Faustão Iscariotis

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
01 Janeiro 2011 - 00h00

Pedro Collor por ter traído seu irmão Fernando no episódio que culminou com o impeachment em 1992? O caseiro Francenildo que traiu o esquema e derrubou o ex e atual ministro Palocci? Os últimos presidentes que subestimaram as oportunidades que tiveram? Não, o verdadeiro Judas do início deste milênio se chama Faustão. Faustão Iscariotis. Quem ele traiu? Todos os gordos.

Eu levei um baita susto outro dia. Olho para o aparelho num domingo à tarde e percebo um cara meio magro apresentando o Domingão do Faustão, com a cara do Faustão, as roupas do Faustão, as piadas manjadas do Faustão e, ainda por cima, falando “ô louco, meu!”. A ausência da protuberância abdominal deixava claro que só podia ser uma farsa. Pensei em avisar a Rede Globo de que ali havia um larápio, gatuno e oportunista se fazendo passar pelo ex-apresentador do multimilenar “Perdidos na noite”.

Mas eu estava errado. Era o Faustão, Fausto Silva, ou melhor, o Iscariotis pós-moderno. Percebendo minha expressão atônita, pessoas próximas me atualizaram com a informação de que ele havia se submetido a uma cirurgia que o vem fazendo galopar cada vez para mais longe da terra dos gordos.

Só consegui pensar em algo: como ele pôde fazer aquilo? Será que ele não sabe que, durante mais de 20 anos, ele fora o perfeito bode expiatório de milhões de pessoas? Sim, porque depois de terminar a semana comendo mais do que a média dos dias anteriores, indivíduos bovinificados pelo cardápio calórico se acomodavam em seus sofás e dali saíam para dormir apenas após um dos reality shows chatos que parecem imortais. Faustão transpirava sucesso, demonstrando que o peso não era um impedimento para a fama, dinheiro, poder e vários pontos de audiência.

Acabou. No lugar daquele parceiro glutão, um quase magrão. Ao choque inicial se seguiu uma reflexão. Algo muito importante estava no ar: em torno dos 60 anos, Faustão decidiu deixar de ser gordo. Vaidade? Busca por um estado mais elevado de autoestima? Não, senhoras e senhores do auditório mais amado desse Brasil varonil. A questão é mais séria: saúde, saúde e saúde.

O Brasil está caminhando em direção a uma epidemia de sobrepeso e obesidade. Pesquisas recentes indicam que, em dez anos, estaremos tão desastrados nesse quesito quanto os estadunidenses. Bela importação, do tipo capaz de pesar de verdade na balança comercial.

Com o perdão do trocadilho, valho-me de mais argumentos: segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase metade da população brasileira (49%) com 20 anos ou mais está com excesso de peso. No sexo masculino, o sobrepeso saltou de 18% em 1974-1975 para 50% em 2008-2009 e, no sexo feminino, de 28,7% para 48%. Para o mesmo instituto, a obesidade em todas as idades é tão grave quanto a desnutrição. Com as crianças a coisa não é muito diferente: entre cinco e nove anos, uma em cada três tem excesso de peso (33,5%) e 14,3% são obesas. O excesso de peso e a obesidade infantil foram encontrados a partir de cinco anos em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras.

Outros tantos cientistas atentos vêm vaticinando que as crianças que estão chegando ao mundo nos últimos anos terão a honra às avessas de fazer parte da primeira geração que viverá menos que seus pais, muito em função das complicações do exagero calórico. Nunca isso aconteceu. Viemos caminhando há milênios com avanços progressivos em termos de longevidade. Apesar de não ser o único critério para definir a qualidade de vida, ao menos é forte indício de um avanço em direção à proteção da vida.

Mas no meio do caminho tinha uma pedra. E a pedra vinha com cobertura de chantilly, refrigerante duplo e outras bugigangas que pedimos pelo número e nos dão dentro de um saco de papelão.

E vamos comendo, comendo e ampliando, mas não para melhor atender. Afinal, obesidade mata. “Mata mais que bala de carabina, que veneno estriquinina, que peixeira de baiano”. Obesidade mata mais que atropelamento de “automóver”, mata mais que bala de “revórver”’. Cometo até a heresia bem intencionada de afirmar que obesidade mata mais que o olhar da dama da música do imortal Adoniran, que, no ano que há pouco se despediu, teria completado 100 anos de vida.

Viva, Adoniran. Tchau, obesidade.

E quanto a você, Faustão, parabéns pelo esforço. É respeitável a decisão de procurar saúde, não aceitando o passado como argumento inviabilizador do futuro. Tá liberado para continuar mandando os seus “ô, louco meu!”.

Só não me peça para assistir.

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