A Crise Migratória E O Papel Do Brasil E Das Entidades Beneficentes

Por: Marcos Biasioli
03 Fevereiro 2016 - 13h25

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Em 10 de setembro de 2015, a presidente Dilma Rousseff publicou o artigo Os refugiados e a esperança, no jornal “Folha de São Paulo”, no qual destaca a crise migratória do Oriente Médio e do norte da África, ao afirmar que o “Brasil, mesmo neste momento de superação de dificuldades, tem os braços abertos para acolher refugiados”. No caso, o artigo sucedeu a comoção social em volta das imagens fortes de um menino sírio morto numa praia da Turquia, quando seus pais tentavam chegar à Europa para escapar de perseguições.

Diante deste enfoque, percebe-se que o Governo Federal adotou uma posição ambígua: apesar da crise político-econômica brasileira, assume coerência histórica no acolhimento de estrangeiros. Ou seja: o Brasil que, a partir do século XIX, aceitou a imigração europeia e asiática, neste momento quer reforçar os laços com novas imigrações, apesar de assentar-se em grave crise política. A incerteza que surge é saber como o Governo Federal atenderá os refugiados se, em 2013, a população brasileira abaixo da linha de extrema pobreza aumentou 3,68%.

A transmigração que atualmente intensifica-se no mundo inteiro não pode ser tratada pelo Governo Federal sem o mínimo de planejamento. Desde janeiro até setembro deste ano, a Oficina do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou que quase 500.000 pessoas já chegaram à Europa pelo Mediterrâneo. Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da Justiça, o Brasil possui aproximadamente 7.500 refugiados, mas o número total de pedidos de refúgio aumentou 930% entre 2010 e 2013.

Na mesma toada da União Europeia, que vem se organizando na propositura de cotas de refugiados para os países-membros, visando, com isso, distribuir as pressões migratórias e os impactos na moradia, educação, saúde e emprego local, o Brasil, por intermédio do Ministério da Justiça da Prefeitura e do Governo de São Paulo, assinaram um termo de compromisso, cujo teor teve como objetivo a promoção de determinadas ações para garantir os direitos basilares destes refugiados: a criação de um Centro de Cidadania e de Atenção ao Imigrante, bem como repasses ao Governo do Acre e para a Prefeitura de São Paulo. Diante de tal iniciativa, o Governo Brasileiro pretende auxiliar o imigrante na emissão de documentos, qualificação profissional, prestação de serviços de assistência social, como abrigo, orientação jurídica, aulas de português, apoio psicológico e demais campanhas de conscientização.

Neste contexto de expansão de refugiados no território nacional, caberá também às Entidades Beneficentes a responsabilidade de conter a marginalização e a miséria da imigração desenfreada. Veja-se que a crise migratória não se restringe aos refugiados sírios, mas também alcança os congoleses, angolanos, palestinos, iraquianos e os imigrantes haitianos, entre outros. Aliás, o que não falta no mundo, infelizmente, são exemplos de países em conflitos armados, sejam eles internos ou externos.

Direitos Dos Refugiados

Em breve análise sobre o assunto, podemos dizer que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951, e adotada no Brasil pelo Decreto 50.215, de 28 de janeiro de 1961, assegura aos refugiados o exercício mais amplo possível dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Neste tom de proteção, a defesa dos direitos humanos, de cunho eminentemente constitucional, não é limitada às promessas de campanhas políticas imigratórias, mas, pelo contrário, dá-se por meio das relações internacionais mantidas pela República Federativa do Brasil, sob regência dos princípios fundamentais dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF).

Assim, o ordenamento jurídico assume papel importantíssimo garantidor aos refugiados do direito a uma política de acolhimento temporária, com todos os meios e recursos a ela inerentes. Ainda que avulsa a apreciação pelo órgão do CONARE quanto à regularidade do visto humanitário, os refugiados têm assegurados o direito à vida, à integridade física e moral, à liberdade, ao trabalho, à alimentação, garantidos por Tratados e pela Constituição Federal, indistintamente.

Por sua vez, a Lei 9.474/97, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, dispõe que será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: “I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher- -se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.” Vale ressaltar que a condição efêmera de refúgio cessa no momento em que as circunstâncias em que a pessoa é obrigada a abandonar seu país deixarem de existir (art. 38, Lei 9.474/91).

