Não somos ferramentas

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
04 Julho 2014 - 18h17

E se os seres humanos tivessem sido criados à imagem e semelhança das ferramentas? Ah, como seria conveniente e confortável extrair deles a sua funcionalidade plena. Durante toda a sua vida útil, atenderiam às demandas dos seus proprietários e, quando chegasse o tempo do desgaste máximo, da completa incapacidade de seguir cumprindo mecanicamente as tarefas, seriam descartados sem quaisquer dramalhões.
Acontece que o ser humano não é uma ferramenta. Mesmo quando é tratado como tal. Mesmo quando permite ser tratado como tal. Não é novidade que a “ferramentalização” do humano faz parte de nossa história. Desde sempre houve quem manipulasse e quem fosse manipulado, física, emocional e socialmente. Escravidão. Ditadura. Guerra. Relação trabalhista. Escola. Imprensa. Família. Tentativas exaustivas de apequenar a condição humana, induzindo ou impondo a preguiça mental e emocional, em busca da atrofia da autonomia. Tesouras afiadas perseguindo as asas de pássaros capazes de voar.
Mas isso não significa dizer que, debaixo da pele subjugada, não pulsa a parte de nós que sabe e sente ser mais do que uma ferramenta. Há outras demandas latentes. Sentir-se respeitado. Fazer parte de uma obra. Ter autonomia para ir e vir. Encontrar apoio no processo de desenvolvimento. Expressar suas ideias. Realizar, tornar real, os talentos. Identificar nas relações interpessoais apoio nas dificuldades. Recorrendo ao discurso de Antígona, heroína da antiguidade grega: ter o direito de nascer, viver e morrer com dignidade e honra.
Em outros tempos e contextos, esse saber de si tinha grande chance de morrer dentro dos seres ou, quando expressados, causar a morte de quem ousasse essa jornada de libertação. Um escravo que exigisse respeito. Um oposicionista político clamando por transparência em um regime ditatorial. São tantos os exemplos que resultariam em uma consequência parecida: perseguição, punição e mordaça, temporária ou definitiva.
Tristemente ainda existem inúmeras situações dentro e fora do Brasil nas quais a liberdade é literal e violentamente negada. No entanto, conquistas foram feitas em alguns segmentos. Impossível não reconhecer determinados avanços. Como exemplo, chegarei mais perto aqui das relações profissionais. A proteção que o trabalhador tem hoje é substancialmente maior do que tinha outrora. Legislações impulsionaram questões relacionadas à segurança no trabalho, assim como definiram regras para equilibrar o exercício dos deveres e direitos, entre outros passos importantes.
Ainda assim, contudo, pesquisas apontam que são crescentes os índices de pessoas que confessam estarem estressadas com suas atividades, assim como desencantadas e pouco engajadas com aquilo que consome grande parte de sua existência. Péssimo negócio para todos. Mensagem clara de que não basta deixar de tratar o ser humano como ferramenta. Como já foi dito, as demandas são muito maiores e de várias naturezas. Não vejo outra saída a não ser um compromisso ético de sincera cooperação entre as partes, neste caso, entre empregados e empregadores.
Recado aos empregadores: as pessoas talentosas não suportam mais ambientes de trabalho hostis, devotos à caixa de ferramentas e pagãos no culto à caixa de conexões humanas. Sem a promoção do encontro dessas caixas, por meio de atitudes cotidianas que reafirmam o compromisso de cooperação, ou colaboração, os bons profissionais vão embora. E eles têm completa razão em fazê-lo o quanto antes, em busca de um ambiente mais saudável para expressar os seus talentos e, afinal, viver, grande parte de seu tempo. Sem esses talentos, meus caros empregadores, possivelmente o seu empreendimento definhará. Portanto, trate de atualizar diariamente a sua parte no acordo de cooperação.
Recado aos empregados: passou da hora de abandonar a postura anestesiada e “mimimi”. A primeira, cujos sintomas são a alienação, a preguiça, a falta de vibração e a cultura do mais do mesmo, esburaca a rota do grupo em direção à excelência. A segunda, percebida em pessoas que reclamam de tudo, não propõe nada e ainda colocam defeito nas propostas alheias, contaminam a possibilidade de entusiasmo, prejudicando a qualidade do ar que se respira. Via de regra quem se comporta assim não está mais conectado à causa proposta pela sua atividade, seja no primeiro, segundo ou terceiro setores. Argumentos não faltam, mas o pragmatismo ajuda a encarar a questão com honestidade: se você oferece à empresa o seu melhor, mantém o compromisso de nutrir mais do intoxicar e, ainda assim, não enxerga qualquer ensaio de contrapartidas, não perca mais o seu tempo e procure outra turma. Mas se a empresa oferece um terreno fértil e te convida para o plantio, mas é você quem não vê mais sentido no que faz, tenha a dignidade de partir. É feio, medíocre e injusto ficar fazendo mais ou menos, conscientemente.
Lamento informar aos preguiçosos que seres humanos são mais complexos que ferramentas. Não basta distribuir tarefas e depois colocá-los de volta na caixa. Talvez fosse mais fácil se assim fosse. Mas, ah, seria muito menos interessante, belo e potente.

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