F oi por olhar à rua que beirava a casa que aquela menina-moça foi tecendo a vida.
De dentro da janela, o mundo era estranhamento arrumado. Cada coisa e pessoa tinha o seu lugar, mas tudo parecia de passagem. Lá dentro a arrumação incomodava, algo como um desconforto, uma angústia. Sempre uma saudade, sempre uma solidão. A vida não é assim, arrumada.
O movimento que ali existia não a tocava, não a emocionava. Era a rua quem lhe dizia coisas ao pé do ouvido, coisas boas de se ouvir. Era da rua que vinha o imprevisível que lhe dava conta de que a vida estava ali.
A moça não era só, mas era a janela que lhe abria um mundo de possibilidades que a casa insistia em lhe furtar.
Do lado de dentro da casa, ela era só silêncio, uma moça, uma casa, o silêncio. Dentro dela todos eram muito ocupados com seus afazeres. Guiados pelo relógio do tempo, iam e vinham, sem se perguntar se valia a pena. Era essa atitude que a empurrava para a janela, ela, que queria bem mais, desejava esbarrar em alguém, para pedir desculpas, para mostrar-se viva.
Na janela ela recitava poemas, cantarolava canções de amor, sorria um tanto de felicidade. A moça não era triste.
O dia, que vinha com um pouco de tudo, aguardava por ela na rua. Era o olhar da mulher que a despertava para o melhor de si.
Lá dentro, uma grossa parede de silêncio e solidão se erguia fazendo estranhos, preenchendo de cimento, veios de sangue. Às vezes a vida é assim mesmo, estranha, cruel, faz brotar todas as diferenças do mundo, onde deveriam existir similaridades.
As pessoas se sabiam assim, distantes, a moça se sentia assim, deserta. Mas ninguém tinha forças e ânimo para quebrar paredes, fazer reformas, pintar de cores novas as paredes descascadas, trocar a fiação. A casa era velha, mas era uma casa, e para o que precisavam ela servia.
Mas o mundo lá de fora, o da janela, rompia tudo isso, e faria mais, se todos se deixassem tocar. A moça se deixava tocar, sentir, cheirar, por isso ainda ousava dizer em construção.
Era estranho como também os de casa, vistos da janela, ganhavam alma e ânimo. Ela gostava deles mais quando os olhava de longe. Podia vê-los melhor. Às vezes, olhar de longe nos dá a verdadeira dimensão de alguém ou algo. Mas não se sabe a razão, um desejo de abraço grande, eterno, morria quando a porta se abria.
Como podiam os laços serem assim, ora atados, ora desatados. Esta era uma implacável sensação de dualidade.
A janela, com o passar dos anos, sem perceber, foi o ponto de encontro da moça com os seus, da moça com a rua, da moça com a vida, da moça com a moça.
Um dia, tal abertura ficou pequena, pois ninguém ama apenas pelo olhar. Amar é misturar-se, ir à rua e lá encontrar aqueles que, próximos, nos parecem estranhos. Na rua não há diferenças, a mesma que cria margens, afasta e separa, também liga, aproxima e junta.
A menina-moça percebeu que olhar é bom, mas estar junto é melhor.
Em outro dia, a janela ficou vazia, e a moça partiu à procura do abraço largo e farto. Partiu para acolher, fez-se acolhida, sem mais esperar dos outros, de gente que nunca se arriscou a olhar pela janela.
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