De toda forma, o exercício dos direitos e deveres durante essa fase transitória, na qual a legislação autoriza, inclusive, o reconhecimento de certificados e diplomas e o ingresso facilitado em instituições acadêmicas de todos os níveis (art. 44, Lei 9.474/91), é condição jurídica especial extensível também ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional.

Portanto, o reconhecimento da condição jurídica de refugiados assegura a todos os direitos fundamentais da pessoa humana e, especialmente, o direito previsto no artigo 32 da Lei 9.494/97 de não ser o refugiado obrigado a retornar ao seu país de origem. Vale destacar que a condição de refugiado é juridicamente diversa da classe de imigrantes, que possui obrigações próprias advindas da Lei 6.815/80 - Estatuto do Estrangeiro.

O Papel Das Entidades Beneficentes Na Crise Humanitária

O papel das entidades beneficentes para a solução da crise humanitária é importantíssimo. O artigo 203 da Constituição Federal dispõe que a assistência social será prestada a quem dela necessitar. Por sua vez, a Lei 8.742/93 (LOAS) rege-se pelo princípio da igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza (art. 4º, IV). Ademais, seus objetivos visam proteger as pessoas de um modo geral, impendentemente de sua condição, à garantia da vida, a redução de danos e a prevenção de riscos. (art. 2º).

O conceito de entidades beneficentes de assistência social encontra-se previsto no artigo 3º da LOAS. Mas a Lei 12.101/09, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social também traz sua definição. Para esta Lei, tais entidades são aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos pela LOAS, especialmente as que realizam serviço de acolhimento institucional provisório de pessoas e de seus acompanhantes, que estejam em trânsito e sem condições de autossustento (art. 18, §1º e §2º, III).

Por sua vez, a Resolução 109 do CNAS relata expressamente a possibilidade de oferecer serviço de proteção social especial de alta complexidade, na modalidade de acolhimento provisório institucional, aos indivíduos refugiados, tudo como forma de integrar a universalidade na prestação da assistência social. Outrossim, ainda que o refúgio seja um critério político de asilo ao súdito de outra nação, o atendimento das necessidades básicas dos indivíduos que se encontram nessa condição pelas entidades beneficentes é vital. Seria um contrassenso que o refúgio, por ser medida política protetiva, não revestisse da proteção da assistência social.

Como o problema da crise humanitária se dá a nível global, o cumprimento da obra mínima para contemplar a dignidade da pessoa humana, ante a impossibilidade de o Poder Público assumir essa condição, recai quase sempre na esfera do Terceiro Setor. Mas diga-se que tal benesse não deve ser praticada pelas entidades sem a observação dos ditames estatutários e legislação social pertinente.

Assim, não há dúvidas que a solução para a crise migratória percorre o bojo das entidades beneficentes. Fundada no trabalho e no espírito de solidariedade ao próximo, todas demonstram capacidade em ajudar. E, não obstante essa situação de inabilidade estatal de exercer a proteção dos refugiados, a assistência social no Brasil praticada pelos particulares tem demonstrado muita competência!

A crise humanitária vivida pelos refugiados não pode ser apenas velada sob o crivo da política. A condição jurídica de refugiado traz consequências à assistência social, e por isso deve ser tratada com maior amplidão. Evidente que o encômio simbólico de boas-vindas pela Presidente Dilma Rousseff, assomado ao termo de compromisso assinado, não são suficientes para garantir os direitos dos refugiados previstos na Convenção. Não se trata aqui de fechar as portas para a transmigração, contudo, a crise migratória não pode se restringir ao discurso político e medidas paliativas, ora executadas sem o mínimo de planejamento pela Administração Pública, cuja consequência será a ineficácia do Termo de Compromisso e o aumento do desvio de recursos públicos derivado da corrupção. Nesse ponto, guardadas as nuances legais que regem a matéria, as entidades beneficentes de assistência social destacam-se para solução do problema. Quando recebem indivíduos de outra nação soberana, sobrevindo por uma força maior, e não por vontade própria, as medidas de proteção praticadas devem ser imediatas e planejadas, mas sobretudo contextualizadas a cada caso. O refúgio é temporário, mas nem por isso a proteção dos direitos humanos pelas entidades deve ser deslembrada. Mas nota-se: os objetivos institucionais devem ser cumpridos, sob a regência da legislação social.

 

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