lei segundo o diploma constitucional, mas no caso em questão, os trabalhadores do Terceiro Setor não possuem direito de reivindicar quanto a participação nos resultados, nem por meio de outra rubrica, tipo “abono especial”.
É certo que nada impede que haja acordo coletivo de trabalho no sentido de estipular vantagem e/ou compensação similar, mas jamais poderá invocar a proteção da lei 10.101/00, pois a ele não se aplica.
A organização deve obstar os termos da convenção coletiva, não sob o pretexto de que não aufere lucro, e tampouco sob o manto da política tributária que não pode distribui-lo, ante o disposto no art. 14 do Código Tributário Nacional, mas sim pelo fato de que não está obrigada a distribuir resultado/lucro, pois a lei assim a excluiu de tamanha encargo.
O enfoque jurídico aqui enfrentado não teve o propósito de incitar o banimento dos direitos do obreiro do Terceiro Setor, que é tão dedicado, senão mais do aquele que milita no Segundo Setor, mas sim de advertir as entidades sociais desavisadas a participarem com mais veemência ao processo negocial trabalhista, evitando amanhã pagar por sua tardonhice e inércia.
¹ AÇÃO ANULATÓRIA – CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA – PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS (OU ABONO ESPECIAL) – ENTIDADE FILANTRÓPICA SE NÃO DEMONSTRADO O VÍCIO DE CONSENTIMENTO, NÃO PROCEDE AÇÃO ANULATÓRIA PARA INVALIDAR CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA – QUE DETERMINOU PAGAMENTO DE ABONO A TÍTULO DE PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS – SOB O ARGUMENTO DE QUE A REQUERENTE NÃO SE PRESTA COMO INSTRUMENTO DE LUCRO POR SER RECONHECIDA COMO ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS. MATÉRIA QUE DEVE SER APRECIADA, APÓS PROVOCAÇÃO, POR MEIO DE AÇÃO DE CUMPRIMENTO.
(TRIBUNAL: 2ª REGIÃO / ACÓRDÃO NUM: 2001002112 / DECISÃO: 13 09 2001 / TIPO: 14 / NUM: 1999004771 / ANO: 1999 / NÚMERO ÚNICO PROC: 14)