O mercado de consumo se encontra em permanente ciclo de produção e venda, que tem como objetivo fundamental satisfazer a incessante necessidade dos consumidores. Correto? Nem tanto.
Por trás desta afirmação há fatores omitidos que comprometem diretamente os produtos e o consumo. Por um lado, fabricantes desenvolvem bens com ciclo de vida limitado, a fim de induzir a troca contínua. Por outro, consumidores são bombardeados por estímulos externos, alimentando os anseios pelo consumo de novos produtos.
Mas, pensando bem, podemos depositar toda a responsabilidade pelo consumo exacerbado e troca incessante de produtos somente nos fabricantes? Ou serão os próprios consumidores agentes ativos deste ciclo de consumo e descarte? Existem soluções para conter o descarte antecipado e desacelerar a consumo?
O estudo realizado pela Market Analysis, em parceria com o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), traz informações aprofundadas sobre a relação do consumidor com a realidade da obsolescência programada, e também sobre como o brasileiro realiza o descarte ou substituição de produtos.
Nesta pesquisa foram consultadas 806 pessoas que vivem em cinco regiões do Brasil. Os dados revelam que 47% trocam seus dispositivos eletrônicos antes mesmo destes apresentarem falhas técnicas. O que isso quer dizer? Afinal, não é o ciclo de vida reduzido a razão pela qual consumimos novos produtos?
O estudo aponta como os consumidores estão antecipando a troca de produtos a fim de possuírem aparelhos mais modernos e com tecnologia mais avançada. Fatores psicológicos e sociais intensificam comportamentos em que as pessoas deixam de consumir por necessidade e passam a consumir por hábito. A pesquisa também aponta polaridades entre homens e mulheres e classes sociais. Mulheres tendem a trocar produtos por motivos de funcionamento com mais frequência (60% versus 53% da população geral) enquanto os homens costumam fazê-lo a fim de possuírem aparelhos mais modernos (55% versus 47% da população geral), assim como as pessoas pertencentes às classes mais altas (59% versus 46%). O hábito de reutilização dos produtos a fim de evitar o descarte recebe menor importância pela maioria dos brasileiros. De forma geral, o descarte precoce indica a priorização dos consumidores de manterem-se alinhados às tendências e novidades do mercado.
Sabendo que a compra do novo é recorrente, como é feito o descarte dos produtos antigos? Há oportunidades mercantis nesta etapa do ciclo de vida do produto? Existem formas de conter o descarte com o intuito de reduzir o volume do consumo?
A pesquisa indica que o descarte de equipamentos ocorre de maneira diferenciada conforme o produto em questão. Dentre as diferentes formas de se desfazer do aparelho, doar, vender ou guardar o produto em casa predominam como ações mais comuns. No geral, uma parcela bastante restrita (1/6) descarta efetivamente os aparelhos eletrônicos. Aproximadamente 75% doam ou vendem os eletrodomésticos antigos para terceiros. Para esses equipamentos, portanto, o descarte significa o início de um novo ciclo de vida.
O estudo também revelou que atitudes relacionadas ao descarte de aparelhos variam para indivíduos em diferentes estágios da vida, gênero e classe social. Enquanto os mais velhos (50 anos ou mais) tendem a guardar os aparelhos celulares em casa, as mulheres são as principais atuantes no descarte de eletrodomésticos. Ainda, a doação dos equipamentos para terceiros é mais comum entre as classes mais altas.
O que se observa é um hábito generalizado de descarte indireto do produto. Contudo, nota-se também o costume de aquisição de novos produtos para uso simultâneo ao dos antigos. No caso dos eletroeletrônicos, por exemplo, 40% continuam usando ambos. Consumidores buscam soluções rápidas para aparelhos que nem sempre se encontram em um estado de inutilização completa.
Comprar um novo é a única opção quando um aparelho falha? E aqueles inúmeros telefones para suporte que constam em cada manual e garantia de produto? Como é a relação do consumidor com a assistência técnica?
Os consumidores que trocaram seus equipamentos por um novo em decorrência de problemas de funcionamento, de forma geral, não procuraram assistência técnica para o conserto do aparelho antigo: 77% substituíram algo sem pensar nessa opção. Naturalmente, sem grandes incentivos ou mesmo presença de locais destinados ao conserto de equipamentos, o consumidor percebe a compra de um novo produto como a saída mais prática, rápida e econômica para seu problema. Além disso, o estudo indica que a minoria que chega a buscar serviços de assistência especializada acaba comprando novos bens da mesma forma. O motivo de desistência do conserto, na maioria das vezes, é o custo elevado do serviço. A compra de um celular novo pode exigir menos capital financeiro, e de tempo, do que o serviço de troca de peças, por exemplo.
A busca pelos serviços de assistência técnica e o incentivo à reutilização de produtos é uma saída ainda bastante subutilizada: apenas 23% dos brasileiros recorrem a essa opção. O que está cenário nos mostra? Fica evidente a oportunidade para incentivar e consolidar o hábito de busca pelo conserto e reutilização de produtos que passaram por alguma falha técnica no sentido de desacelerar o consumo frenético e evitar o descarte de aparelhos ainda em condições de uso. Ainda, a cristalização de um mercado de objetos usados se destaca tanto como uma alternativa para modelos de negócio que possam lucrar com o reaproveitamento de equipamentos, quanto uma opção coerente para estimular o relacionamento consciente e sustentável com a compra e descarte de aparelhos. Sustentar a infraestrutura necessária para maximizar as vantagens destes hábitos pode fazer a diferença na redução dos números cada vez maiores de lixo eletrônico produzido no Brasil.